Desespero
Brasileira luta no Chile para encontrar filha levada pelo pai
Segundo relato, ele desapareceu há 3 meses sem deixar rastros
"Minha filha ficava doente, ele não me deixava ir para o hospital. Dia das Mães, ele não me deixava passar com ela. Quando ela completou o jardim infantil, eu não pude ir porque ele não deixava. Passei três meses seguidos sem ver ela. Aí ele desapareceu".
Esses são os relatos da chefe de cozinha Thayna Quintanilha, de 26 anos, uma brasileira que atualmente mora no Chile. Segundo ela, após uma relação conturbada com o ex-companheiro, de 28 anos, ele desapareceu do país com a filha do casal, de 4 anos.
Thayna foi criada em Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio, e conheceu o pai da criança quando tinha 19 anos. Junto com a família do rapaz, eles decidiram se mudar para Punta Arenas, no Chile, com intuito de crescerem profissionalmente no país. Todos moravam na mesma casa. Segundo a jovem, o relacionamento entre eles era abusivo.
"Eu sofria abusos físicos, psicológicos, agressões físicas e psicológicas por parte dele e de sua família, que também morava aqui no Chile. Eu não podia ter amigos. Ele revistava meu celular, me batia, me enforcava. Minha parede tinha um buraco porque ele foi dar um soco na minha cara e eu desviei", detalha.
Aos 22 anos, Thayna engravidou do rapaz. Quando a criança nasceu, eles decidiram se mudar da casa dos sogros, mas, conforme os relatos, as agressões continuaram por mais dois anos, e tudo era presenciado pela criança. Foi então que a chefe de cozinha tomou a iniciativa de se separar do companheiro, e uma nova pauta entrou em debate: a guarda da filha.
Trabalhando por cerca de 10 horas por dia, a chefe de cozinha precisava deixar a criança sob os cuidados dos avós paternos. Segundo Thayna, o ex-companheiro viu na situação uma oportunidade e solicitou uma reunião com o Juizado de Família do país.
Eu acho que ele já estava com maldade. Ele pediu uma mediação com o juizado da família, eu fui. O motivo era que ele queria ter o 'Cuidado Personal', que é como se fosse o cuidado provisório da criança
"Ele disse que ficava o dia inteiro com ela, e tendo esse cuidado, se acontecesse alguma coisa com ela, ele estaria presente sozinho e eu não precisaria ir para não me prejudicar no meu trabalho. Essa foi a história. Eu não vi nenhuma maldade nisso, assinei", detalha.
Impedida de visitar a filha
Após assinar o cuidado personal, Thayna conta que o ex-companheiro começou a impedi-la de visitar a filha, sempre com uma desculpa diferente.
"Ele começou a não me atender de noite, chegava do trabalho e ele não atendia. Mandava mensagem para a mãe dele e ela dizia: 'vou perguntar a ele para ver se pode'. Como se eu fosse a vizinha que não tinha intimidade com a minha própria filha", frisa.
Tendo pouco contato com a filha, Thayna recebeu mais uma notificação do Juizado, desta vez, o homem havia solicitado que a mãe da criança pagasse uma pensão alimentícia.
"Ele tinha me denunciado e falado que eu abandonei a minha filha, sendo que eu não podia vê-la porque ele não deixava. Ele já tinha planejado isso. Ele foi na polícia e me denunciou dizendo que eu a abandonei, e a pensão era porque eu não era presente. Eu fiquei sem saber o que ia fazer, pagava aluguel, pagava as contas de casa, me sobrava justo o dinheiro para comprar comida e a passagem para ir para o trabalho. Eu falei que ele não deixava eu ver minha filha, mas me falaram 'isso não é assunto para hoje'", detalha.
Foi estabelecido que a pensão seria no valor de 107 mil pesos chilenos, o que equivale a R$600. Thayna afirma que ainda estava sendo impedida de ter contato com a filha. Foi então que o ex-companheiro começou a namorar outra mulher, e as coisas ficaram ainda piores, como relata.
"Eu tinha medo de fazer uma denuncia na polícia porque eles são espertos. Eu estava sozinha, sem acompanhamento, sem ninguém para me ajudar. Ele começou a ter um relacionamento com uma chilena, e aí ficou pior porque ele levou minha filha para morar com ela. Eu mandava mensagem e ele falava: 'agora a mãe dela não é mais você'", acrescenta.
Salários atrasados
Em meio a tantas turbulências, Thayna precisou deixar o trabalho após uma série de salários atrasados. Conseguiu um novo emprego, mas recebendo menos. As contas começaram a ficar apertadas e o dinheiro, que já era pouco, não dava para quitar as dívidas.
"Não consegui pagar pensão, o dinheiro já não dava. Passei cinco meses sem pagar. Eu via minha filha escondida, quando ela estava na casa da vó. Foi então que eu pensei que já estava esperando demais, eu estava sentindo que ia perder minha filha", disse.
Thayna então decidiu denunciar o homem às autoridades chilenas por agressão, por não deixá-la ver a criança e pela pressão psicológica que estava sofrendo ao longo dos anos. As denúncias só serviram para mostrar um comportamento ainda mais revoltado do ex-companheiro, como relata.
