Série
Castelos de Areia
Produção é exibida pela Apple TV
Adam e Rebekah Newmann formam um casal excêntrico. Ele, um judeu israelense criado em um kibutz, ela uma judia americana de família proeminente e com pretensões de ser artista, conhecem-se por acaso, em uma festa, decidem se casar e “mudar o mundo”, “elevar a consciência do planeta”, “manifestar o que estão predestinados a fazer” e outras bizarrices mais.
Dessas idéias, nasceu a We Work, empresa que chegou a valer 47 bilhões de dólares, mas foi quase à falência, em virtude da má gestão promovida por Adam, da falta de consistência, da intervenção constante de Rebekah (que entende zero de negócios, e é uma espécie de guru do pensamento positivo) e da realidade paralela criada pelo casal.
O que me chamou a atenção, na série de oito episódios, estrelada por Jared Leto (Adam) e Anne Hathaway ( Rebekah) e exibida pela Apple TV, foi justamente o universo particular criado pela dupla, que beira a insanidade, e quase leva para o abismo a empresa, seus funcionários e investidores.
Eu explico: embora a empresa não possua objetivos claros, Adam repete o mantra de que estão salvando o planeta, por meio de uma consciência coletiva da equipe. Essa consiste, em suma, no seguinte: salários baixíssimos para todos, mas com uma participação por meio de cotas de ações, que serão futuramente resgatadas e deixarão os funcionários milionários; “raves” de 72 horas de duração, na fazenda da família de Rebekah, regadas a sexo, drogas e rock and roll, com a presença de todos; espaço de trabalho compartilhado, onde rola promiscuidade, com sexo livre, bebida e festas.
Com base nesse tripé, Adam faz com que todos se sintam parte de um “projeto revolucionário”, ainda que sem propósitos claros, buscando o prazer e a diversão diariamente, com foco no enriquecimento pessoal. Ele tem êxito porque atinge um ponto chave: esse é o comportamento de muita gente nova... e por isso a We Work cresceu e ganhou espaço, recrutando jovens para trabalhar, ganhando uns trocados, mas com muitas promessas hedonistas e de prosperidade.
Curioso é que, a despeito disso, Adam e Rebekah estão a cada dia mais ricos, gastando mais dinheiro, comprando propriedades ao redor do mundo, fazendo filhos, voando em jato particular e vivendo como se não houvesse amanhã. E realmente, não há. A essa altura, a We Work está perto de quebrar, e pipocam na imprensa reportagens sobre as excentricidades do casal, a falta de um projeto consistente para a empresa e o castelo de areia que esta , de fato, é.
Um episódio curiosíssimo é a criação, por Rebekah, de uma “escola”, que ela chama de We Grow. Nesta, ela abolirá o estudo convencional, criando uma capacidade de “adaptabilidade e resiliência” para as crianças. Uma escola sem projeto definido, sem diretrizes, sem compromisso formal com o ensino, amparada tão somente na vaidade de sua fundadora, na sua falsa percepção da realidade e nas suas “experiências de vida”.
Assim como os protagonistas, há muitas outras pessoas que pensam assim. Consideram-se ungidas por Deus, especiais, únicas, diferenciadas. Acreditam que possuem um propósito mais elevado do que os demais mortais, e que suas palavras devem ter eco, que devem ser tratadas de forma exclusiva, ter acesso a coisas que os outros não podem e, principalmente, que podem mudar o mundo.
O perigo da modernidade reside nisso: por ausência total de valores e virtudes morais, as pessoas passam a viver dentro de suas próprias ilusões e pensamentos, esquecendo-se de que há algo maior que nos rege, e que existem história, tradição, cultura, conhecimento e ensinamentos ancestrais, os quais devem nortear as nossas escolhas.
A megalomania dos dias de hoje, entretanto, gera um desprezo total por tudo que nos precedeu, e que nos aponta um caminho seguro e adequado a seguir. Inovação, criatividade, atitude... tudo isso é bem vindo, mas não se pode reconstruir o mundo à própria maneira, esquecendo-se de que houve gigantes que nos carregaram nos ombros, para que chegássemos até aqui.
Houve sangue, suor e lágrimas derramados. Houve guerras e batalhas travadas. Houve uma aquisição lenta e contínua de conhecimento. Sobretudo, existiram pessoas corajosas e honradas, que trouxeram à luz tudo que foi incorporado à Humanidade. Foi preciso trabalhar duro para isso.
Os fundadores da We Work incorreram no grave erro de todos aqueles que têm a pretensão de serem únicos e insubstituíveis: esqueceram-se de combinar isso com o restante dos habitantes do planeta. Porque o que não tem consistência, uma hora é revelado. Os que não tem conteúdo ou recheio, em algum momento perdem a capacidade de influência e liderança.
Por mais que estejamos vivendo uma crise moral sem precedentes, e que pipoquem narrativas e mentiras por todos os lados, ainda há pessoas com plena noção da realidade, e seus valores falarão mais alto, e estas serão, em algum momento, ouvidas. Essa é a roda do mundo, que nunca para de girar.
Normalmente, em momentos disruptivos como o que vivemos, em que o errado foi elevado à categoria de certo, e o verdadeiro tem sido engolido pelo que é falso, o bem pelo mal, podemos nos perguntar aonde isso tudo vai dar. Confesso que não tenho essa resposta. É preciso abandonar as fantasias infantis p enxergar o que nos cega .
Mas como sei que a História é cíclica, e que a Civilização sempre se levanta, após um período de trevas e escuridão, posso apostar que o despertar está começando, embora seja lento. Talvez eu sequer testemunhe as mudanças que vêm por aí. Mas as gerações dos meus filhos, netos e bisnetos, quem sabe, poderão perceber que o mundo acordou e passa bem.
Não vou contar o fim da série, para que todos vocês possam assisti-la e constatar as loucuras perpetradas por Adam e Rebekah. Mas, posso afirmar, sem sombra de dúvida, que não há mal que dure para sempre. Oremos para que esse dia chegue logo, e que os discursos das “minorias”, bem como a ilusão de que as coisas podem ser conquistadas pela força do pensamento e nada mais, estejam com seus dias contados.
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