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    Saúde

    Enfermagem tem novo piso salarial suspenso por ministro do STF

    Barroso acatou ação de empresários do ramo hospitalar

    Publicado 04/09/2022 às 21:08 | Autor: Ezequiel Manhães
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    Ministro Luís Roberto Barroso analisa informações adicionais sobre o piso após pedido da Confedereção Nacional de Saúde
    Ministro Luís Roberto Barroso analisa informações adicionais sobre o piso após pedido da Confedereção Nacional de Saúde |  Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

    A tentativa da Confedereção Nacional de Saúde (CNSaúde) — entidade que representa as empresas privadas do setor de Saúde — em derrubar a lei que fixou novo piso salarial nacional para enfermeiros, técnicos, auxiliares e parteiras, deu certo, ainda que de forma temporária, provocando revolta e indiginação entre os profissionais da saúde.

    É que neste domingo (4), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o piso salarial da enfermagem a pedido da CNSaúde.

    A decisão vale até que estados, municípios, órgãos do governo federal, conselhos e entidades da área da saúde informem, em 60 dias e detalhadamente, os seguintes pontos:

    - Impacto financeiro para os atendimentos;

    - Riscos de demissões;

    - Redução na qualidade dos serviços.

    A decisão, que até o momento é individual, será levada para análise dos demais ministros do STF no plenário virtual. Aí sim haverá um destino mais concreto.

    Ao ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para tirar a validade da Lei 14.434/2022, a CNSaúde alega que a lei possuiria 'vícios de inconstitucionalidade'.

    Também afirma que ela 'ofende a autonomia orçamentária dos entes subnacionais', além de não apontar as fontes de custeio para a implementação da medida.

    Ministro Barroso pede informações adicionais aos poderes executivo e legislativo sobre o piso
    Ministro Barroso pede informações adicionais aos poderes executivo e legislativo sobre o piso |  Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

    Responsável pela análise da ação na suprema corte, o ministro Barroso solicitou informações adicionais aos poderes executivo e legislativo sobre o piso. 

    O ministro frisou a importância da valorização dos profissionais de enfermagem, mas destacou que “é preciso atentar, neste momento, aos eventuais impactos negativos da adoção dos pisos salariais impugnados”. “Trata-se de ponto que merece esclarecimento antes que se possa cogitar da aplicação da lei”, completou.

    Entidades representativas da Enfermagem, as centrais sindicais, e os trabalhadores da linha de frente só devem ter paz após esse cenário ser solucionado.

    A deputada Enfermeira Rejane (PCdoB), vice-presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), está convocando a categoria para uma mobilização em massa.

    Ela aborda os ataques e pressão da rede hospitalar, da medicina de grupo e das Santas Casas que apoiam a ação judicial, hoje, nas mãos do ministro Barroso.

    "Independente de tudo, os donos dos hospitais privados vão alegar que não têm dinheiro, que não vão pagar e que vão demitir. Cabe à Enfermagem fazer pressão também. Porque dizer para a população que o hospital vai fechar, nós não vamos aceitar. Eu quero que cada um de vocês faça um vídeo exigindo o cumprimento da lei", discursou em vídeo.

    Lei aprovada

    O texto aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), estabelece que nenhum enfermeiro pode receber menos que R$ 4.750, independentemente de trabalhar na iniciativa privada ou no serviço público federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.

    Para técnicos de enfermagem, o ganho não pode ser inferior a 70% deste valor, ou seja, a R$ 3.325. Já os auxiliares e as parteiras não podem receber menos que a metade do piso pago aos enfermeiros, ou seja, menos que R$ 2.375. 

    União, estados, Distrito Federal e os municípios têm até o fim do atual exercício financeiro para ajustar as remunerações e os respectivos planos de carreira de seus profissionais. Já para trabalhadores celetistas, os pisos já estão em vigor. Isso justifica a tentativa desenfreada de empresários do setor privado em recorrer da lei já aprovada. 

    Indignação

    Ocorre que a Federação Nacional dos Enfermeiros, os sindicatos do Rio de Janeiro e o Coren-RJ, além dos próprios trabalhadores, alegam que a medida prejudica a categoria que teve o novo piso aprovado por meio de uma emenda constitucional, no mês passado.

    O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 30, uma carta favorável à constitucionalidade da Lei 14.434/22.

    O ENFOCO consultou o documento que defende a conquista histórica da categoria, em um momento de impasse após a CNSaúde ajuizar a ADI requerendo a invalidação do dispositivo.

    Até o momento, o Governo Federal, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), o Senado e a Câmara dos Deputados já se manifestaram certificando a constitucionalidade da lei e contra a ação movida pela Federação dos Hospitais.

    'A verdade é que além de constitucional, o piso é economicamente viável e vai trazer desenvolvimento ao país. Para se ter uma ideia, segundo estudo da Câmara dos Deputados, o custo anual para cumprir a lei e erradicar os salários miseráveis na enfermagem representa somente 2,7% do PIB da saúde, 4% do orçamento do SUS, 2% de acréscimo na massa salarial dos contratantes e 4,8% do faturamento dos planos de saúde em 2020', diz trecho da carta.

