Justiça

Juízes do terceiro Reich: um alerta sobre o papel do judiciário

Erika Figueiredo faz uma reflexão sobre o papel do juíz

A imparcialidade e a independência funcional são características intrínsecas à função de julgador
A imparcialidade e a independência funcional são características intrínsecas à função de julgador |  Foto: Arte / Divulgação
 

Os recentes acontecimentos envolvendo o STF, as decisões bombásticas de alguns ministros, e o total descompromisso da corte com a Constituição Federal e o Código de Processo Penal, nos episódios recentes da prisão de Daniel Silveira, da anulação dos atos decisórios dos processos em que o ex-presidente Lula foi condenado e da suspeição do ex-juiz Sergio Moro, lembraram-me dos juízes alemães, na época em que o Partido Nacional Socialista dominou a Alemanha.

Quando Hitler chegou ao poder, de forma meteórica, sem que possuísse histórico na vida pública, foi com base em uma imagem, por ele construída, de Salvador da Pátria, em virtude das promessas que fez à população, de um país forte, rico e produtivo outra vez, deixando para trás as duas décadas anteriores, que haviam sido de guerra, fome, miséria e caos.

Acontece que, para que pudesse cumprir o que prometia, colocou em prática um plano perverso e genocida, com perseguição, prisão e morte de todos os seus opositores, a exemplo do que já fizera Stalin, na Rússia. Como as normas e decretos baixados, pelo novo governo, eram frontalmente contrárias ao bom senso e aos direitos individuais, não faltaram vozes dissidentes a se levantar.

Banalização do mal

O regime de terror contou com um episódio muito marcante, em 30 de junho de 1934, naquela que ficou conhecida como a Noite das Facas Longas (Nacht der Langen Messer). Nesta, a mando de Adolf Hitler, foram mortos ao menos 85 opositores políticos do governo e conservadores influentes, e presas milhares de outras pessoas, extrajudicialmente, ou seja: sem o devido processo legal.

E os juízes alemães, o que fizeram? Com uma atitude de “banalização do mal” (expressão cunhada por Hannah Arendt, para definir a inércia e o distanciamento dos alemães, perante os horrores testemunhados no governo de Hitler), os magistrados, em sua imensa maioria, acataram a postura do novo governo. Os poucos que ousaram insurgir-se contra o que acontecia a olhos vistos, foram destituídos de seus cargos, perseguidos e presos. O silêncio e o medo imperavam.

Logo os julgamentos sumários tornaram-se corriqueiros na Alemanha nazista, e a justificativa para sua realização foi a de que, em tempos de guerra, mortes acontecem, e medidas drásticas precisam ser tomadas. Este era o preço a ser pago, para que o país se tornasse grande outra vez. Judeus, doentes mentais, negros e ciganos, passaram a integrar um coeficiente da população que precisava ser eliminado. Eles contaminavam a raça ariana e representavam o mal da Humanidade.

Os “juízes do Terceiro Reich” diziam-se impotentes contra o sistema, sob pena de perseguição. Uma corte especial denominada “Tribunal do Povo” (Volksgerichtshof -VGH) foi criada, em 1934, permanecendo ativa até 1945, para julgar crimes políticos de alta traição e atentados à Segurança Nacional, praticados pela resistência alemã. Tornou-se célebre pelas mais de 5000 sentenças de morte prolatadas, sob a presidência do juiz Roland Freisler. Era a imparcialidade cedendo lugar à militância nazista, e a independência dos julgadores sendo escorraçada do judiciário: todos faziam o que Hitler determinava.

A partir de 1933, quando Hitler chegou ao poder, fechando as Secretarias Estaduais de Justiça, perseguindo juízes de origem judaica e funcionários do judiciário, e instituindo o cargo de Comissário do Reich para a submissão da justiça nos estados e a renovação da ordem de direito, exercido pelo advogado Hans Frank, a transformação da justiça liberal e soberana da República de Weimar, em um instrumento de poder nas mãos do Reich, se iniciou.

Tempos sombrios

Os juízes da Alemanha quebraram os juramentos que haviam feito, para livrar a própria pele, em tempos sombrios. Saudavam o Fuhrer, enquanto se esqueciam da justiça dos homens. Adoravam ao diabo, esquecendo-se de Deus. O triste fim da História, todos nós conhecemos. Mais de seis milhões de pessoas assassinadas, entre 1933 e 1945, na Alemanha e nos demais países sob o domínio do regime nazista.

A imparcialidade e a independência funcional são características intrínsecas à função de julgador. Caso um juiz não se sinta capaz de agir com o devido distanciamento das partes que lhe é exigido, deve abandonar a causa, dando-se por suspeito, e outro magistrado analisará o caso. Essa é a isenção necessária ao exercício do cargo.

Justiça e política não podem e não devem se misturar. Há um jogo de poder inerente ao exercício da política, que contraria os princípios basilares do exercício da função julgadora, sob pena de ferir-se a imparcialidade. Do mesmo modo, se o magistrado toma atitudes tendenciosas, acata pedidos, faz promessas ou referenda decisões nas quais não acredita, ele deixa de agir com independência, maculando sua capacidade julgadora.

Todas as vezes que a política influenciou e contaminou a justiça, o povo perdeu direitos e teve suas liberdades limitadas. Basta olharmos para a História da Civilização. Temos muito a aprender com os exemplos do passado.

Uma nação que subordina suas decisões políticas a advogados de togas, não eleitos pelo povo, não merece o nome de democracia" ,
 

“Os juízes são só servidores da lei e não têm poder para fazê-las ou interpretá-las”.

Frases de Antonin Scalia , Juiz da Suprema Corte Americana, falecido em 2006, falando da própria estrutura da Corte que integrava e dos limites de interpretação da lei, pelos magistrados.

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

A niteroiense Erika Rocha Figueiredo é escritora, professora e promotora de justiça

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