Erika Figueiredo - Direito e Muito Mais

O egoísmo é inimigo do amor

“Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim”. Ortega y Gasset. Foto: Divulgação

“O sentimento segue aquilo que amamos. Se amamos o que é verdadeiro, bom e belo, ele nos conduzirá para lá. O problema, portanto, não é sentir, mas amar as coisas certas. Do mesmo modo, o pensamento não é guia de si próprio, mas se deixa levar pelos amores que temos. Sentir ou conhecer, nenhum dos dois é um guia confiável.

Antes de poder seguir qualquer um dos dois, é preciso aprender a escolher os objetos de amor – e o critério dessa escolha é: Quais são as coisas que, se dependessem de mim, deveriam durar para sempre? Há coisas que são boas por alguns instantes, outras por algum tempo. Só algumas são para sempre”. Olavo de Carvalho

Assisti ao filme O Refúgio (The Nest), com Jude Law e Carrie Coon. O filme fala da mudança de uma família, de Nova Iorque para uma fazenda, nos arredores de Londres, e das situações que se desenrolam a partir daí. Mas fala, sobretudo, de egoísmo e desamor.

Jude Law é Rory, um cara egoísta e autocentrado, que finge ser rico, para frequentar altas rodas e tentar fazer bons negócios, no mercado financeiro. Por meio de sua megalomania e de inúmeras mentiras, arrasta sua esposa e os filhos para um abismo, transformando a rotina de todos em um verdadeiro inferno.

Rory, como muitas pessoas por aí, comete o erro fatal de acreditar que merece mais da vida, que nasceu para ter muito, e que por injustiça divina, recebeu menos do que lhe cabe. Desse modo, vai tentando adaptar a realidade às suas idéias mirabolantes, não aceitando suas circunstâncias, nem valorizando o que possui.

Mente, trai, deve, trapaceia, odeia, inveja e passa por cima de todos que, de uma forma ou de outra, não fazem o que ele quer, na hora que acha devida. Considera como afronta tudo que atrapalha seus planos, e sente-se incompreendido e frustrado.

Não enxerga sua família, as dificuldades de todos em adaptarem-se ao que ele deseja, sempre. Tampouco percebe o quanto seu comportamento é destrutivo e autorreferente, já que coloca-se sempre em primeiro lugar. Entrega pouco, quer receber muito. Não se doa, não cuida dos seus, não protege ou age com generosidade.

A certa altura do filme, quando sua esposa lhe pergunta por que se comporta assim, mentindo e tentando ser algo que não é, o tempo todo, Rory responde que teve uma infância horrorosa, e que nunca mais quer passar pelas coisas que vivenciou.

E é justamente aí que entra o grande ponto das trajetórias: ou a pessoa supera o que não foi e avança, buscando, em sua realidade, coisas essenciais que façam-na sentir-se grata e feliz, aprimorando-se com as dificuldades, ou passará a existência inteira rodando em círculos, correndo atrás do que não teve, sem evoluir.

O egoísmo é o oposto do amor. Porque o grande barato do amor é esse: ele faz com que você saia de si mesmo, se doe, se mostre e se comprometa. Ele faz com que você deixe de ser auto-centrado, libertando-o da ditadura do EU.

Mas o que é amável? Essa é uma pergunta muito difícil, no tempo em que vivemos, no qual as pessoas projetam desejos e ideias de felicidade em coisas absolutamente fúteis, exteriores e descartáveis. Talvez o caminho seja, então, pensar na hora da sua morte, e do que você gostaria de levar com você até o fim, como disse o querido professor Olavo.

Seus filhos. Seu companheiro (a). Seu legado (aquilo que você fez na vida e frutificou), seus pais, alguma(s) amizade(s)... Posso assegurar, sem medo de errar, que em seu leito de morte, você não sentirá falta do seu carro, da casa de praia, da viagem inesquecível ou do vinho safra 2000 que você tomou.

Você apenas sentirá falta do que é essencial. E é por isso que as relações consumíveis de hoje em dia, baseadas em aparência física, dinheiro ou status, não têm condições de prosperar: porque só temos dois momentos na vida, que realmente importam – o agora, e a hora da nossa morte, como está escrito na oração da ave maria. E o que você deseja agora, precisa estar alinhado com o que você desejará, na hora da sua morte.

Relações de amor precisam de dois requisitos para acontecerem. São estes a atração física e a admiração. Esses fatores são fundamentais para a aproximação de duas pessoas, e para a valorização do outro.  A admiração partirá dos valores inegociáveis e fundamentais para você, que o outro carrega consigo. Não haverá como manter, a longo prazo, uma relação que fere os seus valores, que violenta o seu espírito.

Então, a partir desses dois pontos, que unem um casal, será necessário exercitar a doação. A entrega. O amor incondicional. O não egoísmo. E é aí que a coisa aperta. Porque nesse mundo hedonista e imediatista que habitamos, não aprendemos a deixar de olhar para o nosso próprio umbigo, a fim de que sejamos capazes de servir ao outro, proteger o outro, ensinar ao outro.

Evidentemente, para com os filhos, esses três movimentos (servir, proteger e ensinar) acabam acontecendo de modo mais natural e espontâneo. Afinal, o senso de dever relacionado à paternidade ainda não foi aniquilado da face da Terra, muito embora , hoje, já seja sofrível ( depois de 14 anos em vara de família, posso afirmar, sem sombra de dúvida, que os pais estão cada vez mais ausentes, egoístas e perdidos no exercício dessa função).

Mas o exercício dessa doação, em uma relação de namoro ou casamento, é muito difícil. Porque todo mundo quer ser feliz, aproveitar a vida. O sacrifício da entrega é, para as gerações atuais, muito penoso e nada prazeroso. Não fomos treinados para isso. Não aprendemos isso. Não percebemos isso no nosso entorno, o que torna tudo mais complicado.

E é por isso que o personagem do filme está sempre frustrado e querendo mais: porque não enxerga o essencial. A certa altura do filme, em um taxi, ele diz ao motorista, quando perguntado acerca do que faz da vida: “Eu finjo ser rico, mas na verdade eu não tenho nada”. E o taxista indaga: “Mas você tem filhos?”. Ao ouvir a resposta afirmativa, o homem completa: “Então, você tem tudo”.

Quantas vezes temos tudo, e não nos damos conta? Estamos sempre insatisfeitos, desperdiçando oportunidades de, dentro das circunstâncias em que estamos inseridos, sentirmo-nos felizes e gratos pelas oportunidades que Deus nos deu, sem que sequer fôssemos merecedores.

Logo, a única mensagem que quero deixar, com esse texto, é a seguinte: olhe para a sua vida com honestidade, goste das suas circunstâncias, e abrace a possibilidade de ser melhor a cada dia. Pode ser que te falte tempo, para realizar tudo que Deus espera de ti.

“Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim”. Ortega y Gasset.

A niteroiense Erika Figueiredo é escritora, promotora de Justiça Criminal, Mestre em Ciências Penais e Criminologia pela UCAM, membro da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais e do MP Pro Sociedade, aluna do Seminário de Filosofia e da Academia da Inteligência. Me siga no Instagram @erikarfig

Erika Figueiredo - Direito e Muito Mais

Erika Figueiredo - Direito e Muito Mais

A niteroiense Erika da Rocha Figueiredo é escritora, promotora de justiça criminal, mestre em ciências penais e criminologia e membro da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais e do MP Pro Sociedade.

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