Tasso da Silveira

Massacre em escolas do Espírito Santo lembra dor de tragédia no Rio

Em 2011, 12 crianças morreram após um ataque armado em Realengo

Escola tomou medidas de prevenção após o ocorrido
Escola tomou medidas de prevenção após o ocorrido |  Foto: Lucas Alvarenga
 

Uma semana depois de um adolescente entrar em duas escolas do Espírito Santo e matar duas estudantes e duas professoras, além de ferir outras 13 pessoas, o episódio traz à memoria o Massacre de Realengo. 

No dia 7 de abril de 2011,12 alunos, entre 13 e 15 anos, da escola municipal Tasso da Silveira, foram assassinados por Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos. Ele era ex-aluno da escola e entrou dizendo que faria uma palestra aos estudantes. Poucos minutos depois, sacou duas armas em uma sala com alunos do 9°ano e depois foi até uma segunda turma e atirou ainda mais.

Uma criança baleada conseguiu fugir e acionou policiais da área, que entraram na unidade e atiraram contra Wellington. Ele não conseguiu chegar ao terceiro e quarto andares, onde tinham mais crianças. Ferido, o atirador disparou contra a própria cabeça e morreu na hora. O objetivo do acusado era matar, principalmente, as meninas, por conta de bullying que dizia sofrer depois da divulgação de uma carta. 

Tayane hoje tem 25 anos e cursa Direito. Ela foi atingida nas costas e acabou ficando paraplégica
Tayane hoje tem 25 anos e cursa Direito. Ela foi atingida nas costas e acabou ficando paraplégica |  Foto: Rede social
  

Aquela manhã ainda ecoa na cabeça de quem sobreviveu. Tayane Tavares Monteiro, de 25 anos, estava na aula na fatídica manhã do massacre. Ela foi baleada na barriga e o tiro acabou a deixando paraplégica. Ao ENFOCO, a mãe da jovem relembrou o que sentiu no dia da tragédia. 

"Ela estava na aula de educação física, subindo para ir para a sala e já chegou sendo alvejada. Ela tinha 13 anos na época e foi atingida na cintura e no braço. Eu lembro que quem me contou foi minha mãe, que viu pela televisão. Ela ficou três meses internada e o tiro que atingiu a cintura a deixou paraplégica, mas muito pais nem isso tiveram, perderam seus filhos naquele dia. Não temos segurança, não temos saúde e não temos nada nesse país. Tem vezes que na internet fazemos comentários e, por causa de uma palavra, ele não vai, mas saber que o vídeo do Wellington, que fez isso na escola da minha filha na época, continua circulando na internet. Ele ensina o que ele fez e muitos outros, que tem essa índole, vão dar continuidade", afirmou Andreia Tavares Machado, cantora, de 44 anos. A filha, hoje, contornou as adversidades e está se formando em Direito.

Ela estava na aula de educação física, subindo para ir para a sala e já chegou sendo alvejada. Ela tinha 13 anos na época e foi atingida na cintura e no braço. Ficou três meses internada e o tiro que atingiu a cintura a deixou paraplégica, mas muito pais nem isso tiveram, perderam seus filhos naquele dia. Não temos segurança, não temos saúde e não temos nada nesse país Andreia Tavares Machado, mãe de Tayane Tavares Monteiro
  

Andreia também comentou sobre a Associação Anjos de Realengo, criada por Adriana Silveira, mãe de Luiza, que morreu aos 15 anos no massacre. "É para que não aconteça novamente e mais mães não passem pelo que passamos até hoje", afirmou. 

Em Realengo, uma estátua homenageia as crianças mortas no massacre
Em Realengo, uma estátua homenageia as crianças mortas no massacre |  Foto: Lucas Alvarenga
 

Adriana, que atualmente trabalha como autônoma, é mãe de Luiza Paula da Silveira Machado, que morreu aos 15 anos no Massacre de Realengo. Até hoje, ela conta que não vai parar de lutar por justiça e lembra o dia como se fosse ontem.

