Logo Enfoco


    Disparou

    Violência contra idosos explode em Niterói: 'Ameaçou de morte'

    Autoridades e profissionais de saúde fazem alerta

    Publicado 25/10/2025 às 6:59 | Autor: Ezequiel Manhães
    Ouça a reportagem
    Siga no Google News Siga o Enfoco no Google News
    Muitas vezes, as agressões acontecem dentro de casa
    Muitas vezes, as agressões acontecem dentro de casa |  Foto: Rafa Neddermeyer / Agência Brasil

    No período de um ano, quase 2 mil idosos denunciaram diferentes tipos de violência à Polícia Militar em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, por meio da Patrulha 60+. A violência, que muitas vezes parte de familiares próximos, preocupa autoridades e profissionais de saúde mental.

    “Há atendimentos simples de discussões, monitoramento de idosos que têm medidas protetivas e também prisões. Geralmente as ocorrências são de agressões. Nem sempre quem agride um idoso é preso pela patrulha 60+, pela questão do flagrante delito. Às vezes a patrulha comum faz o flagra e apresenta a ocorrência na delegacia”, explica o coronel Leonardo Oliveira, comandante do 12º BPM (Niterói).

    Os dados apresentados ao ENFOCO pela PM se referem ao período entre 23 de outubro de 2024 e 16 de outubro de 2025. Foram ao menos 1,8 mil atendimentos na região. 

    Atuando neste primeiro ano em dois bairros com grande concentração de idosos (Icaraí e Copacabana) os policiais militares da Patrulha 60+ realizaram mais de 3 mil ações, identificaram 31 autores de violência, efetuaram 4 prisões em flagrante e, mais importante, cadastraram 125 idosos, que passaram a ter atendimento contínuo.

    Dos idosos atendidos, 53% foram vítimas de algum tipo de violência, praticadas por parentes próximos, e 45% estão em situação de vulnerabilidade, e 2%, abandonados.

    Aspas da citação
    Já pedi medida protetiva duas vezes. A primeira foi negada porque se trata de mãe e filha. Ela já me ameaçou de morte, que vai me enfartar. Agora fiz outro pedido, pois estou com medo. Moro perto de onde ela trabalha, e temo ser atacada
    idosa de 81 anos, vítima
    Aspas da citação

    De acordo com o Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP), entre 2023 e 2024 foram registrados quatro casos de abandono de idosos em hospitais, casas de saúde e entidades de longa permanência em Niterói.

    No mesmo período, também houve cinco ocorrências por falta de assistência e 14 por exposição à risco da integridade física ou psíquica, mostrando que o problema se manifesta em várias formas de negligência.

    O Mapa de Delitos da Polícia Civil, ao qual o ENFOCO teve acesso, revela um número ainda maior: 3.995 pessoas acima de 59 anos foram vítimas de diversos tipos de violência entre janeiro e outubro deste ano em Niterói.

    Crimes como lesão corporal culposa (5), lesão corporal culposa qualificada (4) e provocada por socos, tapas e pontapés (50), além de ameaças (160) e até abandono de incapaz (5) estão inclusos na lista de registros em diversas delegacias, com vítimas distribuídas entre homens e mulheres. Boa parte das ocorrências foram registradas em bairros das zonas norte e sul, além da Região Oceânica.

    Problema silencioso

    O Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa (Comddepi) aponta que os bairros da Zona Sul de Niterói concentram as maiores incidências de violência. As ocorrências mais comuns apontadas são: patrimoniais, psicológicas, ligadas ao abandono e físicas.

    Durante uma palestra acompanhada pela reportagem no auditório da 76ª DP (Centro de Niterói), na última quarta-feira (22), a psicanalista Fábia Andrade classificou a violência contra o idoso como um problema “silencioso e persistente”.

    Aspas da citação
    No Estado do Rio, até julho, tivemos 9 mil denúncias contra pessoas idosas. No Brasil, temos 65 mil denúncias em 2025. Isso me chocou
    Fábia Andrade, psicanalista
    Aspas da citação

    Segundo a especialista, a vulnerabilidade aumenta com o tempo: “É uma idade em que você não tem mais a mesma força, agilidade, que contribuiu com seu processo e energia para o trabalho e a família, e quando mais precisa, está mais vulnerável. Grande parte das agressões ocorre dentro de casa", alerta.

    O medo de denunciar, a dependência emocional e financeira e a vergonha pública fazem com que muitos sofram calados.

    "Violência é tudo o que fere o corpo, a alma ou o direito de existir com dignidade. É toda ação ou omissão que fere, humilha ou priva alguém dos seus direitos. Pode ser física, psicológica, financeira ou institucional. O silêncio fere o idoso, que às vezes não tem força nem coragem de ir contra um familiar que é o próprio violentador. Isso é muito triste. A gente vê isso aqui na delegacia", explica.

