Carnaval
Mais que uma celebração: enredos afro serão destaque em 2025
Nove escolas de samba levarão temática africana para Sapucaí
Nove das 12 escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro levarão enredos de temática africana para a Marquês de Sapucaí no Carnaval de 2025. Entre as abordagens, estão homenagens a personalidades negras, referências às religiões de matriz africana, como candomblé e umbanda, e narrativas que destacam o vínculo histórico e cultural entre o Brasil e o continente africano.
A escolha reforça a tradição do carnaval como expressão da herança cultural negra. Nos últimos três carnavais, desde a retomada após a pandemia, duas campeãs tiveram enredos afro (Grande Rio em 2022 e Viradouro em 2024), além de três vencedoras do Estandarte de Ouro de Melhor Escola (Grande Rio, Beija-Flor e Portela).
O carnavalesco Leandro Vieira, da Imperatriz Leopoldinense, destaca a importância dos desfiles para a reflexão social.
“Os desfiles das escolas de samba são espaços para pensar o Brasil e suas pautas urgentes. Não é possível falar de sociedade brasileira sem abordar a cultura afro e enfrentar as distorções históricas sobre religiões de matriz africana. É nesse espaço que se avança com essas discussões”, afirmou.
Ele também ressaltou o papel do carnaval na disseminação de conhecimento e combate ao preconceito.
Quando há informação, reduzimos a desinformação. Com menos desinformação, o preconceito perde força. Assim, o carnaval se torna uma ferramenta de transformação social.
Para Cláudio Honorato, doutor em História e coordenador de pós-graduação lato sensu em História da África do Instituto Pretos Novos (IPN), a conexão entre o carnaval e a cultura afro-brasileira vai além da celebração.
“O carnaval é a maior festa brasileira e tem suas raízes profundas nas tradições africanas. É uma síntese da africanidade na brasilidade, um espaço que dá visibilidade ao povo preto e promove a inclusão e a harmonia entre os diferentes povos do país”, disse.
Cláudio também destacou a importância de incorporar os temas carnavalescos na educação.
Enredos como os que homenageiam Zumbi dos Palmares, Chico Rei e Chica da Silva são fundamentais para as salas de aula. Eles ajudam a desconstruir estereótipos, promovem o respeito às tradições culturais afro-brasileiras e fomentam o conhecimento sobre nossa história.
Júlio Cesar, doutor em História pela Fiocruz, professor de História Contemporânea da UFF e membro do comitê científico do Cais do Valongo, também ressaltou a importância do Carnaval como espaço de ressignificação.
“A herança afro-brasileira se manifesta no modo como nossos antepassados reinterpretaram o mundo que lhes foi imposto. Isso aparece na música, na arte e no carnaval, que mistura crítica social e celebração para dar voz a um povo que clama por justiça”, disse.
Júlio também enfatizou o potencial do carnaval para divulgar a história africana. “Precisamos desmistificar a ideia de que a África é só sofrimento. Viemos de reinos poderosos e ricos, e o carnaval pode exaltar isso. É uma oportunidade de celebrar e, ao mesmo tempo, denunciar as condições de marginalização vividas por muitos afro-brasileiros”, completou.
Só valorizamos aquilo que conhecemos, e a ignorância é o terreno fértil para o preconceito.
Livro é a base
O historiador é autor do livro "À Flor da Terra: O Cemitério dos Pretos Novos no Rio de Janeiro", obra que inspirou o enredo da Mangueira para 2025, intitulado “A Flor da Terra”. Sobre o tema, Júlio reforçou:
O livro mostra como o passado escravista impacta o presente. Esse olhar crítico é fundamental para o Brasil avançar em questões de reparação e memória histórica.
Leandro Vieira ainda ressaltou que o espaço das escolas de samba é histórico para a cultura negra.
“Desde o pós-abolição até a criação das primeiras escolas, o carnaval tem sido uma trincheira de luta e afeto que reafirma valores e tradições pretas. Não se trata de uma nova abordagem, mas de um aprofundamento daquilo que sempre foi central para o samba”, afirmou.
Cláudio Honorato reforçou o papel da educação na valorização da cultura afro-brasileira. “Precisamos aplicar as leis que determinam o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana. Só valorizamos aquilo que conhecemos, e a ignorância é o terreno fértil para o preconceito. O carnaval é um ponto de partida para essa transformação, mas a escola tem um papel fundamental nesse processo”, finalizou.
Júlio Cesar concluiu destacando a relevância do carnaval para a identidade nacional. “Ampliar o discurso sobre a matriz africana através do carnaval é uma maneira de reforçar que a experiência afro-diaspórica é central para entendermos o Brasil. É mais que uma celebração: é uma reafirmação da nossa história e da nossa cultura”.
Para 2025, enredos como o da Mangueira prometem trazer reflexões sobre as contribuições afrodescendentes para a formação cultural brasileira, reforçando o papel da Sapucaí como um espaço de resistência, memória e transformação social.
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