"Resumir isso, ainda dói na alma, a ferida existe. Não conhecíamos casos semelhantes aqui no Brasil, mas sim em outros países, outras culturas, onde a arma era liberada, com adolescentes tendo grande acesso a arma de fogo. Aqui, não. Estamos falando de sonhos interrompidos. O tiro que acertou minha filha abalou minha paz e acertou todo mundo da minha família. Eu sempre disse que o que aconteceu ali era algo maior, que não era só o bullying. Quem nunca sofreu bullying em uma escola? Deve ser investigado o que está acontecendo dentro das nossas casas também", ressaltou. 

Resumir isso, ainda dói na alma, a ferida existe. O tiro que acertou minha filha abalou minha paz e acertou todo mundo da minha família Adriana Silveira, mãe de Luiza, morta no ataque aos 15 anos
  
Adriana e a filha Luiza morta aos 15 anos: "Tiro atingiu a família toda"
Adriana e a filha Luiza morta aos 15 anos: "Tiro atingiu a família toda" |  Foto: Arquivo da família
  

O caso do Espírito Santo foi feito por um adolescente de 16 anos. As armas usadas por ele são de seu pai e ele planejou o ataque por dois anos.

Ele atirou em crianças e adolescentes em duas unidades. Na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti; e no Centro Educacional Praia de Coqueiral, escola particular.

O atirador estudava no Primo Bitti e foi transferido da instituição em meados do ano. Ainda não se sabe a motivação para o crime. O assassino foi apreendido. 

O caso também lembra o de Suzano, em São Paulo, que ocorreu na Escola Estadual Professor Raul Brasil, no município, em 2019. Dois jovens, identificados como Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25 anos atiraram em dezenas de pessoas na hora do intervalo após adentrarem a unidade de ensino.

Ao todo, a dupla tirou a vida de oito pessoas, incluindo duas professoras, e deixaram 11 feridos. Os dois eram ex-alunos da escola. Ao final, Guilherme matou o amigo Luiz e depois se matou. Onze anos depois, o que mudou em escolas e quais medidas foram propostas para que o episódio não ocorra novamente? 

Medidas

A Secretaria Municipal de Educação do Rio, diz que vem implementando a metodologia Comportamentos Mais Seguros (CMS), em parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha. O órgão também implementou a Ronda Escolar. Duas medidas que visam apoiar alunos e profissionais da rede na gestão de riscos para responder às violências armadas. 

Em nota, a SME informou que isso serve para que as escolas sejam espaços que valorizem e respeitem as diversidades, além de criar espaços de acolhimento e aprendizagem seguros.

As escolas da rede contam com o Núcleo Interdisciplinar de Apoio às Unidades Escolares, equipes formadas por professores, assistentes sociais e psicólogos que atuam nas 11 Coordenadorias Regionais de Educação.

Elas atuam nas 1.546 mil escolas públicas municipais, para ampliar o diálogo dentro da comunidade escolar, e com isso construir espaços de escuta, possibilitando a prevenção contra episódios violentos.

A pasta também ressalta que realiza, este ano, a 1ª Semana de Prevenção às Violências nas Escolas, que tratou tanto dos impactos na aprendizagem causados por confrontos armados no entorno das unidades escolares, como também a violência entre pares. O debate se deu sobre as formas de prevenir e identificar os riscos de ocorrência destes episódios, além de reconhecer formas de cuidar dos envolvidos.

A Ronda Escolar é a principal frente da Guarda Municipal para interação com a comunidade escolar e atende regularmente às escolas do município com ações diárias dos patrulheiros, além das atividades socioeducativas.

O patrulhamento preventivo no entorno e no interior das unidades de ensino é realizado com foco no atendimento a chamados emergenciais das direções das escolas, como nos casos de alunos acidentados, pessoas suspeitas no entorno das unidades escolares e ainda em casos de brigas entre alunos.

