Reflexão

O que falta ao brasileiro é vontade

Para testá-la, é preciso conhecer nossos desejos

O desejo é algo que nos impulsiona
O desejo é algo que nos impulsiona |  Foto: Divulgação/Pixabay

O presente artigo é baseado na aula 16, do curso de ASTROCARACTEROLOGIA, ministrado em 1990, pelo professor Olavo de Carvalho. Ao fazer a afirmação do título, corro o risco de levantar a ira de muitos, receber críticas de outros tantos, e a aprovação de alguns. 

Mas, o que eu quero dizer com isso? Bem, primeiramente, é preciso dizer que VONTADE E DESEJO são coisas diferentes, assim como ENTENDER e APRENDER. O desejo é algo que nos impulsiona, nos impele. Desejamos o que é bom, gostoso, belo, agradável. Somos impelidos a buscar a satisfação, e essa vem dos nossos desejos. 

Acontece que desejo distingue-se frontalmente de vontade. Vontade é uma força de permanência, é a constância de um querer, uma característica mental que nos faz desejar de modo fixo e que se protrai no tempo, aquilo que estamos empenhados em conquistar. Desse modo, a vontade não pode ser composta de desejos instantâneos e prazerosos, simplesmente porque estes não perduram e esgotam-se em si mesmos. 

Se hoje eu desejo uma roupa que vi em uma vitrine, ou uma pessoa que passou por mim na rua, isso pode não perdurar até o dia de amanhã, ou mesmo pela próxima meia hora. Para que um desejo se transforme em uma vontade firme e constante, ele precisa durar, transformar-se em um objetivo. 

Digo, inclusive, que para que testemos nossa força de vontade, precisamos conhecer o que desejamos. Caso o desejo se mantenha, após conhecermos mais sobre o objeto do nosso desejo, então poderemos falar em vontade. Santo Tomás de Aquino, não à toa, dizia que só podemos amar as coisas que conhecemos. E é exatamente isso. A prudência na análise de nossos desejos é fundamental, para que não sejamos pessoas frívolas e inconstantes. 

Mas falei, também, de entender e aprender. Ora, isso é imprescindível, para que compreendamos o funcionamento do brasileiro, em relação a seus desejos e às “certezas absolutas” que cria sobre tudo, mesmo que saiba pouquíssimo, sobre o assunto em pauta. 

Entender não é um ato de inteligência. Podemos entender muitas coisas, mas apenas o conteúdo que assimilamos, transforma-se em aprendizado, impactando a nossa inteligência. Apenas aquilo que apreendemos, com o objetivo de nos transformarmos, por meio daquele conhecimento, pode ser considerado um conteúdo assimilado. 

Ocorre que o brasileiro, desde a escola até a vida adulta, conhece de tudo muito superficialmente. Não se detém no que importa, não aprende o que faz sentido, mas repete, sem analisar, o que lê, escuta, vê ou “pesca no ar”. 

Por conta desse modus operandi nacional, vemos pessoas que tiveram acesso a muita cultura e informação, mas pouco usufruíram de seu conteúdo. Não refletiram sobre o que entenderam, não aprenderam. Não foram capazes de separar o conhecimento por ordem de prioridade, de selecionar o que era importante. 

Temos, portanto, uma massa imensa de analfabetos funcionais vagando por aí, os quais, ao longo da vida, apenas repetem o que ouviram, opinam sobre o que não refletiram, e pior, impactam outras pessoas, num circulo bestial de desinformação e desinteligência, em que o nosso povo se encontra inserido.

Por essa razão, conseguir fazer uma reflexão sobre a VONTADE  - e aonde esta pode nos levar, caso tenhamos um esforço sincero , em aprender coisas que realmente importam - e buscar a verdade, que é o caminho necessário a todo intelectual, pode ter uma influência real, sobre quem somos, o que estudamos, o que aprendemos e o que transformamos, com nossa atitude e nosso conhecimento. 

Eu estudei muitas coisas inúteis, ao longo da vida. Mergulhei em livros, apostilas e aulas de direito, focando minha atenção nos pontos de vista dos autores que eram incensados pelos examinadores, para ser aprovada no concurso para Promotor de Justiça. Muito do que eu li, anotei, escrevi e decorei, eu esqueci. 

Posteriormente, dei aulas de direito penal e processual penal, em cursinhos e faculdades. Mais uma vez, ative-me ao conteúdo necessário aos alunos, para passarem em provas e concursos, deixando de conduzi-los a uma análise mais profunda dos temas abordados. 

Apenas fui buscar a verdade, aprofundar-me no saber e compreender o que importava, realmente, para mim e para o mundo ao meu redor, a partir do ano de 2016, quando passei a integrar a Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais, do professor Edilson Mougenot Bonfim, em São Paulo. 

Ali, descobri-me praticamente uma analfabeta funcional, um papagaio, que repetia o que estudava, o que lia, sem fazer juízo de valor sobre tudo que entrava em minha mente. E olhem, eu já era Promotora de Jusitça há 19 anos, quando percebi isso...

A partir dali, o portal do conhecimento abriu-se, definitivamente, para mim. A cereja do bolo foi ir à Virgínia, fazer um curso com o Professor Olavo. Ali, a expansão da minha consciência se efetivou, e conduzo a minha vida, desde então, com foco em tornar-me mais sábia, encontrar a verdade, buscar a elevação moral e espiritual.

Pôr em prática essa força de vontade, repele muitos dos nossos desejos. Porque nem tudo que é belo, gostoso e bom, prazeroso e gratificante, é honesto, verdadeiro e virtuoso. Logo, é necessário compreender a diferença, mantendo-se afastado de tudo aquilo que te afasta, também,  da verdade.

 Isso é algo muito difícil e penoso, no mundo moderno, pois as pessoas guiam-se, o tempo todo, pelos desejos mais primários, quase nunca exercitando essa força de vontade, de buscar o que é permanente, duradouro e consequentemente, trabalhoso, já que tudo que perdura, exige esforço, e ninguém está querendo perder tempo.

Para o brasileiro, que não se aprofunda e não aprende muito do que estuda, esse processo é ainda mais complexo. Afinal, ter opinião sobre tudo, baseado em meras impressões e suposições, faz com que cada indivíduo crie uma verdade absoluta, dentro de si, que não corresponde, na maioria esmagadora das vezes, à realidade. 

Isso tem impacto profundo sobre as relações pessoais, a cena política, os arranjos sociais, as estruturas da comunidade, como um todo, de forma nefasta e viciosa, à medida que  cada um é uma ilha de convicções próprias, gravitando em torno de si mesmo. Transporte isso para o Judiciário, o Executivo, o Legislativo, a Igreja, e veja a tragédia que pode ocorrer, e que já vem se desenrolando, em nosso país. 

Dito tudo isso, posso afirmar que o caminho para a evolução, seja pessoal ou de uma sociedade, é o autoconhecimento, seguido do conhecimento (ininteligência) do mundo ao nosso redor, buscando a verdade real – acreditem, ela existe! – e combinando-a com valores sólidos e uma vontade firme e constante.  

É possível? SIM. Mas dá trabalho, não é doce nem prazeroso, e requer autodomínio e equilíbrio, além do exercício constante das virtudes cardeais da prudência, da temperança, da justiça e da fortaleza. Separar o joio do trigo não é tarefa fácil. Entretanto, o resultado é absolutamente transformador! 

Boa sorte a todos nós, e que saibamos diferenciar o que é essencial do que é momentâneo e agradável aos sentidos, mas absolutamente impermanente.

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

A niteroiense Erika Rocha Figueiredo é escritora, professora e promotora de justiça

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