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    Coação

    Guardas de Niterói denunciam perseguição e assédio na instituição

    Casos vieram à tona nesta semana

    Publicado 25/05/2022 às 7:00 | Atualizado em 25/05/2022 às 11:23 | Autor: Ezequiel Manhães
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    Segundo as denúncias, sede apresenta problemas de infraestrutura por trás do prédio espelhado da Cidade da Ordem Pública, no Barreto, Zona Norte de Niterói
    Segundo as denúncias, sede apresenta problemas de infraestrutura por trás do prédio espelhado da Cidade da Ordem Pública, no Barreto, Zona Norte de Niterói |  Foto: Ascom Niterói

    Rotinas de perseguições e assédio moral que seriam praticados por superiores da Guarda Civil Municipal de Niterói são investigadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Apesar de haver inquérito aberto desde 2019, as denúncias vieram à tona esta semana após declarações de servidores ao ENFOCO. 

    Ao menos cinco guardas apontam, que, além de punições veladas por meio de escalas com horários que não permitem descanso ideal, em alguns casos, há até ausência de direitos básicos como beber água ou ir ao banheiro, durante os plantões. 

    O relatório também está nas mãos da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Niterói, junto a documentos ainda mantidos em sigilo e que serão incluídos no inquérito do MPT.  

    A perda do direito de garantir renda extra por meio do Regime Adicional de Serviço (RAS), que complementa o ganho mensal dos servidores, é unanimidade nas queixas. Isso acontece quando há manifestações de garantias previstas por lei. 

    "Há um clima de perseguição. O Sindicato está batalhando para colocar mais coisas na Justiça e formalizar as denúncias perante o MPT. Eu não vou aturar outro morto. Meu limite já foi ultrapassado. Sei que tem muito colega na mesma situação e já está desesperado. Quando se anota [processo administrativo] por qualquer bobeira, coisa que corrige com qualquer conversa, se engrandece com a chefia, é só abuso de poder", diz Marco Aurélio Fernandes, presidente do Sindicato dos Guardas Civis Municipais de Niterói. 

    Ao menos cinco guardas apontam, que, além de punições veladas por meio de escalas com horários que não permitem descanso ideal, em alguns casos, há até ausência de direitos básicos como beber água ou ir ao banheiro

      

    As acusações pesam sobre o subinspetor geral e comandante da 2ª Inspetoria Regional de Icaraí e também sobre o inspetor geral da corporação.

    Aspas da citação
    Lá dentro a gente fica até com medo. Eles militarizaram uma instituição civil para punirem e transformar a gente como se fosse capacho
    Aspas da citação
      

    A Secretaria Municipal de Ordem Pública disse que qualquer tipo de denúncia relacionada ao comportamento de seus agentes públicos deve ser encaminhada para a Corregedoria da Guarda Municipal. "As denúncias são apuradas e caso seja necessário são tomadas medidas cabíveis", esclareceu. 

    Inquérito

    O primeiro inquérito no Ministério Público do Trabalho foi instaurado em 2019, segundo o órgão, tendo em vista o recebimento de duas denúncias anônimas narrando a existência de assédio moral contra guardas de Niterói. 

    Só que novas denúncias foram apresentadas no ano seguinte, em 2020. À época, o Município - ainda sob gestão do ex-prefeito Rodrigo Neves (PDT), se manifestou e alegou que já tinha havido procedimentos administrativos para apurar os fatos denunciados. 

    O MPT disse ao ENFOCO na última quinta (19) que requisitou ao Sindicato dos Guardas Civis Municipais de Niterói informações sobre os casos relatados. Mas ainda não houve audiência de testemunhas no caso.  

    Justiça

    A advogada Lianna Couto de Souza tenta livrar um grupo de guardas da acusação de abandono de postos de serviços por ajudar uma colega que se sentia mal por questões femininas. A situação teria ocorrido em fevereiro deste ano.  

    O relatório de 24 páginas, assinado pela assistente jurídica - no último dia 26 abril - ainda aponta que os servidores, de modo geral, vêm sendo submetidos a trabalho sem condições mínimas de salubridade. 

    Ela solicita também a expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho, à Procuradoria do Município e à Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SMDH) do município. É que mesmo ciente de que uma guarda municipal (GCM) tinha retornado à Inspetoria Regional por problemas pessoais, o subinspetor iniciou apuração por abandono de posto da subordinada. 

