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Brasil em tempo de guerra e paz

Picture shows: (L-R) Pierre Bezukhov (PAUL DANO),  Natasha Rostov (LILY JAMES) and Prince Andrei (JAMES NORTON)
Picture shows: (L-R) Pierre Bezukhov (PAUL DANO), Natasha Rostov (LILY JAMES) and Prince Andrei (JAMES NORTON) |  Foto: Mitch Jenkins
Dinastias que viviam na Rússia no período da História em que a novela se passa sofreram diretamente os efeitos da chegada do exército do general às suas paragens. Arte: Divulgação

Assisti,de um fôlego só, à série da BBC, homônima do livro de Tolstói, intitulada Guerra e Paz. Confesso que nunca tive coragem de encarar os volumes da novela do escritor, ambientada na Rússia, entre os anos de 1805 e 1820. Isso porque a obra original tem mais de 1500 páginas, uma centena de personagens e vários volumes.

A belíssima série, contendo oito episódios, trata das vidas de cinco famílias da aristocracia russa, as quais dividem-se entre Moscou e São Petersburgo, e do que se sucede em suas vidas, com a chegada de Napoleão e, consequentemente, da guerra, aos portões de suas mansões.

Napoleão foi um general francês, que ganhou projeção com a Revolução Francesa, e, como todos os governantes totalitários, teve seu prestígio e sua força inflados pelo caos que reinava em sua época, na Europa, durante aqueles tempos dominados por guerra, morte e miséria.

A decapitação dos nobres, com a chegada da guilhotina e a fuga em massa dos que sobreviveram para outras nações (inclusive da família real portuguesa para o Brasil), ante à ameaça que Napoleão representava, mudou a geografia da Europa, bem como suas monarquias. Afinal, ser absolutista tornou-se uma sentença de morte, após os desdobramentos na França.

Dentro desse contexto, as dinastias que viviam na Rússia no período da História em que a novela se passa sofreram diretamente os efeitos da chegada do exército do general às suas paragens. Os personagens passam por profundas transformações, ao longo de 15 anos, e isso é o que há de mais belo na obra de Tolstói.

Da mais pura inocência ao sofrimento profundo, da alegria às lágrimas, da soberba à miséria, da frivolidade à maturidade, as figuras descritas no romance poderiam ser, perfeitamente, qualquer um de nós, tamanha a veracidade da narrativa, face à dualidade das almas captada pelo autor.

A guerra e a paz, ali, não se desenrolam apenas no território russo, mas dentro de cada um daqueles personagens que desfila na tela. Amadurecer, mudar conceitos, encarar a vida de frente, lidar com a dor, a perda e o sofrimento, ajudar o próximo, amar e perdoar, despir-se das vaidades, tudo isso está disposto na obra, com maestria e sinceridade.

É sabido que uma das famílias da novela é inspirada na própria família de Tolstói. Fica nítida, também, a percepção do autor acerca da sociedade de sua época, repleta de interesses escusos, falsidades e futilidades, apartada da realidade por favores e benefícios que a nobreza recebia.

Embora nascido somente em 1828, e falecido em 1910, por meio de parentes e de relatos do período, o escritor, um dos maiores de todos os tempos, fez um raio-x acurado da aristocracia russa do início do século XIX, e das virtudes e vícios que a compunham.

Entretanto, os horrores da guerra tocam fundo nos personagens, que vão claramente modificando-se, evoluindo e transformando suas histórias pessoais, por meio de novas escolhas e atitudes.

Talvez por isso a minissérie tenha me tocado tanto. Por demonstrar de modo eficaz o quanto evoluir é preciso, a fim de que possamos realizar nossos propósitos de vida. Se não estivéssemos aqui com esse objetivo, qual seria a razão de nossa existência?

A vida nos apresenta situações das mais diversas, diante das quais precisamos decidir. Tomamos 35 mil decisões por dia, e a forma como ordenamos nossas escolhas e direcionamos o nosso caminho é fundamental para que possamos ter uma boa vida.

A guerra é um acontecimento presente em quase todas as culturas e povos. Esta tem o poder de, tamanhas sua brutalidade e consequências, alterar os espectros das vidas e das trajetórias de quem quer que seja atingido por seus efeitos, deixando marcas profundas.

É na capacidade de superação do ser humano que Leon Tolstói aposta, descrevendo personagens de início fúteis e vazios, inocentes e egoístas, para depois dar-lhes profundidade e força, coragem e generosidade.

Guerra e Paz é um tratado histórico, filosófico e literário, por sua densidade e seu rico conteúdo, remetendo-nos a uma época em que a honra e a dignidade podiam ser resgatadas pelos homens de bem.

Por aqui, não somos reféns de guerras. O Brasil é um país pacífico, de terra fértil e clima ameno. As vicissitudes às quais muitos povos foram submetidos, não nos atingiram. Em decorrência disso, somos passivos, um pouco lenientes, acomodados e crédulos demais. Somos fracos? Não sei responder a essa pergunta. Não fomos testados em nossa resistência, a fim de podermos demonstrar nossa força.

Resta-nos refletir acerca de uma frase de Tolstói, a qual resume bem seu pensamento e a trajetória dos personagens de seus livros: “A sabedoria com as coisas da vida não consiste, ao que me parece, em saber o que é preciso fazer, mas em saber o que é preciso fazer antes e o que fazer depois”.

Precisamos descobrir as coisas que devemos fazer, as que já passaram da hora de fazermos, e as que não podemos permitir que sejam feitas, por nós ou por terceiros. Em nossa vida privada ou pública, saber essas respostas é fundamental.

Vivemos uma guerra espiritual profunda. Precisamos evoluir, avançar e combater o mal.

“O mal não pode vencer o mal. Só o bem pode fazê-lo”

Leon Tolstói

A niteroiense Erika da Rocha Figueiredo é escritora, promotora de Justiça Criminal, Mestre em Ciências Penais e Criminologia pela UCAM, membro da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais e do MP Pro Sociedade, e aluna do Seminário de Filosofia e da Academia da Inteligência.

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