Busão de graça

Tarifa zero em ônibus de Niterói é possível? Especialistas explicam

Debate surge após pressão para aumentar passagem

Economistas e pesquisadores a defenderem as políticas de gratuidade no transporte
Economistas e pesquisadores a defenderem as políticas de gratuidade no transporte |  Foto: Péricles Cutrim

O aumento proposto na tarifa de ônibus em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, de R$ 4,45 para R$ 6,13, não apenas desencadeou um debate sobre a qualidade do serviço oferecido à população, mas também ampliou a discussão sobre os desafios de mobilidade enfrentados pela cidade. Nesse contexto, economistas e pesquisadores têm encontrado nas políticas de gratuidade no transporte uma alternativa viável para contornar o problema que se repete em diversos municípios do Brasil.

Uma pesquisa conduzida pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com a concessionária Teroni, em 2021, revelou uma queda de aproximadamente 30% no número de usuários no Terminal Rodoviário João Goulart, ponto central de partida de ônibus na cidade. 

Entretanto, essa redução no uso dos ônibus coloca o sistema de transporte de Niterói em um dilema, pois ele é amplamente dependente das tarifas pagas pelos passageiros. Por conta disso, o Sindicato das Empresas de Transportes Rodoviários do Estado do Rio (Setrerj) tem defendido um aumento na tarifa, alegando que o valor anterior onera excessivamente a prestação do serviço.

Há uma crise no transporte público em todo o Brasil

O pesquisador de políticas públicas de Tarifa Zero, Daniel Santini, alerta para a gravidade da crise no transporte público, não sendo restrita a Niterói, mas disseminada por vários estados brasileiros.

A situação é gravíssima e não tem recebido a atenção devida. Os sistemas de transporte público coletivo encolheram no Brasil na última década e hoje encontram-se ameaçados. A pandemia acelerou essa tendência de queda de usuários e até hoje o atendimento não voltou ao normal. Mesmo antes da Covid, já havia uma linha de declínio bastante clara, uma redução que também pode ser identificada em outras capitais e metrópoles do país. Daniel Santini, pesquisador

No estado do Rio de Janeiro, este problema é ainda mais evidente, segundo Santini. Os ônibus municipais perderam metade dos passageiros em apenas seis anos, de acordo com dados públicos do projeto Data.Rio do Instituto Pereira Passos, da Prefeitura do Rio.

Em 2016, foram transportadas 1,2 bilhões de pessoas, e em 2022, foram 607 milhões. Isso aponta para uma tendência de declínio no uso dos meios de transporte público na Região Metropolitana do Rio.

Política de tarifa zero se torna solução viável para Niterói

No caso de Niterói, o modelo de tarifa é apontado como o principal obstáculo pelo especialista em mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria. Ele argumenta que é importante diversificar as fontes de financiamento para o transporte público e vê na política de tarifa zero uma solução viável.

É fundamental buscar fontes de receita adicionais para reduzir a dependência da tarifa e caminhar em direção à tarifa zero. A tarifa zero pode ser uma alternativa, mas o enfoque deve ser encontrar outras fontes de financiamento para não depender exclusivamente das tarifas, como é comum em Niterói e em muitas cidades brasileiras. Rafael Calabria, pesquisador

O pesquisador Santini também compartilha dessa visão, considerando a tarifa zero como a melhor solução para enfrentar a crise no transporte da cidade. De acordo com  o seu levantamento, até o início de novembro deste ano, 87 cidades brasileiras já haviam adotado a tarifa zero universal, e todas experimentaram um aumento no uso do transporte público coletivo.

Além disso, para ambos os pesquisadores, a abolição das catracas é uma estratégia com potencial para reduzir as desigualdades sociais, garantindo o acesso a outros direitos fundamentais para uma parcela da população que se encontra excluída.

A tarifa zero garante uma sociedade menos desigual

“A mobilidade é um direito que possibilita o acesso à educação, saúde e cultura, e muitas pessoas enfrentam dificuldades para obter esses benefícios devido às barreiras financeiras. É um direito que garante outros direitos, e a Tarifa Zero pode desempenhar um papel decisivo na construção de uma sociedade menos desigual e injusta", enfatizou Santini.

No âmbito das políticas de gratuidade, é fundamental reconhecer a existência de diferentes abordagens. Algumas delas propõem uma tarifa zero para toda a população, enquanto outras defendem a gratuidade com restrições baseadas em critérios de renda.

O que dizem os economistas

O economista e mestre em administração pública, Cláudio Gurgel, acredita que Niterói possui recursos financeiros suficientes para sustentar uma política de tarifa zero até abrangendo toda a população.

"É altamente viável. Na verdade, o que se torna inviável é a continuidade dessa política de constantes aumentos na tarifa. Para a metade da população fluminense que sobrevive com renda inferior a um salário-mínimo, ou seja, menos de R$ 1.320, torna-se um desafio insuperável arcar com a tarifa, ainda mais quando ela se aproxima dos R$ 6,15”, enfatizou.