    Resultado de ampla pactuação e extenso diálogo democrático, a lei fixa um piso de R$ 4,7 mil mensais para enfermeiros, 70% deste valor para técnicos de Enfermagem e 50% para auxiliares e parteiras. Está assegurada a "irredutibilidade salarial" para profissionais que recebem valores acima dos estabelecidos.

    A presidente do Cofen, Betânia Santos, responsável pela assinatura da carta, disse que confia no STF.

    "Confiamos no STF para que este inconveniente seja resolvido de uma vez por todas, mantendo a lei 14.434/22 na íntegra e garantindo um piso salarial digno aos essenciais trabalhadores da categoria. Vale lembrar que até a sua sanção, o PL 2564/20 seguiu todo o trâmite constitucional. A Enfermagem ainda conta com a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição nº 11, que introduz o piso na Constituição Federal e anula vícios de iniciativa”, afirmou.

    É válido lembrar que apesar de sancionar o projeto, o presidente Bolsonaro vetou a correção anual do piso, que seria feita pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). A correção estava prevista no projeto aprovado pelo Congresso.

     

    Integrante da oposição, o senador Fabiano Contarato (PT-ES), autor da proposta original, comentou a decisão de Barroso, neste domingo (4), em seu perfil pela rede social Twitter.

    "Lamento a suspensão do piso da enfermagem. O STF, ao qual recorreu o setor patronal, não pode desprezar Lei e Emenda à Constituição aprovados por amplíssima maioria do Congresso. Estou empenhado para que o Tribunal, na via recursal, reverta essa decisão!", escreveu.

    Ele é ferrenho na mobilização pela derrubada do veto, assim como na defesa da permanência da lei, conquistada com suor.

    Ainda no início do mês passado, Contarato protocolou um ofício junto ao STF, endereçado ao ministro Luís Roberto Barroso, reforçando a importância da Lei que institui o piso salarial da enfermagem, solicitando a concessão de uma audiência à Suprema Corte e, também, se colocando à disposição para fazer a defesa da matéria no momento do julgamento.

    Empresários

    Entre outros pontos, a CNSaúde alegou que a lei seria inconstitucional porque regra que define remuneração de servidores é de iniciativa privativa do chefe do Executivo, o que não ocorreu, e que a norma desrespeitou a auto-organização financeira, administrativa e orçamentária dos entes subnacionais, "tanto por repercutir sobre o regime jurídico de seus servidores, como por impactar os hospitais privados contratados por estados e municípios para realizar procedimentos pelo SUS".

    A CNSaúde também afirmou que o texto foi aprovado de forma rápida e sem amadurecimento legislativo na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, onde não passou por nenhuma comissão, mesmo diante da relevância da medida e de seus impactos significativos.

    Conforme a confederação, a aplicação da lei pode aumentar o desemprego, gerar a falência de unidades de saúde ou aumento de repasse de custos no serviço privado, entre outros problemas.

    A decisão

    Para o ministro Barroso, 'as questões constitucionais postas nesta ação são sensíveis'.

    “De um lado, encontra-se o legítimo objetivo do legislador de valorizar os profissionais de saúde, que, durante o longo período da pandemia da Covid-19, foram incansáveis na defesa da vida e da saúde dos brasileiros".

    De outro lado, segundo ele, "estão os riscos à autonomia e higidez financeira dos entes federativos, os reflexos sobre a empregabilidade no setor, a subsistência de inúmeras instituições hospitalares e, por conseguinte, a própria prestação dos serviços de saúde.”

    Barroso ponderou que “o risco à empregabilidade entre os profissionais que a lei pretende prestigiar, apontado como um efeito colateral da inovação legislativa, levanta consideráveis dúvidas sobre a adequação da medida para realizar os fins almejados”.

    E apontou que, em razão da desigualdade regional no país, há risco de prejuízos maiores em regiões mais pobres do país. O ministro enfatizou que as entidades privadas que tenham condições podem e devem implantar o piso.

    “Naturalmente, as instituições privadas que tiverem condições de, desde logo, arcar com os ônus do piso constante da lei impugnada, não apenas não estão impedidas de fazê-lo, como são encorajadas a assim proceder. As circunstâncias constitucionais e fiscais aqui apontadas não significam que o valor não seja justo e que as categorias beneficiadas não mereçam a remuneração mínima.”

    Dados 

    A decisão traz dados de impacto financeiro da medida referentes à tramitação no Congresso.

    Conforme o Dieese, o incremento financeiro necessário ao cumprimento dos pisos será de R$ 4,4 bilhões ao ano para os Municípios, de R$ 1,3 bilhões ao ano para os Estados e de R$ 53 milhões ao ano para a União.

    Já a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB) indicou incremento de R$ 6,3 bilhões ao ano.

    “Tais valores têm potencial para impactar as finanças públicas, já que, diante de eventual desequilíbrio econômico-financeiro que sobrevenha aos convênios e contratos formalizados para a prestação de serviços ao SUS, é esperado que os particulares busquem a revisão de suas cláusulas em face dos Estados e Municípios celebrantes”, afirmou o ministro.

    A autora da ação também afirmou ao STF que pesquisa realizada com entidades empregadoras apontou que, com o piso, 77% dos ouvidos reduziriam o corpo de enfermagem e 51% diminuiriam o número de leitos. Foi apontada uma possibilidade de demissão de 80 mil profissionais de enfermagem e fechamento de 20 mil leitos.

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