    "Não é possível que a Administração Pública continue a compactuar com atitudes como esta que atentam contra princípios fundamentais, que sujeitam seus servidores a péssimas condições de trabalho, de perseguição e de castigos velados, como troca de escala e instauração de PAD [Processo Administrativo Disciplinar] com o intuito de excluir o GCM do programa RAS e, consequentemente, reduzindo seus rendimentos mensais. Há de se dar um basta e punir o real infrator à disciplina, qual seja", conta.

    Servidores reclamam de locais de trabalho insalubres e sem higiene adequada
    Servidores reclamam de locais de trabalho insalubres e sem higiene adequada |  Foto: via Grupo Enfoco
    Aspas da citação
    Não é possível que a Administração Pública continue a compactuar com atitudes como esta que atentam contra princípios fundamentais, que sujeitam seus servidores a péssimas condições de trabalho, de perseguição e de castigos
    Lianna Couto de Souza Advogada
    Aspas da citação
      

    Improbidade

    Um dos inspetores vinha ocupando de maneira ilegal desde 2016 o cargo de Inspetor Geral, segundo as revelações. À época, ele tinha apenas 14 anos de graduação. A lei 3077/2014 prevê, no entanto, 20 anos para exercício da função - o que, de acordo com os subordinados, configura crime de improbidade administrativa. 

    O Portal da Transparência de Niterói exibe a data de admissão do servidor: 3 de janeiro de 2002. Em janeiro deste ano ele veio a completar o período obrigatório de lotação na Secretaria Municipal de Ordem Pública.  

    Inspetor geral foi exonerado e nomeado de novo para o mesmo cargo, após o período válido, como mostra o Diário Oficial de 1º de abril de 2022.

      

    O inspetor geral foi exonerado e nomeado de novo para o mesmo cargo, após o período válido. A comprovação está no Diário Oficial de 1º de abril de 2022. A Prefeitura de Niterói não esclareceu a prática. 

    "Ele entrou [como inspetor geral] com 14 anos, mas a lei diz 20. [A lei] Também diz que tem que ter curso, mas ele não tinha. De cinco requisitos, ele tinha três. Seis anos depois que ele veio adquirir. Eu tenho toda a documentação. Já estou me preparando para processá-los. Desde então, todas as punições são nulas. Nenhum processo vale. Na corregedoria não tem por lei uma pessoa capacitada", diz Marco Aurélio Fernandes Ferreira, presidente do Sindicato dos Guardas Civis de Niterói. 

    Consequências

    Quadros de transtornos psicológicos, depressão e até suicídios de agentes, que teriam sido desencadeados por longos períodos de perseguições, constam em representação elaborada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Niterói, com base em relatos de possíveis vítimas, feitas em Audiência Pública no dia 4 de maio de 2022 na Casa Legislativa. O documento está em vias de ser direcionado ao MPT.  

    "Os guardas estão muito abalados e receosos de que outros casos como do GCM Jones aconteçam, tendo em vista que já é o sexto caso de suicídio na Guarda de Niterói, tendo sido que quatro resultaram em morte", afirmou o vice-presidente do comitê Douglas Gomes (PL). 

    A informação foi salientada pelo presidente do Sindicato dos Guardas Civis de Niterói, Marco Aurélio Fernandes Ferreira. "Tudo indica que houve abuso de poder, o que causou depressão no colega e veio a cometer suicídio", disse. 

    O guarda municipal Jones Nunes Francisco, de 31 anos, tirou a própria vida dentro de casa, no último dia 24 de abril. Ele trabalhava em Icaraí, na Zona Sul da cidade (2ª Inspetoria Regional), unidade chefiada por um dos acusados e principal alvo das denúncias. Ele era lotado desde julho de 2016 na Secretaria Municipal de Ordem Pública. 

    Em fevereiro de 2021, servidores protestaram contra as condições de trabalho na instituição
    Em fevereiro de 2021, servidores protestaram contra as condições de trabalho na instituição |  Foto: Marcelo Tavares

    Apesar de ter um perfil extrovertido, colegas de Jones perceberam um quadro depressivo após longos períodos de coação.  

    "Ele não viu saída, se perdeu, uns ainda tentaram ajudar, mas já era tarde. Estava em estado depressivo, já foi pego chorando no trabalho, o colega tentou ver o que estava acontecendo [...]", contou um servidor, sob a condição de anonimato. 

    Um mês após a morte do guarda, a esposa do agente revela à reportagem que está fazendo acompanhamento psicológico. A passos lentos, ela ainda tenta superar a partida precoce do companheiro, com quem foi casada por cinco anos e teve dois filhos: um de 10 meses e outro de 3 anos. 

