Em janeiro deste ano, Milena da Silva, uma mulher transexual, alegou ter passado por um constrangimento na quadra de uma escola de samba, em Niterói, ao ser vetada de usar o banheiro feminino do espaço. A polêmica envolvendo o uso de sanitários para pessoas transexuais parece estar longe do fim e, a partir deste mês de agosto, o debate pode ficar ainda mais acalorado por conta do projeto de lei, de autoria do vereador Douglas Gomes (PL), que visa ã proibição de mulheres transexuais em banheiros, vestiários e demais espaços femininos em estabelecimentos públicos e privados do município.
O PL, que já foi lido em sessão plenária do ano passado, já recebeu dois pareceres favoráveis e será encaminhado para o plenário. Douglas também é autor de um outro PL que proíbe a instalação e adequação de banheiros unissex em espaços públicos e privados da cidade. O vereador não descarta a possibilidade de unificar as duas propostas.
"Estamos recebendo muitas denúncias de mulheres que se depararam com travestis dentro do banheiro dos shoppings e também de adolescentes de colégios da cidade que não usam os banheiros de suas escolas por falta de segurança. O projeto nasce com objetivo de garantir que as mulheres se sintam seguras e tenham a sua intimidade resguardada", pontua o vereador.
Os dois projetos já possuem pareceres favoráveis da CCJ e já estão aptos a irem para o plenário. Existe a possibilidade de unificação mas por ora caminham de forma separada. Acreditamos que a criação de um terceiro banheiro seja a melhor saída para todos, mas esse banheiro não poderá ser coletivo e sim individual Douglas Gomes, vereador
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Para a primeira parlamentar transexual eleita em Niterói, Benny Briolly (Psol), o projeto trata-se de um "horror humano e político".
"O objetivo é utilizar da fragilidade social dos nossos corpos para fazer política. Alimentar a base eleitoral fascista para movimentar, instrumentalizar o eleitorado, de fato. As eleições estão aí. Não podemos deixar um setor ultra mal intencionado querer usar de trampolim pautas tão importantes, por mero capricho e ambição, mesmo que isso custe a integridade física e emocional de tal população", disse a vereadora.
Benny, que ocupa o cargo de presidente da Comissão dos Direitos Humanos na Câmara, reafirma que a categoria vem lutando por seus direitos há tempos, conquistando garantias legais que não podem ser retiradas.
"O movimento de travesti e transexuais tem como garantia legal a nova carteira de identidade que retira o campo 'sexo' e distinção de 'nome social', ampliando um direito já garantido desde 2016. Tais indivíduos têm a legitimidade de circular livremente a partir daquilo que são: seres humanos. E como tal, merecem respeito, dignidade e um conjunto de políticas públicas para a garantia de tal", reforça.
Projeto de Lei
O PL do vereador Douglas Gomes já recebeu parecer favorável da Comissão Permanente de Constituição e Justiça e Redação Final e da Comissão Permanente de Segurança Pública e Controle Urbano. Como a Câmara segue em recesso, a previsão é de que a votação aconteça somente depois de agosto.
"O projeto de lei, em análise, visa estabelecer maior disciplina e privacidade no uso dessas instalações destinadas ao público feminino, fazendo com que elas se sintam mais à vontade ao usarem tais espaços, preservando-as de qualquer constrangimento devido a presença desses indivíduos indesejados no mesmo recinto", escreveu o vereador Carlos Eduardo Fortes Foly, presidente da Comissão Permanente de Segurança Pública e Controle Urbano, em parecer favorável.
"Estou aberto para dialogar com todos os setores e grupos. Hoje, não existe nenhum tipo de legislação que ampare as mulheres que se sentem incomodadas e vulneráveis com a presença de homens biológicos dentro do mesmo banheiro", finaliza o vereador.
Caso o PL seja aprovado no plenário, Benny afirmou que vai acionar o Ministério Público: "Não há brecha ou falha que permitam tamanha violência e retrocesso", conclui.
O que dizem os especialistas
De acordo com Eder Fernandes, professor da Faculdade de Direito da UFF, e Sara York, pesquisadora em Educação e professora da Uerj, ambos especialistas em gênero e sexualidade, a propositura está em desacordo com as decisões mais recentes do Supremo Tribunal Federal (STF).
"O STF, valendo-se de uma interpretação liberal avançada, já decidiu que, segundo o princípio liberal da autodeterminação identitária, as pessoas podem se identificar com a identidade de gênero que melhor lhe condiz, independentemente do que a sociedade ou, especificamente, a biologia tem definido como identidade de gênero. É questão já resolvida pelo Supremo", analisa Fernandes.
Para os especialistas, é necessário um debate público de qualidade, baseado em argumentos sólidos que visam a causa. Isto porque o parlamentar de Niterói justifica sua proposta ao afirmar que um homem mal intencionado poderia, sob o pretexto de se identificar com um sexo diferente do biológico, entrar em espaços femininos.
"Entendemos que a motivação de fundo é correta (enfrentamento da violência de gênero), mas o foco está equivocado. A suposta situação de um homem heterossexual se passar por uma mulher trans para violentar ou tirar a privacidade das mulheres é uma situação hipotética raríssima de acontecer. E, se acontecer, a culpa não é das mulheres trans, mas sim do machismo da nossa sociedade", destaca Sara York.