"Ele me ligou revoltado, me xingando, me chamando de mentirosa. Ele falou que ia acabar comigo e me fazer chorar. Dias depois, botaram uma carta embaixo da minha porta, pedindo para eu comparecer à PDI [Polícia de Investigações do Chile]. Eu fui, quando cheguei lá, me prenderam por pensão atrasada. Eles falaram: você vai passar 15 dias de prisão noturna, vai entrar 22h e sair 7h", detalha.
A prisão noturna era provisória até Thayna conseguir começar a quitar a dívida. Caso ela não pagasse, seria presa por definitivo.
Em meio a ligações desesperadas para o ex-companheiro, Thayna tentou fazer um acordo com o Juizado de Família para conseguir pagar a dívida em parcelas, que já acumulava um valor de R$6 mil em atrasos. Mas, para conseguir isso, ela precisava da assinatura do homem.
A mulher solicitou ajuda da mãe e da avó em Itaboraí para conseguir quitar a dívida. As duas, em meio a noites em claro, enviaram o dinheiro para a chefe de cozinha. Mas, três dias depois, uma nova notificação chegou para Thayna, era mais uma vez do ex-companheiro, alegando que a mulher estava tirando sua paz e o forçando a retirar a denúncia da pensão contra ela.
"Eu sozinha, minha mãe desesperada, chorando porque quando você tem um mandado de prisão você não pode sair da cidade, não pode sair do país. Eu não podia voltar para o Brasil, estava presa aqui, a polícia podia vir me buscar a qualquer momento", relembra.
Eles não queriam deixar eu ver minha filha e estavam estressados que eu estava lutando para ver ela
"Ele falou assim: o único jeito de você sair desse problema é passar a tutela legal dela para mim. Eu falei: se você já não deixa eu ver minha filha agora, se eu passar a tutela completa eu não vou vê-la nunca mais. Ele falou: é isso, não tem mais conversa com você", conta.
Com medo de ser presa e despejada da casa, sem dinheiro, Thayna não viu outra alternativa senão fazer o que o ex-companheiro mandou.
Desaparecimento
O homem começou, então, a fazer viagens com a criança sem avisar a Thayna. Em uma delas, ele foi para São Paulo visitar o irmão e a mãe da menor só ficou sabendo que ela havia deixado o país após a publicação de uma foto no Facebook. Quando foi questionar onde a menina estava, ela alega que foi bloqueada pelo ex-cunhado.
"Eu liguei e perguntei onde ele estava, ele disse que estava no Brasil, de férias em família. Ele nem me avisou que a minha filha tinha saído. Eu soube porque o irmão dele subiu uma foto e eu vi. Eu pedi para falar com ela no telefone e ela me chamou de tia, não me chamou de mãe. Eu perguntei a ele porque ela me chamou assim e ele disse: isso é coisa nossa, não se mete não", lamenta.
Quando o homem voltou para o Chile, ainda não estava permitindo que a chefe de cozinha visitasse a filha. Enquanto isso, Thayna tentava quitar a dívida da pensão atrasada. Até que um dia, todos desapareceram.
"Depois de 3 meses seguidos sem ver minha filha, eu decidi ligar para ele, mas ele tinha trocado de número. A mãe dele me bloqueou, o pai também. Fui no trabalho dele, e o chefe disse que ele tinha desaparecido havia um mês. Fui na escola da minha filha, a diretora disse que ela não assistia às aulas também há um mês. Fui na casa dos pais dele e não tinha ninguém, chamei o vizinho e ele disse que tinham ido embora", acrescenta.
A última atualização que Thayna tem sobre o paradeiro da filha é do dia 20 de maio deste ano, às 10:52, quando ela saiu do Chile a caminho do Brasil. Ela alega que foi bloqueada em todas as redes sociais da família e, desde então, não sabe onde a filha está.
"Eu procurei um advogado do Governo. A gente entrou com uma demanda contra ele, mas ele não responde os e-mails do juiz", acusa.
Medidas legais
Segundo Leonardo Marcondes, advogado especialista em Direito de Família, mesmo com a tutela legal total da criança, o pai não pode deixar o país sem o consentimento da mãe.
"As leis de diversos países, inclusive do Chile, proíbe a saída de uma criança do território nacional sem a autorização de ambos os pais. Ou seja, desaparecer do país com a criança, sem o consentimento da outra parte, é considerado sequestro internacional", salienta.
Sobre as circunstâncias em que Thayna foi submetida para assinar a tutela legal total da filha, o advogado explica que podem ser revistas.
"A circunstância em que essa tutela foi assinada é crucial para verificar se houve coação, ameaça ou qualquer outra forma de manipulação. A validade dessa transferência pode e deve ser questionada na Justiça. Essa mãe deve buscar ajuda na Justiça e relatar esse caso, dizer que houve um caso de sequestro internacional para que seu filho seja procurado pela Interpol", detalha.
Segundo o especialista, caso a Thayna consiga provar as ameaças e coação no momento em que os papéis foram assinados, ela pode conseguir a anulação destes documentos.
"Além disso, se ela puder evidenciar que o pai está impedindo o relacionamento dela com a criança, isso pode ser um ponto ao seu favor. A Convenção da Haia, sob aspectos civis do sequestro internacional de crianças, pode ser invocada para auxiliar o retorno da criança se provar que houve um sequestro e que o pai estava, a todo tempo, afastando a criança da mãe", finaliza.
O Ministério das Relações Exteriores, por meio do Consulado-Geral do Brasil em Santiago, informou que mantém interlocução com as autoridades locais a respeito do caso e permanece à disposição para prestar assistência consular à brasileira.
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