Presos pagos
Delegados presos continuam recebendo altos salários do estado
Servidores só têm o pagamento suspenso após perda do cargo
A alta cúpula da Polícia Civil do Rio de Janeiro parece não ter sido estremecida com as prisões de autoridades, acusadas de acobertar figurões do crime. Isso porque além da moradia na cela, eles continuam recebendo salários mensais, que, em média, ultrapassam os R$ 35 mil.
Aos cofres públicos, mesmo sem trabalhar, a soma dos montantes de Allan Turnowski, Adriana Belém, Marcos Cipriano e Maurício Demétrio chega a R$ 154.778,69 mil/mês — considerando os rendimentos brutos de cada um, segundo apurado pelo ENFOCO no Portal do Servidor, mantido pela Secretaria de Estado da Casa Civil (Seplag).
É que um servidor só tem o pagamento suspenso após exoneração. Essa é a sanção máxima do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD). Ou também quando há condenação criminal com processo transitado em julgado e sinalização de perda de cargo, alega a Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol).
Salário em dia
Acontece que ainda não há decisão judicial determinando o bloqueio do pagamento dos delegados citados. Ou seja, os depósitos permanecem.
O delegado Allan Turnowski, preso no último dia 9, não foi o único ex-chefe de Polícia Civil do estado do Rio a ir para a cadeia. Na lista ainda estão: Álvaro Lins e Ricardo Hallak, ambos em 2008. Esses dois últimos delegados foram desligados do Sepol em decorrência de PAD. Lins e Hallak, inclusive, já foram condenados com penas somadas a 33 anos de prisão.
Contra Álvaro Lins consta condenação de facilitação de contrabando, lavagem de dinheiro, envolvimento na máfia de caça-níqueis e corrupção - preso em maio de 2008 e sentenciado a 28 anos de reclusão; já o segundo por corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Ele foi condenado a cinco anos e nove meses de prisão por corrupção passiva.
Turnowski é acusado de participar de uma organização criminosa, corrupção e violação de sigilo funcional. Ele deixou o cargo em março de 2022 para se candidatar como deputado federal pelo PL. Apesar de preso, a candidatura dele permanece com status de deferido no sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No que diz respeito a ele, a Polícia Civil esclarece que a licença de servidor público para disputar cargo eletivo, não prevê a perda do salário, que segundo o Portal da Transparência é de R$ 38,558.24 brutos, por mês.
Preso em maio deste ano, o delegado Marcos Cipriano também está com as remunerações em dia. O último salário bruto de R$ 36,496.95 registrado no site da Casa Civil é de Julho/2022, referente à Sepol. A Corregedoria instaurou PAD contra ele e a investigação está em andamento.
Cipriano foi preso durante a Operação Calígula, desencadeada no dia 11 de maio pelo Ministério Público. Ele e a delegada Adriana Belém, também presa, são acusados de integrar uma organização criminosa liderada pelo contraventor Rogério de Andrade voltada à exploração de jogos de azar.
Em defesa de Cipriano, os advogados sustentam a ausência de fundamentação, o fato de ele ostentar a condição de réu primário, bem como possuir bons antecedentes, além de não ter anotação negativa em sua ficha funcional. Mesmo assim, a concessão de habeas corpus ao delegado permanece negado pela Justiça.
Já a defesa de Adriana Belém, de igual modo, já pediu por algumas vezes a revogação da prisão ou a decretação de prisão domiciliar. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou nova solicitação de relaxamento, no último dia 31 de agosto. Belém, ainda assim, permanece com salário bruto de R$ 44,277.41.
Em uma busca na casa dela, no dia operação, foi encontrado mais de R$ 1,7 milhão em espécie o que, de acordo com o desembargador Joaquim de Almeida Neto, justifica a manutenção de sua prisão.
A reportagem apurou que em relação ao delegado Marcos Cipriano há, também, uma requisição interna do Departamento de Transportes Rodoviários do Estado (Detro), com status ativo na folha de pagamentos — apesar de constar por lá apenas os vencimentos dos meses de setembro e outubro de 2021: uma remuneração mensal de R$ 11,606.26 e R$ 79.96, respectivamente; e eventual de R$ 494 e R$ 10,219.42, nessa ordem.
O Detro, procurado, afirma que o delegado Marcos Cipriano não recebe mais vencimentos pela pasta desde que saiu da autarquia no ano de 2021. Ele era vice-presidente.
Por meio de vínculos, consta, ainda, na folha de pagamentos, requisição interna da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado (Agenersa) com última remuneração em agosto/2022, no valor bruto de R$ 18.421.98, quando conselheiro.
A Agenersa reafirma que a decisão judicial não determina a interrupção dos seus vencimentos e, que segundo a legislação estadual, o pagamento só pode ser suspenso com o trânsito em julgado da decisão condenatória.
A Agência esclarece, ainda, que os fatos que culminaram na prisão preventiva do conselheiro Marcos Cipriano ocorreram em período anterior à sua nomeação e não estão relacionados às suas atividades lá.
Reforça também que, de acordo com o artigo 13º da Lei 4.556/2005, o conselheiro somente perde o mandato por condenação judicial transitada em julgado, ou condenação em processo administrativo disciplinar.
O delegado Mauricio Demetrio Afonso Alves, preso em junho do ano passado, conforme o Portal da Transparência, também permanece recebendo em dia. O último salário bruto de R$ 35,446.09 registrado no site da Casa Civil é de Julho/2022 - mais de um ano após a ida dele para à cela.
Foi a operação Carta de Corso que prendeu Demétrio. As investigações apontaram que ele cobrava propina de comerciantes em Petrópolis, na Região Serrana. Na ocasião, também foram presas seis pessoas. Quando capturado, o delegado Maurício era o titular da Delegacia do Consumidor.
De acordo com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPRJ, em vez de reprimir a prática de delitos, em especial a “pirataria”, os acusados praticavam o crime, exigindo dos lojistas da famosa Rua Teresa, o pagamento de vantagens ilegais para permitir que continuassem comercializando roupas falsificadas.
Sob o comando do delegado de polícia, a organização era dividida em dois núcleos principais. Os recursos arrecadados com o esquema, em sua maior parte em espécie, permitiram ao chefe da organização desfrutar de padrão de vida incompatível com seus recursos de origem lícita conhecida, tendo sido identificados diversos atos de lavagem de capitais envolvendo automóveis de luxo.
Os denunciados respondem pela prática de diversos delitos como integrar organização criminosa, concussão, obstrução de Justiça, inserção de dados falsos em sistema, emissão de laudo falso e lavagem de dinheiro, cujas penas mínimas somadas superam 30 anos de reclusão e a condenação leva à perda do cargo público.
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