Debate
Niterói pode impedir entrada de mulheres trans em espaços femininos
Proposta do vereador Douglas Gomes pode ir à votação em agosto
Em janeiro deste ano, Milena da Silva, uma mulher transexual, alegou ter passado por um constrangimento na quadra de uma escola de samba, em Niterói, ao ser vetada de usar o banheiro feminino do espaço. A polêmica envolvendo o uso de sanitários para pessoas transexuais parece estar longe do fim e, a partir deste mês de agosto, o debate pode ficar ainda mais acalorado por conta do projeto de lei, de autoria do vereador Douglas Gomes (PL), que visa ã proibição de mulheres transexuais em banheiros, vestiários e demais espaços femininos em estabelecimentos públicos e privados do município.
O PL, que já foi lido em sessão plenária do ano passado, já recebeu dois pareceres favoráveis e será encaminhado para o plenário. Douglas também é autor de um outro PL que proíbe a instalação e adequação de banheiros unissex em espaços públicos e privados da cidade. O vereador não descarta a possibilidade de unificar as duas propostas.
Como a Câmara segue em recesso, a previsão é de que a votação aconteça somente depois de agosto.
"Estamos recebendo muitas denúncias de mulheres que se depararam com travestis dentro do banheiro dos shoppings e também de adolescentes de colégios da cidade que não usam os banheiros de suas escolas por falta de segurança. O projeto nasce com objetivo de garantir que as mulheres se sintam seguras e tenham a sua intimidade resguardada", pontua o vereador.
Os dois projetos já possuem pareceres favoráveis da CCJ e já estão aptos a irem para o plenário. Existe a possibilidade de unificação mas por ora caminham de forma separada. Acreditamos que a criação de um terceiro banheiro seja a melhor saída para todos, mas esse banheiro não poderá ser coletivo e sim individual
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Para a primeira parlamentar transexual eleita em Niterói, Benny Briolly (Psol), o projeto trata-se de um "horror humano e político".
"O objetivo é utilizar da fragilidade social dos nossos corpos para fazer política. Alimentar a base eleitoral fascista para movimentar, instrumentalizar o eleitorado, de fato. As eleições estão aí. Não podemos deixar um setor ultra mal intencionado querer usar de trampolim pautas tão importantes, por mero capricho e ambição, mesmo que isso custe a integridade física e emocional de tal população", disse a vereadora.
Benny, que ocupa o cargo de presidente da Comissão dos Direitos Humanos na Câmara, reafirma que a categoria vem lutando por seus direitos há tempos, conquistando garantias legais que não podem ser retiradas.
"O movimento de travesti e transexuais tem como garantia legal a nova carteira de identidade que retira o campo 'sexo' e distinção de 'nome social', ampliando um direito já garantido desde 2016. Tais indivíduos têm a legitimidade de circular livremente a partir daquilo que são: seres humanos. E como tal, merecem respeito, dignidade e um conjunto de políticas públicas para a garantia de tal", reforça.
Projeto de Lei
O PL do vereador Douglas Gomes já recebeu parecer favorável da Comissão Permanente de Constituição e Justiça e Redação Final e da Comissão Permanente de Segurança Pública e Controle Urbano. Como a Câmara segue em recesso, a previsão é de que a votação aconteça somente depois de agosto.
"O projeto de lei, em análise, visa estabelecer maior disciplina e privacidade no uso dessas instalações destinadas ao público feminino, fazendo com que elas se sintam mais à vontade ao usarem tais espaços, preservando-as de qualquer constrangimento devido a presença desses indivíduos indesejados no mesmo recinto", escreveu o vereador Carlos Eduardo Fortes Foly, presidente da Comissão Permanente de Segurança Pública e Controle Urbano, em parecer favorável.
"Estou aberto para dialogar com todos os setores e grupos. Hoje, não existe nenhum tipo de legislação que ampare as mulheres que se sentem incomodadas e vulneráveis com a presença de homens biológicos dentro do mesmo banheiro", finaliza o vereador.
Caso o PL seja aprovado no plenário, Benny afirmou que vai acionar o Ministério Público: "Não há brecha ou falha que permitam tamanha violência e retrocesso", conclui.
O que dizem os especialistas
De acordo com Eder Fernandes, professor da Faculdade de Direito da UFF, e Sara York, pesquisadora em Educação e professora da Uerj, ambos especialistas em gênero e sexualidade, a propositura está em desacordo com as decisões mais recentes do Supremo Tribunal Federal (STF).
"O STF, valendo-se de uma interpretação liberal avançada, já decidiu que, segundo o princípio liberal da autodeterminação identitária, as pessoas podem se identificar com a identidade de gênero que melhor lhe condiz, independentemente do que a sociedade ou, especificamente, a biologia tem definido como identidade de gênero. É questão já resolvida pelo Supremo", analisa Fernandes.
Para os especialistas, é necessário um debate público de qualidade, baseado em argumentos sólidos que visam a causa. Isto porque o parlamentar de Niterói justifica sua proposta ao afirmar que um homem mal intencionado poderia, sob o pretexto de se identificar com um sexo diferente do biológico, entrar em espaços femininos.
"Entendemos que a motivação de fundo é correta (enfrentamento da violência de gênero), mas o foco está equivocado. A suposta situação de um homem heterossexual se passar por uma mulher trans para violentar ou tirar a privacidade das mulheres é uma situação hipotética raríssima de acontecer. E, se acontecer, a culpa não é das mulheres trans, mas sim do machismo da nossa sociedade", destaca Sara York.
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