Conheça a Itacoboia, novidade de resgate em praia de Niterói

Imagine que, em um dia ensolarado, você presencia um homem escorregar da Pedra do Pampo, na Praia de Itacoatiara, na Região Oceânica de Niterói, e cair no mar. No alto da rocha, há apenas um objeto que pode ser lançado para ajudá-lo: uma boia ecológica. Rapidamente, você arremessa o equipamento na direção da vítima e aciona os bombeiros para o resgate.

Situações como essa são mais comuns do que se imagina e já resultaram no salvamento de quatro vidas graças à Itacoboia, um projeto sustentável idealizado por militares do Salvamar Itacoa.

O equipamento foi criado por grupo de militares do 4º Grupamento Marítimo (Itaipu), que desenvolvem ações focadas em salvar vidas em ambientes além da praia. A Itacoboia foi idealizada por três bombeiros que perceberam a frequência de resgates na Pedra do Pampo, uma das áreas mais perigosas da Praia de Itacoatiara.

Embora possa parecer improvável, o perigo é iminente. Segundo a Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (Sobrasa), 15 pessoas morrem afogadas diariamente no Brasil. Nas praias, a atuação dos guarda-vidas reduz esse número, mas não o suficiente, especialmente em locais onde o litoral se mistura com costões rochosos e pedras. Nesses casos, o campo de visão dos profissionais é limitado.

“A gente recebe muitos chamados à noite, principalmente de pescadores ou de pessoas alcoolizadas que sobem na pedra. Já resgatamos um rapaz que subiu para urinar, escorregou e caiu. Era 18h. Por sorte, estávamos no posto conversando, mas ele já estava desativado. Corremos e conseguimos encontrá-lo no mar, já bem mal. Ele conseguiu boiar, o que foi crucial para sua sobrevivência”, relatou o cabo Thalles Alves, um dos idealizadores do projeto.

O fácil acesso às pedras, que oferecem uma vista panorâmica da praia, é um fator que aumenta o risco de acidentes. Thalles explica que boiar é uma das principais estratégias em casos de afogamento:

Um dos elos do afogamento é fornecer flutuação para a vítima. Explicamos isso em palestras nas escolas, pois nem sempre é necessário entrar na água para salvar, já que o risco de ambos se afogarem é alto. Estatisticamente, 15 brasileiros morrem afogados todos os dias, e dois desses morreram tentando salvar alguém

A motivação para criar o equipamento surgiu após a perda de um jovem de 17 anos, vítima de afogamento na Praia de Itacoatiara. Thalles e os militares Henrique Bruto, de 39 anos, e o sargento Wander Alves decidiram desenvolver um instrumento que facilitasse os resgates.

“A gente começou a pensar em colocar uma boia que não pudesse ser depredada ou levada. Como o Henrique Bruto é formado em ciências ambientais, ele pensou em usar materiais recicláveis. Começamos a pesquisar e desenvolvemos a Itacoboia”, explicou Thalles.

A confecção das boias foi feita por crianças e adolescentes do Engenho do Mato, na Região Oceânica de Niterói, em parceria com o grupo Salvamar e o Projeto Mãos. Para a criação foram utilizados somente três materiais: garrafas pet, sacos de ração e areia.

‘’É uma boia totalmente reciclável, aqui dentro são dois sacos de ração, dez garrafas pet de 1,5L a 2L e uma garrafa que vai no fundo com areia para dar peso na boia. Colocamos o segundo saco para proteger o primeiro porque o saco de ração com o tempo resseca e começa a esfarelar’’, explicou Thalles.    

Assista abaixo a forma correta de utilizar a Itacoboia

Resultados

A primeira boia foi instalada no alto da rocha em junho de 2023, em uma estrutura de concreto que era usada anteriormente para abrigar uma bandeira de risco. Ao lado da boia, uma placa informava sua utilização e o número 193, para acionar o Corpo de Bombeiros. Desde então, o instrumento já é responsável pelo salvamento de quatro vidas.

‘’Duas semanas depois de instalada ela salvou a primeira vida ali. Tiveram os testes que a gente fez com as crianças e depois o teste da vida real. Um pescador foi na beira tirar uma foto, escorregou e caiu. E um menino que estava junto com ele conhecia a boia, tinha a plaquinha aqui. Ele olhou, lançou a boia para o amigo e foram chamar a gente no posto’’, lembra Thalles.

Os bombeiros já haviam encerrado o expediente, mas responderam ao chamado: ‘’A gente veio correndo e foi uma grata surpresa. Quando subimos a pedra e olhamos, ele estava ali abraçado na boia, boiando esperando a gente chegar. Nós pulamos chegamos nele e pedimos o acionamento da moto aquática. Eles chegaram e conseguimos retirar a vítima ilesa. Esse foi o primeiro resultado, a primeira vítima’’, afirmou.

Após a primeira ação de resgate auxiliada pela boia ecológica, outras três foram salvas em uma dinâmica parecida. As vítimas se encantam pela vista facilitada pela Pedra do Pampo, se arriscam nas rochas mais perto da superfície e em um rápido deslize, escorregam para dentro do mar, uma área fora do campo de visão dos guarda-vidas.

Guardiões da Itacoboia 

Desde a sua implementação, a Itacoboia já conquistou guardiões. Diversos niteroienses gravam vídeos em dias aleatórios em que fazem visitas à Pedra do Pampo, para sinalizar que o equipamento está em segurança.

‘’A gente chama de os ‘’Guardiões da Itacoboia’’, as pessoas que ajudam, tiram foto, filmam e marcam a gente dizendo que está com a boia, que está tudo bem. Então a gente pede pras pessoas ajudarem também. Através das redes, percebemos se eventualmente precisamos repor’’, contou.

O equipamento precisou ser trocado uma vez, após a ressaca que atingiu as praias de Niterói, em agosto deste ano. Na ocasião, inclusive, um jovem morreu vítima de afogamento na Praia de Itacoatiara. No dia do óbito, a força do mar arrancou a Itacoboia da estrutura onde ela fica contida.

Foi pensando em reforçar a estrutura e a sinalização da Itacoaboia, que a equipe do Salvamar desenvolveu projetos para revitalizar o equipamento. A estrutura de concreto vai dar lugar a um mastro de cerca de 1,5m, onde a boia vai ficar abrigada.

Além disso, um seguidor do projeto Salvamar criou uma identidade visual para a boia, que será adesivada com o novo design. Os ajustes devem ser concluídos até o fim de outubro.

Iniciativa para além de Itacoatiara

A iniciativa inspirou outros lugares com altos índices de afogamento, como a Pedra da Sacristia, em Maricá, o Mirante do Roncador, no Recreio dos Bandeirantes e a Praia do Leme.

‘’Cada lugar tem sua questão específica, estamos testando essa revitalização da boia, funcionando aqui, iremos prover para outros lugares’’, finalizou o militar.