Reflexão

O que podemos aprender sobre o autodomínio de Hércules?

Somos tentados a perdermos a calma o tempo todo

Hércules atravessou a provação para se resignar
Hércules atravessou a provação para se resignar |  Foto: Divulgação
 

Acabei de assistir às magníficas aulas de Paulo Briguet, sobre os 12 trabalhos de Hércules. Emocionei-me, com a abordagem por ele feita, como é comum acontecer comigo, no que tange ao Briguet. Por dominar as palavras e sua origem etimológica, além de ser um exímio poeta, o fundador do Clube do Livro de Londrina, tem o dom da oratória.

“Bem aventurados os mansos, porque herdarão a Terra”, assim disse Jesus. Briguet começou, com essa citação, sua explanação, nos dizendo que manso é quem tem AUTODOMÍNIO. A trajetória de Hércules, como a jornada de todos os heróis, é recheada de dificuldades e perdas. No entanto, a falta de controle é seu grande defeito: Hércules assassinou três filhos, após uma alucinação, na qual enxergou os pequenos como três monstros, dando cabo de suas vidas.

Toda a saga de Hércules tem por objetivo a conquista deste equilíbrio, cuja falta vitimou-o tão profundamente. Ter autocontrole é, mesmo podendo atingir o outro, por vontade própria, utilizando as mesmas armas do inimigo, decidir-se por não fazê-lo. Para que isso seja possível, é preciso ter coragem, mas acima de tudo, sabedoria e autocontrole. Estas são as três virtudes personificadas, no Mito de Hércules.

O guerreiro, filho de Zeus com Alcmena, teve que provar suas virtudes, ao longo dos 12 trabalhos, com sabedoria e coragem. A história dele é um exemplo prático de PAIDEA, a autoeducação do homem para reger os princípios da própria vida. Autogoverno em busca da redenção e do perdão.

Os 12 trabalhos

Euristeu é irmão do herói e nutre por este, ódio e inveja. Por ser o rei de Mecenas, decide inflingir-lhe os doze trabalhos, que são, aos olhos do homem, impossíveis de serem cumpridos. Euristeu quer a morte de Hércules, quer livrar-se dele de uma vez por todas. Usa como argumento o fato de que o assassinato dos próprios filhos ensejaria pena de morte e que está sendo magnânimo e condescendente, ao permitir que o irmão tente salvar-se a si mesmo deste destino. Hércules resigna-se e resolve tentar.

Gosto, particularmente, de alguns dos 12 trabalhos. O primeiro deles é matar o leão de Nemeia. Deste fato mitológico vem a expressão “matar um leão por dia”. Hércules não só mata o leão com habilidade e destreza, como também retira-lhe a pele, fazendo desta um manto que irá protegê-lo. Desta narrativa, podemos extrair a primeira lição: encare seu inimigo de frente e com equilíbrio, e retire desta rivalidade, algo de útil, para aplicar em sua vida, dali por diante.

O segundo trabalho consiste em matar a Hidra de Lerna, irmã do leão de Nemeia e possui várias cabeças. Hercules vai decepando as cabeças e decide cauteriza-las, uma a uma para que não renasçam. Assim agindo, chega à última, a cabeça imortal, cortando-a e jogando-a num poço e enche de pedras.

Outra grande lição se extrai do episódio: a hidra de Lerna representa os nossos instintos. Precisamos controlá-los. Cortar o mal pela raiz. Hércules ainda embebe suas flechas no veneno da hidra – trata-se de algo do inimigo que poderá usar. O mal, afinal, existe para que exercitemos e aprimoremos as nossas virtudes, retirando daquele, algum bem.

Muito simbólica é , também, a captura da corsa serinita, o sexto trabalho do herói. Muito veloz, posto que criada por Artêmis, a deusa da caça, esta é dificílima de ser alcançada. Hercules corre atrás da corsa durante um ano inteiro até conseguir alcançá-la à margem de um lago. Uma flecha ultrapassa os tendões desta, sem feri-la. Um ano de espera, para ensinar-lhe que, diante dos desafios, é preciso ter paciência, aguardar o momento exato de agir, deixar o açodamento de lado.