Patrulha Escolar

Lançada em março, a Patrulha Escolar tem o objetivo de garantir a segurança de alunos e profissionais da educação, que segundo a PM, é uma prioridade. A Patrulha Escolar e de Proteção à Criança e ao Adolescente está presente nos batalhões operacionais de todo o estado.

Com mais de 670 policiais capacitados, o programa aprimora a antiga Pamesp Escolar, buscando uma relação mais estruturada e permanente com a comunidade escolar.

As equipes atuam no policiamento com vistas às unidades de ensino, das 5h às 17h de segunda-feira a sábado; e com horário estendido das 17h à 1h, de segunda-feira a sexta-feira, em Regime Adicional de Serviço (RAS).

Com foco prioritário na prevenção, no acompanhamento e no monitoramento das escolas atendidas, a Patrulha Escolar também desenvolve atividades em parceria com outros órgãos públicos e entidades privadas, que incluem palestras sobre prevenção à violência em ambiente escolar,  participação em oficinas e projetos escolares.

Além das demandas de rotina, mensalmente, equipes dos batalhões de área e as escolas (privadas e públicas) participam do Conselho Comunitário de Segurança Escolar para discutir temas ligados à segurança pública.

Estado

O Governo do Estado enumerou as medidas que tomou junto à Secretaria de Educação para garantir que casos como o de Suzano, o de Realengo e o do Espírito Santo não se repitam no Rio.

A Secretaria de Estado de Educação possui atualmente um corpo técnico composto por profissionais com formação em Serviço Social e Psicologia que atuam cotidianamente no assessoramento à gestão das escolas, prestando orientação e suporte no que se refere a situações de violências. E, para o próximo ano letivo, a Secretaria está elaborando processo seletivo para contratação de psicólogos para atuar dentro das escolas da rede estadual. 

A pasta explica ainda com a atuação direta de 1 mil assistentes sociais nas unidades escolares, junto com 5 mil mulheres do projeto M.A.E. (Mulheres Apoiando a Educação) dando suporte às equipes pedagógicas em situações de acompanhamento de estudantes com necessidades específicas de saúde mental.

Além disso, são realizadas por meio de plataforma on-line, Oficinas de Acolhimento, com o objetivo de instruir as equipes técnico-pedagógicas quanto à importância da construção de espaços de acolhimento e escuta mútua, bem como do acionamento dos equipamentos de políticas sociais que compõem a rede de proteção social. Outro projeto, lançado em maio de 2022, Conexão Gentileza, tem o objetivo de promover no ambiente escolar ações que favoreçam a escuta ativa, empatia, estabelecendo as conexões focadas no afeto e o respeito mútuo retomando vínculos e as relações de convivência.

Há também uma cartilha disponibilizada para todas as escolas sobre o Bullying e o Cyberbullying reunindo informações conceituais, legais e dicas práticas para os profissionais de educação sobre o enfrentamento dessa prática entre os alunos.

Além das ações pedagógicas no âmbito da educação, as escolas do Estado do Rio de Janeiro contam com o "Programa de Patrulha Escolar e Proteção à Criança e ao Adolescente", da Polícia Militar, desde fevereiro de 2022. Este é um projeto de polícia de proximidade com o objetivo de prevenir atos de violência nas escolas.

A Patrulha Escolar é composta por 670 policiais capacitados e estão presentes nos batalhões operacionais de todo o estado. O policiamento no entorno das unidades de ensino acontece até as 22 horas, e também aos sábados.

Os policiais que atuam na Patrulha Escolar contam com telefones disponíveis para recebimento de ligações e mensagens através de aplicativos, para que tenham contato direto com os gestores das unidades de ensino que os acionam em qualquer emergência.

