Ruínas

Colégio São Gonçalo: cenário de abandono e destruição

Unidade de ensino encerrou as atividades há mais de 10 anos

Colégio São Gonçalo está abandonado há mais de 10 anos
Colégio São Gonçalo está abandonado há mais de 10 anos |  Foto: Quintanilha Filho

Uma aula que parecia ter acabado porque o quadro ainda tem vestígios de palavras em inglês contrasta, na verdade, com um cenário de completo abandono das dependências de uma das escolas particulares mais tradicionais, o Colégio São Gonçalo, no bairro Zé Garoto, na Região Metropolitana do Rio. O ENFOCO foi até o local e encontrou o caos: paredes e tetos descascados, computadores largados, cadeiras reviradas e até parte do telhado caído. 

O mato também tomou conta completamente do que antes eram as salas de aula e a quadra do colégio. Pelos corredores, podem ser vistos vidros quebrados, pneus com água parada, goteiras, lixo, fezes de animais, telhas e montanhas de papéis espalhados pelo chão. Um cenário de completa destruição e ruínas.

Algumas das cenas que chamaram a atenção foram os preços dos lanches ainda nas paredes da cantina - Salgado + Refresco por R$ 2,50 - e murais com informes da época no local. Em uma das portas, ainda está escrito "Xerox - É proibida a entrada de pessoas não autorizadas" e "Horário de Almoço - 13h às 14h".

Uma escola abandonada pode trazer diversos impactos para a cidade, como na educação, desvalorização imobiliária, declínio na qualidade de vida, impacto social e comunitário, aumento da criminalidade, entre outros fatores.

Com mais de cinco décadas de funcionamento e conhecido por ser uma escola de destaque e referência, o Colégio São Gonçalo, que foi fundado pela professora Maria Esthephânia de Carvalho, e era administrado pelo falecido professor Hélder Barcellos até o seu fechamento, foi o primeiro a ter ensino médio na região, além também de oferecer diversos cursos para os alunos.

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Memórias afetivas de ex-alunos

Abandonada há mais de uma década, a escola fez parte da história da cidade de São Gonçalo, que marcou gerações. Agora, dela restam apenas lembranças e memórias afetivas do que um dia foi um lugar de aprendizado, amizades e boas festas.

O ex-aluno, André Costa, de 48 anos, contou como era o dia a dia na escola e todas as recordações boas que tem da unidade escolar de São Gonçalo, principalmente do lanche na cantina.

"Na sala de aula, antes do recreio, já sentíamos o cheiro do lanche. Quando chegava na cantina, você sentia o cheiro daquela pizza feita com massa de pão que não tinha igual. Até hoje lembro do gosto. Nunca comi uma pizza melhor que essa até hoje. Era um recreio maravilhoso, todas as crianças juntas. Eram muitos alunos mesmo. Lembro que uma época chegou a ter 50 ônibus para levar todos os alunos à escola, na época chamado de rota. O colégio era enorme! Nas festas juninas iam cerca de 5 mil pessoas", lembrou.

André Costa estudou no Colégio São Gonçalo entre 1983 e 1987
André Costa estudou no Colégio São Gonçalo entre 1983 e 1987 |  Foto: Quintanilha Filho
Não é só um colégio que passou, é a história da sua vida" André Costa, ex-aluno

Outra que recorda com carinho é a ex-aluna Erika de Morais, também de 48 anos, e que estudou no Colégio São Gonçalo entre 1985 e 1993, do ensino fundamental até o ensino médio.

"As festas da escola eram sensacionais. Eram abertas para o público, então sempre ia muita gente. Lembro de participar, de fazer as coreografias maravilhosas, dançar, paquerar, curtir... Nós chegávamos cedo para começar a arrumação e nós adorávamos. Lembro do Júlio, o querido porteiro. A gente ficava conversando com ele e pedia para ele deixar a gente ir para casa, mas ele sempre segurava a gente e não deixava fugir (risos)", disse.

Além das festas, havia também competições entre as escolas, como campeonatos interestaduais. André chegou a participar de jogos do time de futebol de salão.

"Nosso time era muito forte. Lembro que tinha um grito de guerra, uma música que nós cantávamos e a gente achava muito maneiro, era 'Colégio São Gonçalo, entra burro e sai cavalo'. A galera se orgulhava disso. Era muita brincadeira boa", contou o ex-aluno.

Apesar do cenário ser de abandono, o que prevalece ainda são as memórias incríveis da infância vivida no Colégio São Gonçalo. Na entrada, a famosa escadaria que dá acesso à unidade era o ponto de concentração entre os alunos, segundo André.

"Quem nunca ficou sentado naquela escada conversando, estudando ou esperando os pais? Tinha dias que nem dava para passar, de tão cheio. Ficava com vários vendedores ambulantes ali também", relembrou.

Alunos e professores na escadaria de acesso do Colégio São Gonçalo, em 1964
Alunos e professores na escadaria de acesso do Colégio São Gonçalo, em 1964 |  Foto: Divulgação/Facebook Colégio São Gonçalo
Lembro que tinha um que vendia picolé e ele fazia uma brincadeira. Ele ficava com um saquinho e tinha algumas bolinhas dentro. Quem pegasse a bolinha azul ganhava outro picolé de graça. Como a gente não era bobo, alguns já iam com uma bolinha azul na mão, botava dentro da sacola, depois tirava e mostrava, só para conseguir ganhar outro picolé" André Costa, ex-aluno

Gratidão

Atualmente psicóloga e professora de Psicologia, Erika contou que descobriu qual seria sua profissão graças a um diretor da escola.

