Em março de 2020, logo no início da pandemia, quando as ruas ficaram desertas, e o fim do mundo parecia próximo, assisti, de uma tacada só (já que estávamos todos trancados em casa), às nove primeiras temporadas de The Walking Dead.
A série do canal FOX, que retratava a transformação de humanos em zumbis, e a luta dos sobreviventes, para encontrarem alternativas, as quais mantivessem-nos vivos, parecia-me, à época, muito apropriada, para o momento que atravessávamos.
Devo, inclusive, à série, a inspiração para escrever meu primeiro artigo, o qual me rendeu um lugar cativo, às segundas feiras, no Jornal Tribuna Diária, do meu querido Sileno Guimarães, abrindo-me muitas outras portas.
Justamente por conta da vida (ainda mais ocupada, desde 2020), face aos múltiplos compromissos com escritora, articulista, comentarista política e palestrante, diretora de duas associações conservadoras, fundadora de um instituto conservador, além de Promotora de Justiça de tutela coletiva e individual de idosos e na área eleitoral, bem como mãe e dona de casa, não acompanhei a décima temporada de TWD, a qual vim a assistir no último fim de semana.
E, por conta do que dali depreendi, a respeito do personagem, resolvi escrever sobre Negan, um dos piores vilões que série criou. Um dos episódios é inteiramente dedicado à sua vida pregressa, antes do apocalipse zumbi instalar-se, e o espectador pode conhecer o homem que era, e quem tornou-se, após os acontecimentos. CONTÉM SPOILER.
Chesterton dizia que a vida feliz é a do homem simples, com seus hábitos simples, seu trabalho, sua casa e sua família. Ele tinha razão. Negan era um homem absolutamente comum, casado com a namorada da escola, professor do ensino médio, com seus trinta e poucos anos, sem filhos.
Encontrava-se desempregado, por envolvimento em uma briga com um homem que, descobriu-se, posteriormente, era pai de aluno, da escola em que dava aulas. A consequência foi a demissão de Negan, que foi considerado uma figura nociva para os jovens.
A partir desse momento, Negan passa seus dias jogando videogame, traindo a esposa, dando desculpas para não acompanhá-la em seus compromissos, sobrecarregando-a com despesas frívolas (a compra de uma jaqueta de couro caríssima para si mesmo, p.e.), até que uma notícia cai como uma bomba sobre ambos: ela está doente. Tem câncer.
Quase que simultaneamente, o mundo, nos moldes que era conhecido, acaba, e a primeira parte da redenção de Negan começa a acontecer. Ele assume integralmente os cuidados com a esposa, e inicia uma busca, arriscando-se perigosamente, por hospitais e locais abandonados, pelos medicamentos para a quimioterapia de sua mulher, que passa a ministrar em sua própria casa.
Negan tem a oportunidade de reparar seus comportamentos erráticos, cuidando de sua esposa, tentando minimizar-lhe o sofrimento e dar-lhe um pouco de esperança. Encontrar comida, defender a ambos dos muitos perigos e zumbis, manter a casa minimamente organizada, tudo isso ele realiza, tendo como finalidade última manter sua mulher viva.
Acontece que o mundo tornou-se um lugar muito perigoso, e o lado pior, das pessoas que sobreviveram, emergiu, nesses tempos de apocalipse. Negan é detido por homens inescrupulosos, que querem ter acesso a drogas e medicamentos. Por demorar muito a livrar-se destes, ao chegar em casa, encontra sua mulher morta.
Este torna-se um momento de ruptura para o personagem, que incendeia sua casa, veste a jaqueta de couro preta e, munido de um taco de beisebol, que envolve com arame farpado, sai pelo mundo em busca de vingança, matando os homens que aprisionaram-no, montando uma gangue e tornando-se o mais temível dos vilões. O ressentimento cega Negan, que desconta, no mundo, o sofrimento que vivenciou.
Após muitas maldades e mortes, sessões de tortura e atos terríveis e abomináveis, Negan é finalmente feito prisioneiro, pelo grupo de Rick, herói da série e seu arqui-inimigo. Pela segunda vez, há uma ruptura para o vilão, que começa a refletir sobre tudo, observando a bondade daquelas pessoas, o espírito de equipe e o senso de justiça.
O vilão passa por uma transformação, arrependendo-se sinceramente e, a partir da nona temporada, é libertado e passa a ajudar o grupo a defender-se de ataques de outros inimigos, liderados por Alfa, a quem ele, Negan, mata, apesar da desconfiança de vários integrantes.
E eis que, na décima temporada, em um episódio inteiramente dedicado a isso, intitulado AQUI ESTÁ NEGAN, sua história é revelada, para que o espectador busque entender os caminhos que levaram-no a transformar-se, em um monstro sem coração, que só foi capaz de recuperar sua sanidade, sua lucidez, sua capacidade de modificar-se e sua empatia, para com o semelhante, após passar uma longa temporada aprisonado, sendo obrigado a olhar para dentro de si mesmo.
Todos somos capazes de fazer diferente. A vida nos oferece, diariamente, uma infinidade de possibilidades de redenção e arrependimento. Nós, dificilmente, fazemos o bem que Deus espera da gente. O mal, a contrario sensu, praticamos com a maior naturalidade.
Entretanto, temos oportunidades, rupturas, dores e sofrimentos, os quais têm o papel fundamental de tornar-nos melhores, em busca da adequada realização da missão, que viemos aqui cumprir.
Como somos seres vaidosos, distraídos, imaturos e despreparados, desviamo-nos cegamente de nossos propósitos. Algumas vezes, é tarde demais, para corrigir certos erros de percurso. Em outras, Deus nos dá uma mãozinha, deixando a chance de ouro a nosso alcance.
Que não precisemos fazer como Negan, que antes de redimir-se, deixou um rastro de destruição e morte, por onde passou. Erros de difícil perdão. Atos quase impossíveis de serem corrigidos.
Começarei a assistir a 11ª temporada. Estou ansiosa para saber se a mudança de Negan é definitiva. Afinal, o mundo está repleto de vilões e de heróis. A luta do bem contra o mal é real e concreta. Mas a vida nos ensina que não há mal que dure para sempre, tampouco bem que nunca termine.
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Erika Figueiredo - Filosofia de Vida
A niteroiense Erika Rocha Figueiredo é escritora, professora e promotora de justiça