Erika Figueiredo - Filosofia de Vida
Como você conta a sua história?
Acabei de assistir, em partes, a uma entrevista do psiquiatra Italo Marsili ao Instituto Borborema. Digo em partes, porque a entrevista teve cinco horas e meia de duração. E valeu cada minuto. Italo é um cara de trinta e poucos anos, casado e pai de seis filhos, que resolveu que sua missão na Terra era passar conhecimento adiante.
Com base em seus estudos com Olavo de Carvalho e outros grandes filósofos da atualidade, criou uma bagagem sólida, e um método de sucesso, através do qual coopta muitos seguidores. Lançou o Guerrilha Way, um site de autoconhecimento e aprimoramento da personalidade, escreveu livros e faz lives gratuitas diárias, tendo se transformado em um fenômeno contemporâneo.
Nesse bate papo que fez com o Borborema, muitas coisas ditas por ele já me eram familiares, mas uma, em especial, me tocou fundo: como você conta a sua história de vida? Italo deu como exemplo a vida de Madre Teresa de Calcutá, que pode ser contada como sendo a vida de uma freira que andava em meio aos pobres, ou a de uma religiosa que influenciou governantes e mudou a trajetória de muitas pessoas, com seu exemplo e sua doação.
O olhar que você lança sobre tudo que viveu e fez, e o modo pelo qual superou adversidades e venceu desafios, é o que definirá como você será visto e lembrado pelos outros. Sua caminhada pode ter sido medíocre ou épica: tudo depende do ponto de vista e do seu jeito de contar a história.
Sua biografia pode ter um ou doze capítulos, seis ou trinta volumes - uma existência sem propósito cabe em uma página. Italo cita quatro formas de levar a vida – baseada em prazer, em serviço ao próximo, em proteção aos outros ou em adquirir e passar conhecimento. Esclarece que uma vida que só busca o prazer é sempre infeliz, frustrante e vazia, posto que desprovida de sentido. E pontua que, quer escolha você qualquer das outras três formas, é preciso exercê-la com AMOR.
Como você se vê, dentro da sua narrativa? Outro dia meu filho mais velho pontuava para mim, que pessoas que me conhecem há relativamente pouco tempo (de quatro anos para cá), me enxergam de um modo completamente diferente daquele, que pessoas que sempre estiveram ao meu lado, me descreveriam. Eu mudei, minha imagem mudou, ou o olhar dos outros mudou, a meu respeito?
Eu diria que aconteceram as duas coisas: eu mudei bastante nos últimos anos, e isso se reflete em minhas atitudes e em minha autoimagem. Mas, sobretudo, e acho que isso é o que impacta a visão dos que me cercam, a narrativa que tenho sobre o curso da minha vida alterou-se, e isso faz toda a diferença.
Sempre tive uma tendência a me nivelar pelos erros, culpabilizando-me ao máximo e sentindo-me inferior a pessoas que eu julgava terem acertado mais do que eu. Prudência não foi o meu forte por muitos anos, e as consequências das atitudes impensadas reverberavam forte em mim. Anos de terapia também não haviam ajudado, nesse sentido: o apontamento dos erros, sem a contrapartida dos acertos, pode fazer bastante estrago.
Até que acontecimentos inesperados e o estudo da filosofia me fizeram enxergar coisas que eu não via antes... por meio de um balanço de minha trajetória, e do entendimento do modo pelo qual eu estava deixando minha marca no mundo, passei a compreender minha história por outro ângulo, enxergando atos de coragem e superação, onde antes só via equívocos.
Percebi que é fundamental que, apesar de errar, você possa suportar as consequências de suas escolhas. Sem vitimizar-se ou culpar terceiros. E isso eu sempre fiz bem: matei no peito as boladas que levei. Fui bem sucedida onde muitos falharam ou desistiram. Venci situações dramáticas e desafiadoras. Isso forjou meu caráter e me ajudou a ser exemplo para outras pessoas.
Ressalto que uma atitude extremamente necessária é a de se contentar com a própria vida: você está exatamente onde deveria estar, e precisa abraçar as suas circunstâncias. Somente assim, poderá, efetivamente, enxergar-se como realmente é e atingir seus objetivos. Essa conversa de que você pode ser o que você quiser é mentirosa e não se sustenta. Ninguém pode. Eis uma das falácias da atualidade, responsável por gerar muita frustração e muito descontentamento por aí.
Compreender que o que dá propósito à sua vida dificilmente será uma situação fantástica, uma aventura emocionante ou um evento fascinante, mas que provavelmente esse propósito exsurgirá dos seus atos mais cotidianos e da repetição dos seus deveres, poupa-nos muitos dissabores, os quais decorrem do desfazimento de sonhos impossíveis.
E será através desses pequenos atos que você construirá uma história sólida, repleta de conteúdo e, porque não dizer, de coragem e heroísmo, baseada na sua capacidade de lidar com as situações e as dificuldades com altivez, honestidade, equilíbrio, força e prudência, sendo justo e comprometido com aqueles que contam contigo.
Então, seja generoso com a sua biografia, e ao escrever o livro da sua vida, ainda que imaginariamente, observe como você descreve a si mesmo, e aos seus feitos e decisões, e pergunte-se se a sua vida faz sentido, para você e para os outros. A resposta pode te surpreender!
“Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido. Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério”. Parte do Poema Instantes, cuja autoria é erroneamente creditada a Jorge Luis Borges, mas é desconhecida.
A niteroiense Erika da Rocha Figueiredo é escritora, promotora de Justiça Criminal, Mestre em Ciências Penais e Criminologia pela UCAM, membro da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais e do MP Pro Sociedade, aluna do Seminário de Filosofia e da Academia da Inteligência. Me siga no Instagram @erikarfig.
Texto extraído da Tribuna Diária
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