    Num relacionamento anterior, diz a viúva, Jones teve outros dois filhos: uma de 6 e outro de 10 anos. Ele trabalhava incansavelmente na escala regular e através do Regime Adicional de Serviço (RAS) para levar o sustento à família.  

    "A dor não vai passar. Mas que isso acabe, e que outras pessoas não passem o que eu estou passando... o que ele passou. Abuso de poder. Eu via o meu esposo como uma pessoa forte, mas com isso eu percebi que ele não era. Quem não tem força para lutar contra isso, acaba se deixando levar. Ele não foi o primeiro e nem vai ser o último a passar por isso dentro de um ambiente de trabalho", lamentou. 

    Punições

    O último episódio de abuso moral teria ocorrido em fevereiro deste ano em uma base da Guarda na Praia de Icaraí. A advogada Lianna Couto explica, no ofício, que o coordenador plantonista foi avisado previamente sobre a condição da servidora. 

    "A guarda [nome resguardado] havia comunicado à supervisão do dia que estava se sentindo mal por razões de trato feminino, sendo certo que esta havia sido submetida à atendimento médico na data anterior, como se observa do atestado médico". 

    O guarda Jones foi um dos agentes que ajudou a colega. Na ocasião, ele também sofreu processo administrativo. Pela denúncia dos colegas, ele teve sua escala alterada e sofreu redução de seus vencimentos, por conta da impossibilidade de realizar o RAS. 

    "A guarda foi punida por ficar menstruada e devido ao alto fluxo que fez com que seu fardamento sujasse, se deslocou de seu posto que possuía tão somente uma cabine insalubre e foi até a inspetoria na companhia de outros guardas que a levaram de carro até lá e também foram punidos por isso", disse o vereador Douglas Gomes da Comissão de Direitos Humanos. 

    Segundo a advogada, a agente teve a intimidade exposta. E, na data em que o subinspetor alega ter ocorrido infração à disciplina, foi registrado no Livro de Partes Diárias que a guarda feminina precisou retornar à sede da 2ª Inspetoria Regional por questões pessoais. 

    "Mas ao contrário do esperado, mesmo ciente do que efetivamente ocorreu, mesmo não estando de serviço, este obrigou que a GCM responsável pelo preenchimento do livro fizesse constar suposta irregularidade [...] A conduta de perseguição é latente e precisa ser interrompida por esta instituição", solicita. 

    A defesa aponta, ainda, que na cabine onde a servidora estava não se permanece sozinho, justificando a ida dos quatro guardas à sede da Inspetoria Regional em Icaraí. 

    "Este é na verdade um dos princípios da segurança pública, um agente nunca permanece sozinho ao menos em pares. Há de se observar que o referido “posto” é também de responsabilidade da PM, no entanto, diante das péssimas condições, há tempos não são designados policiais militares, ficando no referido local dois GCMs", continua. 

    No documento, também foi anexado assinatura da chefia que comprova a comunicação prévia. Além de fotos que mostram a cabine em condições insalubres. 

    "A grande verdade é que estes precisaram socorrer a guarda, sendo plenamente justificável a impossibilidade do [outro guarda] permanecer sozinho na cabine. Quanto aos demais GCMs e o guarda Jones, estavam cumprindo exatamente as funções que lhes eram devidas, considerando que, em sendo a única viatura, cabia aos mesmos fazerem o deslocamento dos demais até a base e aguardar para retornar com os mesmos para o posto", diz a advogada. 

    Um outro guarda diz que há muitos casos de servidores que acabam trabalhando estressados devido às condições da base. 

    "É uma punição velada. Da escala de 24h x 72h, que a gente consegue fazer o RAS, e trabalhar melhor, se não tiver agradando o comando, logo colocam para 12h x 36h. Para quem mora longe fica difícil. O guarda trabalha estressado, acaba fazendo uma ação que não condiz com o que deveria. Isso aí eles fazem direto. Mudam a escala no meio do mês e colocam como necessidade de serviço, mas não conseguem justificar", denuncia.

    Transtornos psicológicos

    A esposa de um guarda municipal relatou o quadro de depressão e ideias suicidas do marido, por conta das pressões e perseguições sofridas na instituição. 

    A denúncia foi recebida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara no dia 27 de abril. 