    A psicanalista Fábia Andrade apresentou dados sobre violência contra a pessoa da terceira idade
    A psicanalista Fábia Andrade apresentou dados sobre violência contra a pessoa da terceira idade |  Foto: Péricles Cutrim

    Segundo Fábia, as agressões mais comuns vão desde a violência física e psicológica até a financeira, sexual, institucional e a negligência. Ela alerta ainda para o avanço dos golpes digitais e falsos empréstimos, que exploram a fragilidade emocional e tecnológica dos mais velhos.

    “A violência patrimonial é uma conduta que afeta bens, valores ou direitos do idoso, causando perdas, dano ou limitação do patrimônio. Tomar cartão, senha, fazer empréstimo em nome do idoso. Nós temos uma vítima em que a familiar, por questões de herança, está tentando tirar a própria mãe da residência. Fizemos o registro, quando foi pedido a medida protetiva, do afastamento, para ela ter direito de residir em paz, uma vez que casa é asilo inviolável.”

    Dura realidade

    Um dos casos que ilustra essa realidade é o de uma idosa de 71 anos, moradora do Centro de Niterói, vítima de violência patrimonial há pelo menos 10 anos. Na última terça-feira (21), ela registrou um novo boletim de ocorrência contra a filha na Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), após ser novamente ameaçada.

    “Ela já me agrediu, e eu cheguei a ser internada por cinco dias com fraturas nas vértebras que até hoje me incomodam. Uma filha que sempre ajudei, sempre a tratei com muito carinho, dei todo tipo de tratamento psicológico que ela precisou”, contou, emocionada, pedindo para não ser identificada.

    Mãe de três filhos, sendo dois homens e uma mulher, a vítima diz que as agressões por parte da filha começaram com empurrões e discussões, mas se tornaram ameaças constantes, principalmente após o falecimento do marido.

    “Ela começou a querer dominar minha casa, me agredir. Tive que vender minha casa por causa das brigas constantes. Ficou impossível conviver. Brigava todos os dias, me xingava, me humilhava. Eu tinha vergonha até de sair de casa, porque os vizinhos ouviam tudo. Eu fiquei seis anos sem ver meus netos, na fase de alienação parental", narra.

    Acusada pelas agressões, a filha, de 42 anos, tem diagnóstico de bipolaridade, de acordo com a idosa. Apesar disso, ela trabalha como segurança em uma loja de um shopping da cidade.

    “Ela já foi levada várias vezes para o hospital psiquiátrico de Jurujuba, por causa das crises. Três psiquiatras me disseram: ‘30% do caso dela é doença; 70% é caráter’. Ela me empurrou, me deu uma rasteira, caí e fraturei a vértebra. Isso foi em 2016. Os vizinhos ouviram a confusão e chamaram a polícia, que já conhecia o histórico dela. Fui para o hospital. A denúncia foi feita de forma anônima. Meses depois, compareci à 78ª DP (Fonseca) para relatar o caso.”

    Mesmo depois de vender a casa e dividir o valor entre os três filhos, em 2022, a idosa afirma que a perseguição não parou.

    “Já pedi medida protetiva duas vezes. A primeira foi negada porque se trata de mãe e filha. Ela já me ameaçou de morte, disse que vai me enfartar. Agora fiz outro pedido, pois estou com medo. Moro perto de onde ela trabalha e temo ser atacada. Eu tento cuidar da minha saúde: faço ioga, pilates, caminhada, fisioterapia respiratória, oficina de memória na UFF e mantenho amizades. Isso me ajuda a manter a autoestima, senão eu já teria enfartado com tanto estresse.”

    Ela ainda lamenta o afastamento dos netos e a exposição nas redes sociais.

    “Ela me expõe na internet, me ofende. Fiz de tudo pra viver em paz, mas ela continua me perseguindo e me ameaçando.”

    Mais perto do que imagina

    Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, a maioria das agressões contra idosos ocorre dentro do ambiente familiar.

    “Devido a essas informações serem dados sensíveis, não podemos divulgar. Em regra, são os parentes mais próximos à pessoa idosa”, pontua o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa de Niterói.

    O programa Patrulha 60+, da Polícia Militar, é fruto de pesquisa voltada para assistência social, que teve seu início em locais apontados como os de maior concentração de idosos como Copacabana, na capital, e Icaraí, na Zona Sul de Niterói.

    Desde então, os policiais militares do programa vêm assistindo idosos nesses dois bairros e ampliando a rede de cuidado destas pessoas. Os idosos que acionam a Patrulha, entram para um cadastro onde permanecem em monitoramento contínuo, assim como é feito com a Patrulha Maria da Penha – Guardiões da Vida, que atende mulheres em situação de violência doméstica.