Nessa jornada evolutiva, os trabalhos se tornam mais difíceis, à medida que ele avança e é bem-sucedido. Porém, Hércules vai aprendendo, neste percurso, a dominar os próprios instintos, o que permite que avance para as próximas seis tarefas, em busca da redenção pelo assassinato dos próprios filhos. Esse fato gerador também encerra um grande ensinamento: não há crescimento sem dor, evolução sem sofrimento. Hércules só se torna capaz de evoluir, por ter sofrido com sua perda.

Agora, Hércules precisa capturar o touro da ilha de Creta e levá-lo até o continente. O touro é a violência, a força bruta. Hercules era capaz de agir com muita violência, portanto, nesse episódio, será confrontado com a mesma intensidade, para que sua capacidade de autodomínio seja testada.

Para dominar o touro, nosso herói precisa optar por escapar dos golpes deste, usando a força do inimigo a seu favor, agindo como um toureiro e evitando o confronto direto. Afinal, muitas vezes, a brutalidade é vencida com inteligência. Ele volta para casa navegando o próprio touro, que vai até o continente nadando, provando que domesticou-o, tornando-o um aliado.

O décimo desafio é capturar o gado de Gerion, um monstro terrível com três cabeças, seis braços e seis pernas. Gerion simboliza os vícios: Vaidade, luxuria e dominação. Amor próprio, desejo de prazeres ilegítimos e de mandar nos outros. As cabeças do monstro precisam ser cortadas, em busca das virtudes de sabedoria, da coragem e da mansidão. Mais uma vez, Hércules sai vitorioso do embate.

O penúltimo trabalho consiste em levar os pomos das Espérides - criaturas divinas que habitam o fim do mundo - para Euristeu. É preciso descobrir com Nereu, pai de Netuno (após acorrentá-lo), onde estas estão guardadas, sendo necessário, ainda, pedir a ajuda de Atlas, o Deus que carrega o mundo nos ombros. Daí vem a expressão “carregar o mundo nas costas”. Hércules encontra os pomos e cumpre a missão, e até dá uma ajudinha a Atlas, segurando o mundo por algum tempo. Nos desafios que a vida nos traz, há fardos que precisam ser suportados, com altivez e coragem.

Por fim, há o trabalho que está na jornada de todo herói: descer aos infernos. É preciso capturar e trazer vivo o cão cérbero, que guarda a porta do local. Esse cão possui três cabeças e várias serpentes. Hércules, então, desce e fala com Ades (Plutão), que concorda que o bicho seja capturado, desde que seja sem o auxílio de qualquer arma. Após uma luta extenuante, Hércules consegue e leva a besta até o palácio de Euristeu. A expressão “cão dos infernos” vem daí.

É preciso encarar a morte. O herói não pode temê-la. A literatura clássica gira em torno desse tema. Como encarar e vencer a morte. Somente colocando a vida na perspectiva da mortalidade, podemos atingir a redenção. Hércules atinge isso, ao cumprir seu último trabalho. Todos esses desafios eram sua busca pela redenção, pelo perdão de seus pecados e pelo autodomínio.

A verdade

Vivemos em um mundo de provações. Somos tentados a perdermos a calma, nos desesperarmos, atacarmos e blasfemarmos o tempo todo. Passamos por testes diariamente, ao percebermos que a pior hipocrisia advém de uma maioria silenciosa de homens, que é capaz de apunhalar sorrindo, vencendo sem lutar e sem preservar virtudes e valores, deixando para o mundo um legado lastimável.

Mas a luta entre o BEM e o MAL sempre existiu. Faz parte da vida na Terra. Que tenhamos a SABEDORIA, a CORAGEM e o AUTODOMÍNIO de Hércules, a fim de que sejamos vitoriosos ao final. Não se pode deter a verdade eternamente, embora esta possa, por algum tempo, ser vilipendiada, escorraçada e violentada. 

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

A niteroiense Erika Rocha Figueiredo é escritora, professora e promotora de justiça

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