    "Venho percebendo o quão adoecido está ficando o meu marido por conta da guarda e da falta de compaixão dos superiores. Meu esposo está com depressão, ideações suicidas, por conta dessa instituição. A perseguição e a ameaça de perda de escala são pesadas lá dentro", disse ela. O conteúdo foi anexado ao relatório que será entregue ao MPT. 

    Na avaliação do comitê, a Guarda Civil Municipal de Niterói precisa reavaliar a forma de condução da força de segurança. 

    "Inicialmente pela revisão dos vencimentos e do PCCS (Plano de Cargos e Salários). A atual base salarial do guarda é de R$ 1.006,00, sendo objeto de reivindicação da categoria", observa Douglas Gomes. 

    Um Boletim de Ocorrência feito na 76ª Delegacia de Polícia em 2015 ao qual o ENFOCO teve acesso aponta possíveis excessos por parte de superiores. Entre as acusações, estão xingamentos, ameaças e trabalhos extras sem remuneração. 

    "No final de 2017 comecei a ser perseguido pelo inspetor geral, que só pelo fato de eu não atender as vontades dele, em não aceitar o pedido dele de não cobrar junto a Prefeitura e Câmara dos Vereadores os nossos direitos previstos em lei municipal. Ele começou a me transferir de uma regional para outra, sem qualquer motivo, me colocou na escala 12h × 36h, conhecida na instituição como a 'escala do castigo', e já comprovada através de estudos que essa escala é ilegal e desumana", conta. 

    Relatos apontam, ainda, consequências psicológicas graves nos guardas. 

    "Já passei por tratamentos psicológicos pelo fato de estar sendo perseguido por esse inspetor, tendo em vista que isso afetou até minha vida em casa. Mesmo depois de várias denúncias no Ministério Público do Trabalho, fundamentadas por mim e por vários GMs que são perseguidos por esse inspetor geral e demais graduados, até hoje, nada foi feito".

    Fachada 

    • Guardas de Niterói denunciam perseguição e assédio na instituição
      | Foto: via Grupo Enfoco
    • Guardas de Niterói denunciam perseguição e assédio na instituição
      | Foto: via Grupo Enfoco
    • Guardas de Niterói denunciam perseguição e assédio na instituição
      | Foto: via Grupo Enfoco
    • Guardas de Niterói denunciam perseguição e assédio na instituição
      | Foto: via Grupo Enfoco
    • Guardas de Niterói denunciam perseguição e assédio na instituição
      | Foto: via Grupo Enfoco
    • Guardas de Niterói denunciam perseguição e assédio na instituição
      | Foto: via Grupo Enfoco
     

    Um guarda que já atua há seis anos no município aponta problemas de infraestrutura por trás do prédio espelhado da Cidade da Ordem Pública, no Barreto, Zona Norte de Niterói.

    O local, que abriga a Guarda Municipal, a Secretaria de Ordem Pública e o Departamento de Fiscalização de Posturas recebeu investimentos de R$14,4 milhões, antes de ser entregue em 2016. 

    "A Guarda hoje vive de fachada, de marketing. Você entra lá a noite e não tem lâmpada, é escuro, chove no alojamento feminimo, os setores estão com goteira, infiltração. O refeitório virou depósito de entulho. O nosso estande de tiro que poderíamos treinar, também virou depósito de entulho", diz.

    O servidor acrescenta, ainda, que nos fundos da Cidade há um 'cemitério' de veículos antigos da Clin, além de caminhões sucateados.

    "Roda, ferro pra vender, e o que não sobrou pra nada, ficou sucateado na nossa base. Tem foco de mosquito da dengue, matos com dois metros de altura e não tem como fazer nada. Não existe, hoje uma regional decente", denuncia. 

    Local que abriga sede da Guarda Municipal, a Secretaria de Ordem Pública e o Departamento de Fiscalização de Posturas recebeu investimentos de R$14,4 milhões, antes de ser entregue em 2016

      

    Ao todo, a Guarda Municipal de Niterói possui cinco Inspetorias Regionais, sendo elas: Centro (1ª Inspetoria Regional); Icaraí (2ª Inspetoria Regional); Largo da Batalha (3ª Inspetoria Regional); Fonseca (4ª Inspetoria Regional) e Região Oceânica (5ª Inspetoria Regional).  

    "A 5ª Inspetorial Regional foi para o CISP e fica todo mundo entulhado. A 3ª Inspetoria é de ficar abismado, porque é no fundo de quintal da Secretaria de Esportes e Lazer, em São Francisco, dois quartinhos", lamenta o servidor concursado.

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