"Eu sou eternamente grata por ter estudado no Colégio São Gonçalo. Foi um lugar que me marcou para sempre. Lá, eu acabei descobrindo minha vocação para ser professora. Tudo começou quando eu ia sair da escola (risos). Eu falei para o professor Hélio Amaral que ia buscar minha documentação para fazer a transferência e até brinquei com ele e falei: 'Agora o senhor vai se livrar de mim'. E aí ele respondeu: 'Como assim você está indo embora? Não! Você vai ficar aqui'. Falei que meus pais não tinham mais como pagar. Então ele me disse que ia dar uma bolsa de estudo com desconto. Ele descobriu a minha vocação. Ele disse: 'Você vai ser uma excelente professora'. Aquilo nunca tinha passado pela minha cabeça, e sou eternamente grata a ele", relatou.

Após esta conversa com o diretor Hélio, Erika se dedicou ainda mais e se formou no Colégio São Gonçalo. Depois, ela atuou como auxiliar de professora na unidade.

Anos depois tive a honra de trabalhar no colégio em que passei a minha infância e me formou. Ser professora é isso. Embora eu me sentisse muito acolhida e amada ali dentro, não achei que seria tão legal assim. Estar em uma escola que te olha e te trata diferente é incrível e maravilhoso! A escola era uma grande família, tinha excelentes professores e profissionais. Nós realmente éramos muito felizes" Erika de Morais, ex-aluna
Turma do Colégio São Gonçalo em 1964
Turma do Colégio São Gonçalo em 1964 |  Foto: Divulgação/Facebook Colégio São Gonçalo

Morte de professor

Apesar das alegrias, Erika relatou um momento triste vivido entre os alunos e professores do Colégio São Gonçalo. Isso porque, o antigo professor de português, Geel Figueiredo, acabou falecendo precocemente vítima de um câncer no pulmão, aos 45 anos.

"Quando o professor Geel morreu foi uma tristeza enorme. Ele era muito querido por todos. Lembro que quando ele estava no hospital durante o tratamento, centenas de alunos iam visitá-lo, o hospital ficava lotado, os funcionários do hospital ficavam expulsando a gente. No dia que ele morreu, foi muito pesado. Era gente caindo pelas escadas, desmaiando de tristeza, muitos alunos chorando, professores precisando ser amparados. Nunca vou esquecer desse dia", contou.

'Sensação de luto'

Os anos se passaram, as gerações foram mudando, e após alguns anos, o Colégio São Gonçalo finalmente encerrou as atividades, em 2010. Ao tomar conhecimento de como se encontra a escola nos dias de hoje, André se mostrou abalado e triste com que um dia foi o seu "lar".

"A sensação é de angústia, de tristeza. Sabe aquele choro que fica preso na garganta? O que nos resta agora são as lembranças. Fiz amizades dentro daquela escola. É de partir o coração ver o lugar que fez parte da sua vida estar abandonado desta forma. A sensação é de luto mesmo", lamentou o ex-aluno.

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Já Erika define o abandono da unidade escolar como frustração. "Hoje, olhar para a escola e ver no que ela se transformou, completamente abandonada, é muito triste. Acho que a melhor palavra para descrever seria frustração. Porque naquela escola eu descobri minha vocação, fiz amizades, aprendi o conceito da palavra respeito e levei o lema deles para minha vida, que era 'estudar e vencer'. Quando eu li essa frase na camisa do colégio, eu nunca mais tirei isso da minha cabeça", detalhou.

Por fim, ela acredita que a escola fechou por não ter colocado "sucessores com amor ao colégio.

"O problema do Colégio São Gonçalo ter falido não foi má economia ou má administração, mas sim, não terem criado sucessores. Acho que foi um grande erro. Os diretores foram ficando idosos, o tempo foi passando, e eles não quiseram assumir a responsabilidade de admistrar talvez, o maior e melhor colégio de São Gonçalo", finalizou.

Infelizmente, nenhum dos donos da escola colocaram seus filhos para estudarem lá. Então, eles não tiveram esse amor, não se apaixonaram pelo colégio, não tiveram esse apego" Erika de Morais, ex-aluna

Mistério sobre o destino do imóvel

Desde o falecimento de Hélter Barcellos, que administrava o colégio, não há mais informações atualizadas sobre quem seria o responsável pelo prédio onde funcionava a antiga escola particular. Com isso, não se sabe o que pode acontecer ou qual vai ser o futuro da estrutura que está abandonada.

Processos na Justiça

Em resposta ao ENFOCO, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), informou que há 22 processos trabalhistas envolvendo a instituição Colégio São Gonçalo, sendo nove arquivados. 

O ENFOCO tentou contato com familiares e outras pessoas ligadas ao falecido professor Hélter Barcellos, mas não teve uma resposta até o momento da publicação da reportagem.

< Ferido em tombamento de caminhão na BR-101, em Niterói capa 250524 <