Audiência

Niterói discute internação humanizada; entenda a polêmica

Medida visa alcançar pessoas em situação de vulnerabilidade

Relatório aponta aumento de 27,6% de pessoas nesta situação nas ruas da cidade nos últimos dois anos
Relatório aponta aumento de 27,6% de pessoas nesta situação nas ruas da cidade nos últimos dois anos |  Foto: Divulgação / Prefeitura de Niterói

A internação humanizada para pessoas em situação de rua, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, será discutida em audiência pública, às 19h, desta quarta-feira (5). A medida proposta na Câmara de Vereadores, visa ocorrer com ou sem o consentimento da pessoa.

Pela complexidade do tema, representantes de diversas frentes de Saúde e Assistência Social de Niterói, além do Ministério Público do Rio, Ministério da Saúde, movimentos sociais e demais órgãos, devem estar presentes na Casa Legislativa.

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Polêmico, o texto se baseia nas Leis Federais nº 10.216/2001 e 13.840/2019. E enfatiza que é direito das pessoas em situação de vulnerabilidade ser tratado, até que alcance sua recuperação plena. A primeira discussão em plenário ocorreria em 17 de abril, mas foi adiada.

O projeto de lei, de autoria do vereador Fabiano Gonçalves (Cidadania), visa alcançar:

- Pessoas com dependência química crônica, com prejuízos à capacidades mental, ainda que parcial, limitando as tomadas de decisões;

- Pessoas em vulnerabilidade, que conforme o texto, venha a causar riscos à sua integridade física ou a de terceiros, devido a transtornos mentais pré-existentes ou causados pelo uso de álcool e/ou drogas;

- Pessoas incapazes de emitir opiniões ou tomar decisões, por consequência de transtornos mentais pré-existentes ou adquiridos.

Controvérsias

Presidente da Comissão Especial de Acompanhamento da População em Situação de Rua de Niterói, o vereador Paulo Eduardo Gomes (Psol) diz que o PL nº 009/2024, "distorce" o termo utilizado na legislação federal.

Isso, ainda conforme o parlamentar, “ao se referir sobre a internação humanizada, quando na realidade se trata da internação involuntária". 

A audiência pública desta quarta (5) foi convocada pela Comissão Permanente de Saúde e Bem-Estar Social, também presidida por Gomes.

"Torna-se ainda mais essencial a realização da presente audiência, e em busca de diálogos frutíferos e construtivos; onde especialistas e técnicos, tanto indicados pelo Poder Executivo, quanto dos movimentos sociais e da academia convidados, poderão debater com a população e com os parlamentares, ajudando-nos a compreender as necessidades de possíveis proposições de eventuais riscos envolvidos no projeto", pontua.

Emendas

O vereador Leonardo Giordano (PCdoB) já apresentou três emendas para retirar proposições no projeto de lei nº 009/2024. Uma delas é o trecho que versa sobre a "internação humanizada com ou sem o consentimento da pessoa".

Uma parte posterior, que Giordano tenta impedir, é que a internação — quando na ausência de pedido de familiar, ou representante legal — "ocorra a pedido de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas". A exceção seria apenas de servidores da área de segurança pública.

Outro pedido foi da exclusão da proposta de "Comunicação de Internação Psiquiátrica Involuntária ao Ministério Público do Rio de Janeiro".

Por fim, ele também pede a retirada do texto que diz que "nos casos de internação involuntária, deverão ser comunicados o Ministério Público, a Defensoria Pública e outros órgãos de fiscalização, no prazo de 72 horas".

Apontamentos

Em justificativa, Giordano explica que as extinções dos trechos são necessárias, considerando os parâmetros de inconstitucionalidade.

"Projeto de igual teor em Florianópolis provocou a manifestação da Defensoria Pública da União e da Defensoria Pública de Santa Catarina que declararam que o texto 'não é capaz de alcançar os fins a que se propõe, além de violar a ordem legal e constitucional'", pontua ele — no documento.

O vereador Leonardo Giordano também destaca que a internação já é permitida e considerada em casos de necessidade, como surtos, momentos agudos da doença, riscos à própria vida e de terceiros e outros quadros de alta vulnerabilidade, buscando a estabilização psiquiátrica.

