Jennifer Lawrence e Leonardo di Caprio são Dr Mindy e Kate, dois cientistas de Michigan, que descobrem, por acaso, que um cometa, de cinco a dez quilômetros de diâmetro, destruirá a humanidade e todas as espécies de vida terrestre, em seis meses e quatorze dias. CONTÉM SPOILER.
Avisam às autoridades de Washington, e são imediatamente enviados para a Casa Branca, em um avião de carga, a fim de dar a terrível notícia à Presidente da República, vivida por Meryl Streep. Começa a saga. Esse é o roteiro de Não Olhe Para Cima, ou Don’t Look Up, sucesso da Netflix.
O interessante do filme é a mensagem que nos traz. A seis meses da completa extinção da Terra, as pessoas simplesmente negam a realidade, e continuam vivendo suas vidas normalmente. O fim do mundo pode esperar.
Acontece que, ao chegarem a Washington, nosso cientistas observam, atônitos, que a verdade que trazem é um grande inconveniente. Afinal, o meio político está muito preocupado com as questões mais imediatas, como a nomeação de um juiz da Suprema Corte e a celebração de um aniversário.
Fora do salão oval, as redes sociais noticiam o imperdível rompimento, do relacionamento de dois popstars. Nenhuma nota sobre o iminente apocalipse.
Após mais de sete horas de espera, a dupla é informada que será acomodada em um hotel. A conversa com a Presidente ficará para o dia seguinte. Perplexos, exaustos e desesperados, Kate e Mindy buscam uma resposta, para tanta leviandade e descompromisso com a verdade. Não há.
No dia seguinte, são levados à presença da presidente, uma pessoa frívola e dissociada da realidade. A mesma pede para que lhe expliquem o que estão fazendo ali, e ao dizerem que tem cem por cento de certeza que um cometa, da espécie “assassino de planetas”, atingirá a Terra, são interrompidos, pelo chefe de gabinete: este lhes diz que trata-se, na verdade, de um fenômeno “potencialmente relevante”, e que não é necessário tanto alarde.
A presidente sugere que seja dito, que há 70% de chance de as pessoas morrerem. Afinal, dizer a verdade causará um impacto muito grande. Diz que convocará seu grupo de cientistas, pois deve haver um meio de evitar isso, evidentemente.
Recebe a recomendação, por parte do Dr Oglethorp, outro cientista que acompanha a dupla de Michigan, de convocar a NASA, equipar ônibus espaciais com armas nucleares, tentar desviar o curso do cometa. Resolve, então, que aguardará as Mid Terms ( eleições do Congresso dos EUA), dali a três semanas, a fim de não comprometer sua popularidade, avisando à população que o planeta irá desaparecer.
Meryl Streep acende um cigarro e diz que já houve vários outros “eventos alarmantes” que foram superados, e que o mesmo se dará , com o fim do mundo. A incapacidade de sair de sua bolha, olhar para fora do gabinete e enxergar a realidade, de modo abrangente, é impressionante.
Os cientistas resolvem, então, contar à humanidade o que está acontecendo, divulgando sua descoberta, por meio da imprensa. São aconselhados a contratarem um advogado, pois essas informações superconfidenciais não podem vazar, seria um crime.
Ao irem a um programa de tv, para alertarem as pessoas, acerca da iminência da extinção, são tratados com descaso e ironia, como se fossem malucos, desajustados e super preocupados. Surgem memes sobre a revelação, ninguém leva a sério e Leonardo Di Caprio passa a ser considerado um astrônomo sexy e popular.
A imprensa começa a desacreditar e desmentir a noticia, expondo ao ridículo seus emissários. O próprio namorado de Kate diz que ela é maluca, terminando o namoro pela rede social. No entanto, em uma reviravolta, a Presidente decide capitalizar votos com a informação, e convoca uma coletiva de imprensa, tomando providências, que, entretanto, se mostrarão infrutíferas, na contenção do cometa.
A internet e a imprensa noticiam vigorosamente o envio de ônibus espaciais ao espaço, e tudo caminha bem, até que, por motivos financeiros, a missão é abortada (há o desejo, por parte da presidente e de um mega empresário, de capitalizar, explorando minérios que estariam contidos no cometa).
A partir daí, e diante da certeza da morte, os cientistas, que vinham sendo incensados pela mídia, como salvadores da pátria, caem na real, percebem que foram usados e passam a correr contra o tempo, tentando viabilizar soluções, as quais esbarram sempre no cinismo, no ceticismo e na ganância dos poderosos. Para eles, o fim do mundo é um detalhe.
Di Caprio vai em busca da esposa e dos filhos (a quem havia abandonado, por um romance com uma âncora de tv), e o óbvio fica evidente: o que realmente importa, na hora da nossa morte, são os nossos afetos verdadeiros.
Já Kate, é processada por dizer a verdade, sendo acusada de crime contra a segurança nacional, e faz um acordo com a procuradoria, por meio do qual, não poderá mais associar, publicamente, a imagem da Presidente aos empresários inescrupulosos, tampouco dizer o potencial destrutivo do cometa.
Aceitar a verdade
O filme deixa uma ampla mensagem sobre a superficialidade da vida, o ilusionismo dos tempos modernos, a ascendência da mídia sobre os indivíduos, que se deixam corromper por qualquer ideia que lhes seja plantada, a ganância, o poder e a podridão política, a incapacidade de lidar com a realidade e a verdade - um sintoma claro de nossa era.
Digo, sempre, que inserir-se na realidade é o primeiro passo, para a tomada de decisões sábias. Aceitar a verdade e as circunstâncias permite-nos avançar, em busca de caminhos viáveis e possíveis.
Vivemos em um mundo no qual a verdade não é o mais importante, mas sim as narrativas que são vendidas às pessoas, o tempo todo. Não Olhe Para Cima é apenas um retrato da modernidade. No final do filme, a Terra explode e todos morrem.
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Erika Figueiredo - Filosofia de Vida
A niteroiense Erika Rocha Figueiredo é escritora, professora e promotora de justiça