Gurgel, que também é professor da UFF, esclarece o funcionamento das políticas públicas, destacando que tais políticas dependem de um intricado mecanismo de captação de recursos provenientes de diversas fontes. Essas fontes variam desde a arrecadação de impostos e taxas até recursos especiais, como os royalties do petróleo.

Niterói possui recursos financeiros para custear uma política de tarifa zero para todos

Por outro lado, o economista Carlos J. G. Cova, embora considere a política de tarifa zero com restrições uma possibilidade financeiramente viável para Niterói, ressalta que a implantação dessa medida demanda uma análise cuidadosa de diversos fatores.

"Não se trata de uma panaceia, como muitos fazem parecer. O transporte municipal é concedido a particulares, que assumem o risco e obtêm os retornos por sua iniciativa. A tarifa que remunera a operação deve ser sustentável financeiramente, incluindo os retornos do concessionário. Naturalmente, os usuários desejam pagar a menor tarifa possível, criando um conflito. Nesse contexto, o poder público deve atuar como mediador”, explicou Cova, que também atua como professor de finanças na UFF.

Cova enfatiza ainda que as gratuidades, embora possuam justificativas políticas e morais, aumentam a pressão sobre o sistema de transportes. Portanto, para ele, é fundamental encontrar um equilíbrio adequado entre os custos operacionais, os retornos devidos ao empreendedor e o valor da tarifa suportado pelos usuários.

Imagem ilustrativa da imagem Tarifa zero em ônibus de Niterói é possível? Especialistas explicam
|  Foto: Divulgação
Sucesso em Maricá não significa êxito no município de Niterói

Os economistas destacam que o sucesso dessa medida em Maricá, apesar de ser um município vizinho, não garante automaticamente o mesmo êxito em Niterói. No entanto, ambos concordam que os resultados obtidos em Maricá abrem espaço para que a política de tarifa zero com ou sem restrições seja debatida na cidade.

Essa discrepância reside principalmente nos royalties de petróleo. Maricá recebe o dobro de Niterói, cerca de 2,5 bilhões. No entanto, isso não significa que Niterói não possa implementar uma política de tarifa zero, com alguma seletividade ou até mesmo para todos, considerando que a classe média alta e alta raramente utilizam o transporte coletivo, independentemente do preço. Carlos Gurgel, economista e professor

Carlos Cova reforça a perspectiva de que, em qualquer operação de transporte, existem custos que precisam ser cobertos. Ele observa: "Se a operação é financiada pelo governo municipal, os custos são suportados pela sociedade, ou seja, não é verdadeiramente gratuito, embora o pagador não seja aparente. Em economia, como diz o antigo ditado de mercado norte-americano, ‘não existe almoço grátis’”.

Além disso, é importante ressaltar a diferença de aproximadamente 20% nos orçamentos de Maricá e Niterói, com Niterói prevendo um orçamento de cerca de R$ 6 bilhões e Maricá, pouco mais de R$ 7 bilhões, considerando o ano de 2023. Niterói, como a terceira cidade com o maior PIB da Região Metropolitana do Rio, tem uma população superior a 500 mil habitantes, enquanto Maricá, logo abaixo em termos de orçamento, conta com aproximadamente 197 mil habitantes.

Imagem ilustrativa da imagem Tarifa zero em ônibus de Niterói é possível? Especialistas explicam
|  Foto: Divulgação

A medida de tarifa zero também está em vigor em Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio. Os ônibus com Tarifa Zero começaram a circular no último sábado (11), partindo do centro de Manilha. Conhecidos carinhosamente como "Laranjinhas", esses ônibus gratuitos, fruto do projeto elaborado pela Prefeitura de Itaboraí, buscam tornar a locomoção dos moradores mais acessível.

O que diz a Prefeitura 

Procurada, a Prefeitura de Niterói discordou do posionamento dos especialistas. Em nota, a entidade informou que a política de tarifa zero não é viável para o contexto do município de Niterói. 

"A Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade (SMU) informa que a tarifa zero em larga escala é inviável sem algum auxílio do governo federal. Os exemplos de cidades brasileiras que praticam a tarifa zero mostram que são sistemas muito simples perto da complexidade do contexto metropolitano de Niterói. A Prefeitura elaborou um Projeto de Lei que autoriza o subsídio em Niterói. Por contrato, a tarifa hoje deveria ser de R$ 5,15. O município tem evitado o repasse de custos contratuais para o usuário e mantém a tarifa em R$ 4,45. Com o Projeto de Lei que está na Câmara, o objetivo é que o usuário pague R$ 4,00 pela passagem, uma redução de cerca de 10% do valor atual", diz a nota na íntegra. 

< Corpo é encontrado na praia de Piratininga e pode ser de Jovem capa 201123 <