Constituição
Pedida em ato, intervenção federal já foi implementada duas vezes
Especialista explica em quais circunstâncias cabe
Atos antidemocráticos realizados por apoiadores radicais de Jair Bolsonaro (PL), após derrota contra o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no último domingo (30), pedem, em sua maioria, uma intervenção federal. Em vídeos que circulam na internet, bolsonaristas justificam a medida utilizando o artigo 34 da Constituição, mas no contexto em que os manifestantes defendem, o artigo não ampara uma intervenção federal no país. A medida, no entanto, foi instaurada duas vezes desde a redemocratização no Brasil.
Luis Renato Ribeiro, mestre em Direito Constitucional e professor de Direito Constitucional e Eleitoral, explica que a intervenção é um instrumento pontual de afastamento, pela União, da autonomia política de um estado.
O constitucionalista acrescenta também que no cenário de insatisfação com resultado das eleições, ela não seria aplicável.
Segundo especialistas, Forças Armadas atuam a favor da democracia, e não contra elas
Qualquer tentativa de emprego das Forças Armadas contra os Poderes do Estado, notadamente nesse contexto em que estamos observando, de insatisfação de parcela da população com o resultado das eleições, não está amparada pela Constituição
Intervenção
A intervenção federal está estabelecida pelo artigo 34 da Constituição de 1988, e determina em quais casos o Governo Federal pode intervir nas competências de um estado ou do Distrito Federal. O decreto cabe ao presidente da República e da aprovação do Congresso Nacional. Em sete situações excepcionais é autorizada a intervenção, sendo elas:
- Coibir grave comprometimento da ordem pública;
- Manter a integridade nacional;
- Repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
- Garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nos estados;
- Reorganizar as finanças nos estados em algumas hipóteses;
- Garantir o cumprimento de lei federal, ordem ou decisão judicial;
- Assegurar a observância de princípios constitucionais sensíveis.
Roraima e Rio
Desde a redemocratização, a intervenção só foi decretada duas vezes - no estado de Roraima e Rio de Janeiro, durante o mandato de Michel Temer, em 2018. No estado carioca, a intervenção foi parcial e atingiu somente a área de segurança pública. A medida foi a pedido do então governador Luiz Fernando Pezão, visando a reduzir os índices de mortes, de criminalidade e o agravamento da crise econômica e política, e durou de fevereiro a dezembro daquele ano.
Vale lembrar que uma intervenção federal na área de segurança não privilegia a presença de tropas nas ruas, servindo apenas como intervenção gerencial e administrativa, e não militar.
Segundo dados do Observatório Legislativo da Intervenção Federal na Segurança pública do Rio, os quase 11 meses em que a medida ficou em vigor foram positivos para a maior parte dos moradores. Uma pesquisa do Datafolha mostrou que 72% dos moradores do estado se declararam a favor da continuidade da medida para além de seu prazo final. Dentre os entrevistados, 21% foram contrários à prorrogação, 4% não sabiam e 3% eram indiferentes.
Em Roraima, a intervenção foi integral, em virtude da crise na segurança pública e penitenciária, e durou menos de um mês, de 8 a 31 de dezembro.
Intervenção militar é anticonstitucional
Alguns grupos bolsonaristas distribuem materiais defendendo uma intervenção militar usando o artigo 142 de forma precipitada, que versa sobre o papel das Forças Armadas, de acordo com especialistas no tema.
Segundo Leandro Frota, mestre em ciência política e advogado pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio, não há hipótese de intervenção militar na Constituição.
A nossa Constituição proíbe intervenções militares, ela proíbe ditaduras, nós vivemos numa democracia. Então não existe hipótese de você substituir um modelo de democracia por uma ditadura, seja ela militar ou civil. O papel dos militares não é o papel de governo, de assumir governos, e a Constituição também proíbe intervenções, trocas de governantes eleitos pelo voto por militares ou civis
O advogado ainda lembra que a manifestação de ideias é um direito do cidadão. O que não se pode, no entanto, é utilizar delas para reivindicar uma intervenção militar, por exemplo.
"As manifestações são sempre bem-vindas, fazem parte da democracia, isso não tem problema, mas o que tem problema é quando as manifestações são utilizadas pelo espírito da violência, como propagação de ódio, racismo, ou para pedido de intervenção militar, que é proibido. Então, a Constituição não recepciona a troca de democracia por ditadura", explica o cientista político.
Os militares só podem atuar por iniciativa de um dos três Poderes no estado de sítio ou no estado de defesa que autorizam, por um período determinado, limitações ao direito de ir e vir e outras restrições. Neste sentido, o professor Luis Renato Ribeiro acrescenta: "As Forças Armadas atuam para a defesa do Estado e das instituições democráticas, não contra elas".
Perdeu documentos, objetos ou achou e deseja devolver? Clique aqui e participe do grupo do Enfoco no Facebook. Tá tudo lá!