Lição

Um acordo de poder! Você está disposto a se submeter?

A analise de Erika Figueiredo sobre a ficção x realidade

Star+ Brasil
 

Na semana passada, falei sobre a série The Walking Dead.  Como a temporada 11 teve novos capítulos adicionados, e como sou absolutamente viciada nessa saga de sobreviventes ao apocalipse, lá vou eu, de novo, traçar um paralelo da narrativa, com a realidade. CONTÉM SPOILER.

Os personagens de TWD estão exaustos. Perderam sua comunidade, Alexandria. Outras duas comunidades, Hilltop e Oceanside, também foram devastadas. Pouco sobrou para eles, que vagam por florestas e terrenos áridos, matando zumbis, procurando comida e tentando, como podem, preservar suas vidas.

A vida é cruel, o mundo tornou-se um lugar muito perigoso, e por incrível que pareça, piores do que os zumbis, são algumas pessoas, que aproveitam-se da escassez, do medo e da precariedade da vida humana para conseguirem vantagens e poder.

Alguns dos personagens, dentre estes Eugene, são atraídos para um comunidade denominada Commonwealth, que parece, á primeira vista, um oásis no deserto. Ali, a vida de antes do apocalipse zumbi é recriada, e 50 mil pessoas vivem sob intensa vigilância, entremuros, governadas pela mão de ferro de Pamela Wilson.

Todos trabalham, conforme suas habilidades, havendo comida, moradia, escola e proteção para todos. Porém, o preço a se pagar é muito alto. Não existe liberdade de expressão. O poder está concentrado nas mãos de poucos. O dinheiro é escasso. Cada cidadão é ostensivamente vigiado.

Maggie, uma das personagens principais da trama de TWD, desde o início recusa-se a ir para Commonwealth. Prefere manter-se em um acampamento, dentro dos muros de sua antiga comunidade, Hilltop, apesar dos apelos de vários amigos e até mesmo dos dirigentes da referida comunidade, para que se mude para lá, mesmo que temporariamente.

Por ser uma sobrevivente, tendo construído do nada uma cidade próspera e autossustentável (apesar de, momentaneamente, devastada, por grupos de sobreviventes inimigos), sabe que o preço a se pagar, ao abrir mão da própria liberdade, em troca de uma suposta segurança, é muito alto, preferindo manter-se ali, em meio a imensas dificuldades, a sucumbir aos pedidos. Sábia.

Aos poucos, os dirigentes da Commonwealth começam a mostrar suas verdadeiras personalidades e seus objetivos escusos. Manipulam a população. Roubam. Brigam por poder. Forjam situações, notícias e até prêmios de loteria. Oferecem pão e circo ao povo, para que este, entretido, não perceba o que está, de fato, acontecendo.

A face do totalitarismo vai se delineando, deixando claro algo que as pessoas já deveriam ter aprendido: na vida, não existe almoço grátis. O que quer que lhe seja fornecido, por pessoas sem escrúpulos, lhe será cobrado, de um jeito ou de outro, quando você menos esperar. E a turma de Commonwealth sabe fazer isso.

Maggie conta um episódio de sua vida, a alguns amigos, alertando sobre o que acontece, quando acreditamos, ingenuamente, em propostas gentis, de gente sem caráter: Seu pai possuía uma fazenda, produtiva e próspera. Entretanto, uma longa seca abateu-se sobre a localidade, e, sem conseguir plantar e colher, ou mesmo alimentar o gado, o homem endividou-se, a fim de manter sua propriedade funcionando.

Incorporadores inescrupulosos, sabendo de tal situação, fizeram uma oferta pela fazenda, bem abaixo do valor de mercado. Como o pai de Maggie recusou a proposta, subiram o valor, e passaram a deixar alimentos e combustível na porta da propriedade, a fim de convencerem a família.

O pai de Maggie não vendeu suas terras, tampouco tocou nos mantimentos que foram deixados à sua porta. Embora todos estivessem famintos e necessitados, ele percebia, com clareza, que nenhum destes atos era fruto de caridade ou bondade, mas apenas faziam parte de um jogo, do qual ele sempre sairia perdendo.

Pediu à família que aguentassem firme, pois a seca terminaria, a terra voltaria a ser fértil, e o gado sobreviveria. E foi exatamente o que aconteceu. Todos ficaram bem, nenhuma vaca morreu, e a fazenda permaneceu com a família, até o apocalipse ocorrer.

Falsas promessas

Essa é uma grande lição, que devemos seguir, em tempos difíceis. Não acreditar em falsas promessas, gente desonesta e com sede de poder. Não nos iludirmos com aparências e cargos, postos de destaque e narrativas falsas: tudo isso é passageiro e, normalmente, o preço a ser pago é a nossa dignidade, a nossa despersonalização, a perda de nossa identidade pessoal.

Vivermos de acordo com a nossa realidade e acreditando em nossa intuição e nos valores que nos foram passados, é um bom começo. Querer ser quem não ´se é, ou ter o que não se tem condições, para impressionar a alguns, é uma grande bobagem, e deixa-nos completamente perdidos e desorientados, inaptos à tomada de decisões acertadas.

No jogo de ilusões em que nos encontramos, é necessário sabermos separar as pessoas por caráter, a fim de que, lá na frente, não tenhamos que acertar as contas, com gente que não tem nada a perder. Tudo que nos for dado, nos será cobrado, na mais justa medida de quem nos deu. Portanto, que façamos acordos com gente correta, e que cobra o preço certo a ser pago.

À primeira vista, as facilidades podem cegar-nos. O povo de Hilltop, liderado por Maggie, está faminto, sedento, desprotegido e sem teto. Estão alimentando-se da carne tostada dos cavalos, que não resistem, e vão morrendo, um a um. No entanto, possuem liberdade de escolha e de viver como desejam, e disso, não abrem mão.

Apesar de todas as inúmeras dificuldades momentâneas, a verdade é sempre o melhor caminho. O caminho do bem costuma mesmo ser o mais tortuoso. A virtude é algo difícil de se obter, é preciso lutar por esta. Por isso, gente de bem costuma sofrer mais e ser mais testada, no início. A boa notícia é que, com o tempo, vai ficando mais fácil.

A trajetória de Maggie e sua turma contém muitas lições, com as quais podemos aprender. Os donos da bola, no time da Commonwealth, fazem qualquer coisa para manterem-se no topo da pirâmide. Inclusive matar. Ali, não há alternância de poder, conforme exige a democracia, tampouco lucro por mérito e por trabalho. O que há é toda uma comunidade, que em troca de comida, casa, divertimento e segurança, submete-se a qualquer coisa.

AO QUE VOCÊ ESTÁ DISPOSTO A SE SUBMETER?

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

A niteroiense Erika Rocha Figueiredo é escritora, professora e promotora de justiça

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