    Aspas da citação
    É um modelo de policiamento de proximidade que protege e atende de forma continuada idosos em situação de violência doméstica ou de vulnerabilidade. A população nessa faixa etária vem crescendo muito e merece um atendimento diferenciado
    coronel Marcelo de Menezes Nogueira, secretário de Estado de Polícia Militar
    Aspas da citação

    O coordenador da Patrulha 60+Retribuindo e Protegendo, tenente-coronel Fábio Iecin, lembra que os atendimentos e as parcerias conquistadas nesse primeiro ano refletem a importância do programa:

    "Estamos comprovando que a segurança pública unida à assistência social é um caminho eficaz para o combate da violência e do abandono. A dedicação das equipes tem sido fundamental para a construção de um futuro em que todos possam envelhecer com dignidade, tranquilidade e amparo", constata o tenente-coronel Fábio Iecin.

    Com o aumento da expectativa de vida da população brasileira e na maioria dos países, observado nas últimas décadas, várias políticas públicas foram implementadas em prol dos idosos. A ONU, por exemplo, estabeleceu outubro como o “mês de valorização da pessoa idosa” e o governo federal promulgou o estatuto do idoso em 2003.

    Para Fábia Andrade, reconhecer os sinais é o primeiro passo para interromper o ciclo da violência. “Se ver um idoso mudando muito repentinamente de humor, era uma pessoa mais comunicativa e fica retraída, gostava de ver TV e não vê mais...”, alerta.

    Disque Idoso

    Niterói e São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, estão entre as cidades que mais utilizaram o serviço
    Niterói e São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, estão entre as cidades que mais utilizaram o serviço |  Foto: Divulgação / Governo do Estado do Rio

    Serviço exclusivo voltado para a proteção da pessoa idosa, o Disque Idoso 165 completou um ano na última quinta-feira (23), registrando 13,5 mil ligações recebidas e mais de 4 mil downloads do aplicativo.

    Oferecido pela Secretaria de Estado de Juventude e Envelhecimento Saudável (Seijes), o serviço tem como objetivo atender às diversas demandas da população 60+, como denúncias em casos de violência, dúvidas sobre direitos, benefícios e orientações sobre serviços de saúde, transporte, assistência.

    "O Disque Idoso 165 representa o compromisso com o cuidado e respeito às pessoas idosas. Temos à disposição profissionais qualificados para esse processo de escuta e orientação, contribuindo para que tenham seus direitos preservados. Nosso comprometimento é garantir que toda pessoa idosa tenha voz", afirma o governador Cláudio Castro.

    Durante esse período, entre as demandas mais recebidas estão:

    - Denúncias de violência (35,2%)

    - Conflitos familiares (12,5%)

    - Informações sobre serviços (9,6%)

    - Conflitos com vizinhos (6,7%)

    - Reclamações (6,2%).

    Os municípios que mais utilizaram o serviço via chamada telefônica foram Rio de Janeiro (3.407), São Gonçalo (246), Duque de Caxias (225), Niterói (223) e Nova Iguaçu (217).

    Aspas da citação
    O Disque Idoso 165 é uma ferramenta essencial para garantir que cada pessoa idosa tenha voz e acesso à proteção. É um serviço que acolhe, orienta e atua na defesa dos direitos
    Alexandre Isquierdo, secretário de Estado de Juventude e Envelhecimento Saudável
    Aspas da citação

    A central funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, e conta com uma equipe composta por profissionais preparados para acolher e direcionar cada caso aos órgãos competentes, garantindo resposta e acompanhamento das situações registradas.

    Como denunciar?

    A Polícia Militar mantém o Programa Patrulha 60+, com equipes especializadas que atuam 24 horas em Copacabana, na capital, e em Icaraí, em Niterói. O serviço oferece acompanhamento, visitas e atendimento emergencial a idosos em situação de risco.

    Entre outubro de 2024 e outubro de 2025, foram realizados os seguintes atendimentos por região: Icaraí (1.602), Centro (44), Ingá (43), São Francisco (34), Santa Rosa (30), Piratininga (29) e Jurujuba (22).

    Os telefones da Patrulha 60+ são: (21) 99182-2072 – Copacabana/Leme; e (21) 97469-4475 – Icaraí. As denúncias também podem ser feitas anonimamente pelo Disque 165 – Disque Idoso.

    A Polícia Civil realiza, ao longo deste mês de outubro, a Operação Virtude, do Ministério da Justiça, que investiga todos os casos registrados nas delegacias.

    Tags

    Ezequiel Manhães

    Ezequiel Manhães

    Redator

    Grupo achados e perdidos do facebook Enfoco Grupo achados e perdidos do facebook Enfoco
    Achados e Perdidos

    Perdeu documentos, objetos ou achou e deseja devolver? Clique aqui e participe do grupo do Enfoco no Facebook. Tá tudo lá!

    Entrar no grupo
    Artigo anterior
    <

    Explosão de caminhão-tanque provoca morte na BR-101

    Relacionados em Polícia