Destinos

O que aprendemos com a Europa

Uma reflexão sobre história e cultura

Vila medieval de Dolceacqua, na Italia
Vila medieval de Dolceacqua, na Italia |  Foto: Divulgação / TripAdvisor
 

Desde muito jovem, eu tinha o sonho de conhecer a Europa. Havia viajado bastante pelo Brasil, pois minha avó paterna, após aposentar-se, tornou-se agente de viagens, levando-me com ela em muitas excursões. Resultado: e eu associei, por toda a vida — e associo até hoje — a experiência de viajar a liberdade e novidade.

Entretanto, o dinheiro era curto, viajar para o exterior era muito caro, e só fui realizar meu sonho de ir à Europa, pela primeira vez, em 2004, quando desembarquei, de mala, cuia e um filho de 5 anos de idade, debaixo do braço, para fazer mestrado na Universidade Clássica de Lisboa.

Naquela época, eu não consegui absorver, adequadamente, o impacto da experiência, sobre mim. Fomos assaltados em Madri, ficamos sem documentos e sem dinheiro, incluindo-se aí minha carteira de motorista e nossos passaportes, e precisamos voltar para o Brasil, onde concluí o Mestrado em outra instituição, no Rio de Janeiro.

Só retornei à Europa em 2006, quando fui a Paris. E começou ali o meu profundo amor pela história e pela arte...

A Europa nos impressiona pelo peso de sua história e da tradição. Como é o velho continente, não há lugar ao qual se vá, que não tenha o que nos ensinar, acerca de legado, honra, dever, glórias e derrotas. A beleza da arquitetura medieval interage com o dinamismo da modernidade: as pessoas convivem com monumentos e relíquias com muita naturalidade.

Muitas das igrejas levaram séculos para serem concluídas, o que denota a devoção, a fé e a dedicação dos homens, de séculos passados. Afinal, tudo levava tempo, e as pessoas sabiam que era assim mesmo, para que algo fosse construído e durasse pela eternidade.

Tais igrejas, somadas às muralhas, castelos, fortalezas, conventos e monastérios, faziam parte da realidade de cada feudo, posteriormente de cada reino, tendo muitas resistido às guerras e à ação do tempo, permanecendo, até hoje, ali, onde podemos visita-las e maravilhar-nos com tanta sabedoria.

Destinos marcantes

Três lugares no mundo marcaram-me, especialmente: a cidade de Macchu Picchu, no Peru, por ser a evidência concreta da superioridade da cultura inca, que foi uma das mais avançadas do mundo; a aldeia medieval de Éze, na Cote D’Azur, França, que conheci em minhas últimas férias; a vila medieval de Dolceacqua, na Italia, onde residem amigos muito queridos, a qual visitei, pela primeira vez, em 2019.

Os tesouros seculares que se encerram nestes três locais que mencionei, verdadeiras joias preservadas, na modernidade, demonstram o quanto beleza, aliada a fé e sabedoria, podem sobreviver ao longo de eras, deixando um legado para a Humanidade.

Tudo que se depreende de uma visita a esses locais, e a muitos outros, na Europa e na Ásia, continentes antigos e prósperos, nos revela uma grande lição: por mais que, hoje, não se dê valor ao belo, e a arquitetura e a moda dos tempos modernos desejem destruir tudo que foi cultivado durante milênios, inventando novos padrões estéticos para a sociedade, A BELEZA IMPORTA.

O divino

O belo é o que nos aproxima da perfeição de Deus. É o belo que nos contacta com o sentimento de que a vida vale a pena, e que tudo que se faz, reverbera na eternidade. É através do belo que despertamos nossos sentidos. O que tem valor afetivo, toca-nos a alma.

Onde não há beleza – e vivemos essa experiência nas grandes metrópoles brasileiras – não há o sentimento de preservação. Onde o feio impera, o sentimento que prevalece é o de utilidade: se não for útil, pode ser destruído, depredado, abandonado, descuidado" Erika Figueiredo, colunista
 

História

Um passeio por Paris nos remete, diretamente, à nobreza, à monarquia, à Revolução Francesa. Um passeio por Roma nos revela os grandes papas, as famílias dominantes nos Estados - que, muitos séculos depois, foram unificadas. Uma ida a Londres nos remete ao Rei Henrique VIII, ao anglicanismo, à família real britânica...

E o que dizer de Portugal, com suas grandes navegações, suas igrejas maravilhosas, os cavaleiros, a universidade de Coimbra, que foi sede do Governo, seus vilarejos repletos de história, a Catedral de Braga... a Espanha, com mesquitas transformadas em igrejas, a Universidade de Salamanca, os tesouros abrigados em Sevilha e Córdoba, o caminho milenar de Santiago de Compostela...

A Alemanha e seus castelos, museus, cidades de contos de fadas, muitas das quais foram inteiramente reconstruídas após as duas Grandes Guerras. E tudo isso foi preservado e reconstruído POR QUE RAZÃO? E eu novamente respondo: PORQUE A BELEZA IMPORTA. Porque a história e a tradição são os maiores tesouros de cada povo, que retira, dali, seus costumes e valores.

Errantes brasileiros

Quando viajamos para a Europa, entendemos boa parte do que nos impede de avançarmos como nação. Somos um país sem memória, que renega seu passado, desacredita sua História, destrói seus monumentos, não respeita o próprio passado. Sem referências, tornamo-nos órfãos errantes, adotando a cultura e os costumes de outros povos, porque desmerecemos o que construímos.

O orgulho de uma nação é diretamente proporcional ao esforço que esta fará , para manter-se de pé, em momentos de adversidades extremas. A Europa passou por guerras, pestes, fome, morte, e jamais desistiu de lutar. Cada país tem ao menos uma história de resistência, triunfo, derrota e batalhas , para contar à civilização.
 

Nosso povo abriu mão de seu passado, renegando os reis que teve, as grandes lutas travadas, por ocasião da independência, as honrarias e glórias devidas aos nossos monarcas e governantes. O preço vem sendo pago, geração após geração, derrota após derrota, no Brasil.

Precisamos pensar NO LEGADO que teremos pra deixar, como nação. Já fomos vistos como o país do futuro. Hoje, somos mera sombra do que poderíamos ter sido, caso honrássemos nossa História, respeitássemos nossas tradições, valorizássemos nossos heróis. Destes, saem exemplos preciosos, que teriam sido seguidos, caso houvéssemos despertado do torpor em que estamos submersos.

Mas, nunca é tarde para falarmos do que realmente importa...

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

A niteroiense Erika Rocha Figueiredo é escritora, professora e promotora de justiça

< Ídolo da F1, Ayrton Senna é declarado patrono do esporte brasileiro Congresso aprova aumento para servidores e piso da Enfermagem <