Com foco prioritário na prevenção, no acompanhamento e no monitoramento das escolas atendidas, a Patrulha Escolar também desenvolve atividades em parceria com outros órgãos públicos e entidades privadas, que incluem palestras sobre prevenção à violência em ambiente escolar, participação em oficinas e projetos escolares. Além das demandas de rotina, mensalmente, equipes dos batalhões de área e as escolas (privadas e públicas) participam do Conselho Comunitário de Segurança Escolar para discutir temas ligados à segurança pública.

No escopo do programa, cada batalhão conta com duas duplas de patrulheiros, previamente capacitados e habilitados para o atendimento às demandas da comunidade escolar em unidades de ensino das redes municipal, estadual, federal e privada. 

Além da Patrulha Escolar e Proteção à Criança e ao Adolescente, a Secretaria de Estado da Polícia Militar conta com o Proerd (Programa Educacional de Resistência à Violência e às Drogas). 

Prevenção

O ex-policial militar de São Paulo e ex-bombeiro do Rio, Rafael Luz, de 39 anos, criou a empresa 'Guardião Escolar' há cinco anos. A iniciativa faz a segurança estratégica para escolas, criando e aperfeiçoando procedimentos de segurança em casos do tipo.

Alguns desses procedimentos são: evacuação em caso de incêndio, mapeamento de câmeras e lockdown para escolas invadidas depois que alguém armado entra na unidade.

“Toda escola precisa estar treinada e preparada para responder às diversas emergências que possam surgir. Por isso, que é importante ter o treinamento em primeiro socorros, que é obrigatório pela Lei Lucas (lei federal de número 13722/18) pelo menos uma vez ao ano. Mas é importante que esteja preparada para outras emergências. Apesar do número de incêndios em escolas ser pequeno, o potencial de virar uma tragédia é imenso. Estamos falando de um ambiente que, em geral, as pessoas não têm treinamento de emergência, as pessoas não fazem simulado de emergência com frequência e está repleto de crianças, que vão assustar e se forem muito pequenas não saem por si só”, afirmou ele. 

Ele também passou dicas sobre como lidar com uma invasão armada no colégio.

“A invasão armada em escolas é algo novo no Brasil, mas que tem tido um aumento e pode se tornar facilmente uma tragédia. E é isso que a Guardião Escolar tenta fazer. Só nesse ano treinamos mais de 300 escolas particulares. A primeira dica é ter um sistema de segurança bem feito, só pode entrar na escola quem está agendando para entrar e não qualquer um que bater no portão e quiser entrar. No Espírito Santo, o rapaz quebrou cadeados e entrou na escola, mas eu não vi ferramentas para cortar esse cadeado. Então, estava bem fechado? Ele conseguiu entrar nessa escola por onde? É importante que a escola tenha uma camada de proteção bem montada”.

Rafael também responde ao que fazer quando o atirador já está dentro da unidade de ensino.

“Se ele já entrou na escola, é importante que todo mundo seja avisado e responda e isso é conseguido com treinamento de professores, colaboradores e até alunos que vão entender como agir, se comportar, em que lado da sala permanecer. Isso faz diferença para que esse atirador não consiga entrar nas salas, não consiga visualizar as pessoas e desista da sua ação criminosa ou no tempo que ele está procurando as pessoas, a Polícia Militar seja acionada e consiga entrar na unidade de ensino e agir. Também é importante deixar portas abertas para se a PM quiser entrar, ela consiga, e se o atirador quiser sair, ele consiga. O treinamento de lockdown de escola invadida é recomendado que ocorra uma vez no semestre”, respondeu. 

Sobre ameaças de massacre em paredes de escola, o especialista conta que toda ameaça tem que ser informada aos policiais e o controle de acesso dos alunos deve ser reforçado e perceber se há alguma movimentação diferente durante o dia, com supervisões maiores em banheiros, por exemplo. Caso a ameaça seja comprovada, o processo de lockdown é ativado e a PM acionada.

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