Porém, especialistas garantem a ineficiência quando a prática é massificada e utilizada como forma de coerção ou substituição de políticas de assistência social Leonardo Giordano, vereador

Acolhimentos

A Prefeitura de Niterói diz que está atenta à incidência de pessoas em situação de rua na cidade e vem ampliando as ações de acolhimento. Diversos setores do município vêm atuando em ações de zeladoria.

Um relatório elaborado pela Secretaria Municipal de Saúde e pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Economia Solidária, e divulgado em abril deste ano, com dados de inscritos no CadÚnico em Niterói, apontou aumento de 27,6% de pessoas nesta situação nas ruas da cidade, nos últimos dois anos.

Um dos pontos da pesquisa mostra que o desemprego é o maior responsável pela permanência na rua (44%). Problemas familiares são o motivo de 41,8% das pessoas. Alcoolismo e drogas aparecem com 17%.

Constata-se no cenário atual em Niterói um aumento significativo de pessoas em situação de vulnerabilidade, particularmente aquelas afetadas pelo uso excessivo de drogas de qualquer natureza, transtornos mentais - pré-existentes ou adquiridos - e que se encontram em situação de rua. Essa realidade desafia a manutenção da ordem pública e a preservação dos valores fundamentais de convivência cidadã Fabiano Gonçalves, autor do projeto de lei

Causas

Segundo a publicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o crescimento de pessoas em situação de rua na cidade pode estar relacionado ao impacto da pandemia de Covid-19, onde foi apontado um aumento de 38% em todo Brasil, entre 2019 e 2022 (IPEA, 2022).

Em relação ao sexo e à faixa etária, as pessoas em situação de rua ainda são majoritariamente do sexo masculino (86,4%,) e adultos entre 18 e 59 anos (93,1%).

O perfil identificado em Niterói é semelhante ao observado na Pesquisa Nacional sobre Pessoas em Situação de Rua, que identificou 82% do sexo masculino, majoritariamente adultos entre 18 e 55 anos.

Do grupo pesquisado que vive nas ruas de Niterói, 494 pessoas (67,12%) são nascidas em outros municípios da Região Metropolitana: 15,90% são da cidade do Rio de Janeiro; 14,81% de São Gonçalo; 2,04% de Duque de Caxias; e 2,4% de Nova Iguaçu.

No que se refere ao tempo em que as pessoas se encontram em situação de rua, 237 (32%) estão há seis meses ou menos nessa condição, e 96 (13%) entre seis meses e um ano. O dado evidencia que 55% dos indivíduos se encontram nessa condição há mais de um ano.

Em relação aos motivos que levaram à condição de rua, segundo a Pesquisa Nacional sobre o tema, as razões são variadas, sendo a precarização das condições de vida uma das principais.

"Com a implementação do que se propõe, acreditamos que essa abordagem não apenas restaurará a dignidade dessas pessoas, mas também contribuirá para a construção de uma sociedade mais saudável e inclusiva", sugere o vereador Fabiano Gonçalves, autor do PL nº 009/2024.

Para o parlamentar, o respaldo fundamental para a iniciativa provém do comprometimento da saúde pública do município e, de maneira particular, da Secretaria de Assistência Social.

"Essa integração é essencial para assegurar uma implementação eficaz e alinhada com os princípios do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e do Sistema Único de Saúde (SUS)", reforça.

Centros de referência

Niterói tem uma rede de atendimento que conta com o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), dez Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), dois Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e cinco unidades de acolhimento (abrigos).

Além dos dormitórios, os abrigos da cidade oferecem quatro refeições diárias (café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar), acompanhamento psicossocial, encaminhamento para rede de serviços e recambiamento. Segundo a prefeitura, é fundamental que a pessoa aceite ir para um dos equipamentos oferecidos.

Durante a abordagem social, os agentes oferecem serviços socioassistenciais, como atendimentos dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps); odontológicos; e de equipes de redução de danos, com trabalho junto a usuários de álcool, crack e outras drogas.

O Centro Pop é a porta de entrada para o atendimento à população em estado de vulnerabilidade social. De lá, as pessoas são encaminhadas para as unidades de acolhimento, onde recebem atendimento de assistentes sociais, psicólogos e orientação jurídica, encaminhamento para serviços de saúde, trabalho e renda e documentação civil.

O objetivo principal é construir com os acolhidos um trabalho que culmine na autonomia e reinserção social. A organização desses serviços garante privacidade, o respeito aos costumes, às tradições e à diversidade de ciclos de vida, arranjos familiares, raça/etnia, religião, gênero e orientação sexual.

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