Cidades

Invisíveis das ruas - A matemática que o poder público não faz

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Vivendo à margem da sociedade, a população em situação de rua se multiplica em viadutos, vias e sinais das cidades, sempre em busca de ajuda — o pedido de 'esmola'. Entre desempregados, usuários de drogas, deficientes mentais e criminosos, eles seguem invisíveis ao poder público, que pouco faz para garantir com mais precisão um cálculo quantitativo, a fim de garantir estratégias de atendimento, reintegração social e plena cidadania dessas pessoas.

Para especialistas e estudiosos do tema a situação de quem vive nas ruas depende de uma série de fatores, que vão desde ajudas promovidas pela própria sociedade até as políticas públicas. Apesar da atuação das prefeituras, a nível nacional ainda não há um quantitativo definido de pessoas em situação de rua no Brasil.

No Estado do Rio, por exemplo, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social afirma que apesar de haver instrumentais de coleta de dados da população em situação de rua junto aos municípios, existe a questão da subnotificação, que dificulta a realização de um levantamento mais preciso sobre essas pessoas em todo o estado.

As ações das prefeituras são coordenadas dentro do que se refere o Serviço de Abordagem Social, sendo ofertado pelos municípios conforme definição das Normas Operacionais Básicas do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Essas abordagens são definidas conforme a realidade local de cada cidade. A periodicidade das ações também é definida pelos municípios.

Centro POP

Dentre os serviços existentes no âmbito da política de assistência social voltados à população em situação de rua, há o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), que consiste em um espaço de acesso à rede socioassistencial, de promoção de ações de reinserção familiar, acompanhamento psicossocial, atividades direcionadas ao desenvolvimento coletivo e individual de sociabilidade contribuindo para a construção de novos projetos de vida e ampliação das possibilidades de saída das ruas.

Há ainda Serviços de Acolhimento Institucional nas modalidades de ILPI (Instituição de Longa Permanência para Idosos) no caso de idosos. No caso de jovens, há as Repúblicas. E há as Instituições de Acolhimento para Adultos no caso de pessoas adultas.Todos serviços de acolhimento são de execução direta dos municípios, cabendo ao estado prestar apoio técnico, capacitação e formação, assessorar e garantir o repasse de recursos.

Niterói

Segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social e Economia Solidária (SMASES), a cidade conta com uma rede de atendimento à população em situação de rua, através de equipes de abordagem social especializada, além do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) e cinco unidades de acolhimento, os abrigos.

A pasta conta que ampliou as vagas em acolhimento com a contratação de hospedagem em hotel, com aumento de 60% das vagas. Os hotéis e centros de acolhimento têm, juntos, 190 vagas para pessoas em vulnerabilidade social. O projeto de acolhimento emergencial em Hotel Popular, desde a sua contratação em abril de 2020, já atendeu 642 pessoas em situação de rua. Atualmente, a taxa de ocupação desses locais varia entre 90% e 95% de sua capacidade total, segundo a secretaria.

Apesar dos números, o quantitativo na cidade não foi informado. A ausência da analise aponta para a dificulda e tratar o problema. É o que explica o sociólogo da Universidade Federal do Rio (UFRJ), Rafael Mello.

"Sem qualificação e quantificação de dados, fica muito difícil planejar políticas públicas eficientes para o fim da situação de rua das pessoas. Isso porque a mensuração de dados faz parte das caraterística de formulação de políticas públicas. Então, atuar sem dados é um tiro no escuro, o que pode gerar ineficiência e gasto desnecessário de dinheiro e, principalmente, de mobilização política para a resolução dessa anomalia social"

Para o especialista, diversos são os fatores que contribuem para um individuo fazer da rua moradia, muitas vezes abrindo mão da própria digninidade.

