'Hairspray'
Tiago Abravanel desafia padrões e enfrenta gordofobia em musical
Ator falou ao ENFOCO sobre debater o tema através da arte
No musical "Hairspray", que está em cartaz no Teatro Riachuelo, no centro do Rio, Tiago Abravanel não só dirige, mas também vive a icônica personagem Edna Turnblad, mãe da protagonista Tracy Turnblad, uma jovem gorda que desafia os padrões de beleza e conquista seu espaço num programa de TV local.
Em entrevista ao ENFOCO, Abravanel revela que a montagem do espetáculo é um sonho antigo que, além de entretenimento, traz uma discussão crucial sobre gordofobia.
"A Tracy é uma grande inspiração para sua mãe. Ela mostra que é possível lutar por seus sonhos, independentemente do corpo que se tem", afirma Tiago Abravanel. O ator destaca que o espetáculo, ambientado nos anos 60, aborda temas ainda muito atuais.
Hoje, falar sobre gordofobia e encontrar força na nossa personalidade dentro das nossas condições é mais relevante do que nunca
A personagem Edna, tradicionalmente interpretada por homens – como John Travolta no filme de 2007 e a drag queen Divine na versão de 1988 – é um desafio e uma descoberta diária para Abravanel. "Trazer a minha personalidade para perto dessa personagem tem sido um desafio, mas também uma grande realização", revela.
Tracy luta por si mesma, mas também por todos, pela diversidade e igualdade.
Ele reflete sobre a responsabilidade de representar uma personagem com tantas camadas e a importância de discutir temas relevantes de maneira acessível. "É impressionante como, mesmo sendo um espetáculo de uma época específica, essas discussões são extremamente atuais".
Vânia Canto, amiga de faculdade de Tiago e intérprete de Tracy, vê na personagem uma líder que vai além da luta pessoal. "Tracy luta por si mesma, mas também por todos, pela diversidade e igualdade. Ela descobre a importância da integração racial nos programas de TV em plena segregação nos EUA", explica.
A atriz também elogia os figurinos que favorecem mais o corpo gordo e fogem dos estereótipos. "Estamos trazendo uma Tracy com frescor e sensualidade, mostrando que a gordinha pode ser sexual e cool".
'Não levantamos bandeira', diz Abravanel
Abravanel defende que a peça e o movimento contra a gordofobia não discutem saúde, mas respeito.
Não estamos levantando a bandeira 'seja gordo você também!’. Estamos dizendo que somos pessoas que merecem viver na mesma condição que todo mundo
Ele ressalta a relevância de abordar essa temática num momento em que a discussão sobre gordofobia está mais aberta. "Em 2009, essa pauta não era tão presente. Hoje, podemos falar abertamente sobre a importância de realizar nossos sonhos, independente do corpo que temos".
A representação de corpos gordos no teatro musical é um passo importante para a diversidade, mas Vânia questiona: "Por que uma atriz gorda só pode ser protagonista se a personagem for gorda? Qualquer protagonista pode ser gorda. O próximo passo é que nós, atrizes gordas, consigamos locais de protagonismo sem estarmos vinculadas a personagens gordas".
A trama de "Hairspray" se entrelaça com questões sociais profundas, desde a luta pela igualdade racial até a afirmação da identidade e aceitação dos corpos gordos. Tiago acredita que o espetáculo oferece uma mensagem de empoderamento e autoaceitação.
Para nós, fazer o que fazemos não é surpreendente. Estudamos e nos preparamos muito. Mas é um choque para aqueles que não conseguem entender que corpos gordos podem ocupar esses espaços
Gordofobia x sociedade
Para a pedagoga e doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Estado o Rio de Janeiro (UNIRIO), Cláudia Reis, a gordofobia é um mecanismo de exclusão social estrutural e estruturante.
"A aversão ao corpo gordo tem sido incentivada como ideologia dominante. A pressão estética impede a pessoa de ocupar determinados espaços, enquanto a gordofobia pode ceifar o atendimento à saúde e excluir a pessoa da vida cotidiana", destaca.
Reis diferencia gordofobia de pressão estética, sublinhando que esta última é amplificada pela mídia e pelo mercado da moda, contribuindo para o preconceito e exclusão dos corpos diferentes.
Todos são impactados pela pressão estética e pela gordofobia, mas corpos femininos e negros são mais afetados devido aos estigmas interseccionais
Cláudia Reis acrescenta que a gordofobia pode levar à morte, seja pela falta de acesso à saúde ou pela dilapidação da saúde mental das pessoas gordas.
"Todos são impactados pela pressão estética e pela gordofobia, mas corpos femininos e negros são mais afetados devido aos estigmas interseccionais. No mercado de trabalho, desde uniformes inadequados até a ocupação de cargos, o corpo gordo tem sido subaproveitado e marginalizado", finaliza.
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