"A vida na rua não é uma coisa boa e agradável. Se as pessoas estão nessa situação é por diversos motivos, que devem ser estudados por diferentes ciências, e que não há uma solução simples. Contudo, não é uma condicionante que uma pessoa em situação de rua esteja ligada ao crime, contravenção ou drogas. Pode haver pessoas nessas situações citadas? Sim. Mas, há muito preconceito por parte da sociedade. Essas pessoas estão numa situação de vulnerabilidade social, desprovidas de diversos direitos e invisibilizadas, então esses estigmas sociais mais atrapalham que ajudam"

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Niterói, a vereadora pelo Psol, Benny Briolly, afirma que mantém contato direto com a prefeitura sobre a questão da população em situação de rua. Segundo a parlamentar, a questão é delicada e a Comissão realiza o trabalho de encaminhar os casos que chegam na Câmara.

"Quando andamos pelas ruas de Niterói, percebemos nitidamente a falta de políticas publicas para acolher e auxiliar nossa população nesse momento. Niterói é a cidade com maior desigualdade racial do país. São mulheres e homens, famílias inteiras, de maioria negra em situação de rua. Além disso, constatamos o aumento da situação de trabalho infantil, por isso inclusive realizamos uma reunião da Comissão com o poder público e a sociedade civil para enfrentar essa dura realidade"

A Prefeitura de Niterói justifica que ações vêm sendo intensificadas com abordagem social especializada, de forma ininterrupta, priorizando os bairros com maior demanda. A administração explica que a oferta dos serviços de acolhimento não garante que a população em situação de rua aceite ser acolhida.

Retirada Compulsória - De acordo com a Secretaria de Assistência Social, conforme determina a legislação brasileira, não é possível fazer o recolhimento compulsório, ou seja, retirar o individuo de forma obrigatória. Na abordagem o atendido é encaminhado de forma voluntária.

Uma profissional explicou sobre a questão da não retirada à força dessas pessoas das ruas. "Eu não posso, simplesmente, retirar eles das ruas como se fossem lixos, tirando de um lugar e colocando em outro. Eles precisar querer sair daquela situação

O programa de recambiamento também representa importante alternativa, uma vez que possibilita que a pessoa em situação de rua resgate vínculos comunitários e familiares com sua terra natal e custeia o retorno ao seu estado de origem.

A prefeitura garante que equipes de abordagem social fazem ações diárias em toda a cidade e sempre registra novas pessoas em situação de rua. Dados do mês de maio mostram que, dos 136 abordados, 119 eram de outros municípios.

Dependentes químicos e transtornos mentais - Além do acolhimento e recambiamento, a Assistência Social de Niterói afirma que existe uma articulação entre os serviços para encaminhar usuários para atendimento no Centro de Atenção Psicossocial (CAPs) Álcool e Drogas, onde existe acompanhamento multidisciplinar para lidar com o vício. A Secretaria Municipal de Assistência Social e Economia Solidária ainda estuda novos serviços para atender a população cuja principal razão de permanência nas ruas é o uso abusivo de drogas e/ou o transtorno mental.

A prefeitura instituiu diversos projetos, priorizando a população mais vulnerável. Entre as ações, estão a distribuição de cestas básicas e do benefício Renda Básica Temporária e ampliação de vagas em acolhimento emergencial para população em situação de rua. A Secretaria Municipal de Saúde, por meio da equipe volante do Consultório de Rua, também realiza a vacinação contra a Covid-19 da população vulnerável da cidade.

Sem solução aparente, a questão parece perdurar nos grandes centros urbanos, vivendo, indiferente, dentro de uma realidade pouco explorada. Muitos, explica uma profissional de assistência social da Prefeitura de Niterói, recebem auxílios dos programas sociais que, somados a outros, parte da população consegue se virar nas ruas. Questionada sobre o porquê de mesmo estando nas ruas muitos ainda receberem a ajuda financeira, a explicação foi que alguns, de posse de seus cadastros nos Centros Pop, fogem dos olhares e voltam às calçadas, e uma vez cadastrados, continuam a receber.

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