Medo
Saiba quais são os bairros mais violentos de São Gonçalo
ENFOCO mapeia casos e mostra ranking assustador

O estudante de Técnica de Enfermagem, Welber Pinheiro da Silva, de 22 anos, trabalhava em barraca de doces no bairro Anaia, em São Gonçalo, no dia 28 de maio, quando foi atingido por uma bala perdida na perna esquerda durante um tiroteio. Longe de ser um caso isolado, o ENFOCO contabilizou, a partir de reportagens publicadas, 12 casos semelhantes na cidade, de janeiro a junho deste ano, ou seja, uma média de duas pessoas atingidas por disparos em via pública. Quatro morreram.
Outro dado assustador é que outros homens, mulheres, adultos, idosos e até crianças poderiam ter sido alvo da violência urbana na cidade. Isto porque, segundo a plataforma Fogo Cruzado, houve um total de 78 tiroteios (resultado de confrontos entre PM e criminosos e entre criminosos por disputa territorial) com total de 20 mortos e 44 feridos, no primeiro semestre em São Gonçalo. Janeiro foi o mês que registrou o maior número de tiroteios: 20 e maio, o menor (oito).
Ainda de acordo com a plataforma, os bairros campeões desta triste realidade durante os seis primeiros meses do ano foram: Jardim Catarina (11 tiroteios, com dois mortos e cinco feridos), Jardim Bom Retiro (sete tiroteios e seis feridos) e Salgueiro (seis tiroteios e dois feridos). Não coincidentemente, foram as mesmas localidades das reportagens de vítimas de balas perdidas publicadas pelo ENFOCO (veja lista dos casos abaixo).
Cada Região Metropolitana onde o Fogo Cruzado atua conta com uma equipe responsável por monitorar, diariamente, casos de tiroteios através de fontes da plataforma. As informações são coletadas através de usuários (aplicativo e redes sociais), imprensa e informações públicas dos órgãos de Segurança.
Ranking de tiroteios por bairro
Além do Jardim Catarina, Jardim Bom Retiro e Salgueiro, outros 37 bairros de São Gonçalo registraram tiroteios de janeiro a junho deste ano, o que representa mais de 30% do território do município afetado pela violência urbana.
Segue abaixo ranking divulgado pelo Fogo Cruzado, com número também de mortos e feridos nos bairros.
Jardim Catarina: 11 tiroteios, 2 mortos e 5 feridos
Jardim Bom Retiro: 7 tiroteios e 6 feridos
Salgueiro: 6 tiroteios e 2 feridos
Jockey: 4 tiroteios, 1 morto e 4 feridos
Mutuá, Santa Catarina, Santa Izabel, Trindade e Santa Luzia: 3 tiroteios em cada e 1 ferido nos dois primeiros e 2 nos dois seguintes e 3 feridos no último
Centro: 2 tiroteios, 1 morto e 2 feridos
Vista Alegre, Morro do Castro e Almerinda: 2 tiroteios, 1 morto e 1 ferido em cada
Pita I: 2 tiroteios e 1 ferido
Apollo III: 1 tiroteio e 4 mortos
Rio do Ouro: 1 tiroteio e 2 mortos
Boaçu: 1 tiroteio, 2 mortos e 1 ferido
Jardim Nova República e Marambaia, Pita II e Zé Garoto: 1 tiroteio e 1 morto em cada
Porto do Rosa: 1 tiroteio, 1 morto e 1 ferido
Arsenal, Camarão, Amendoeira, Engenho do Roçado e Barro Vermelho, Novo México, Pacheco e Zumbi: 1 tiroteio e 1 ferido em cada
Coelho: 1 tiroteio e 2 feridos
Anaia Pequeno, Engenho Pequeno, Guaxindiba, Itaúna, Jardim Alcântara, Luiz Caçador, Mutuapira, Sacramento e Patronato: 1 tiroteio em cada
Críticas à política pública dos confrontos
O professor de Sociologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ, José Cláudio Alves, critica duramente a política de operações policiais em comunidades carentes. Segundo ele, elas só aumentam a letalidade, causam sofrimento e não resolvem o problema da criminalidade.
"A repressão, vista como uma guerra, fortalece o crime organizado, eleva o preço das drogas e alimenta a violência, além de prejudicar o acesso a serviços básicos. A justificativa para essa política é a busca por visibilidade política e eleitoral, baseada na ideia de que 'bandido bom é bandido morto', enquanto as reais causas da criminalidade, como corrupção e envolvimento de autoridades, são ignoradas", argumenta o professor que defende uma abordagem diferente, baseada em investigação, controle financeiro e combate à corrupção.
O coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado no Rio de Janeiro, Carlos Nhanga, tem opinião semelhante.
"O maior problema do Estado é a falta de política pública que trate a segurança da população como prioridade. A política de segurança continua privilegiando o confronto e centrada em operações policiais mal planejadas, sem objetivos claros de redução da violência. Nossos dados mostram que o crime está em expansão no Rio há três décadas. De 2008 a 2023, o domínio dos grupos armados cresceu 105%, dobrando a área controlada por esses grupos. Isso é resultado de um longo processo marcado pela combinação entre ausência de políticas públicas, corrupção de agentes públicos e operações policiais sem planejamento que só servem para enxugar gelo", explicou.
Em resposta às críticas, a Secretaria Estadual de Segurança Pública disse que "o principal objetivo das operações policiais, seja em ações planejadas ou no combate à guerra entre facções criminosas, é garantir a preservação de vidas".
Casos publicados no ENFOCO
1º de janeiro - Logo na madrugada de 1º de janeiro, uma mulher, cuja idade e identidade não foram reveladas, foi baleada enquanto celebrava a virada de ano com a família no bairro Coelho. Felizmente, o ferimento não foi grave e ela recebeu alta logo após atendimento no Hospital Estadual Alberto Torres (Heat), no Colubandê.
11 de janeiro - A mesma sorte não teve um homem, também não identificado, que morreu 10 dias após ser baleado no bairro Jardim República. A vítima chegou ao Heat por meios próprios, mas não resistiu aos ferimentos.
4 de fevereiro - Reginaldo de Menezes, de 52 anos, morreu no dia 4 de fevereiro, após ser baleado durante troca de tiros entre PMs e criminosos, na Avenida Albino Imparato, no Jardim Catarina. Ele foi socorrido por populares e levado ao Heat, mas já chegou sem vida na unidade de saúde.
10 de março - Um menino de 10 anos foi baleado em um dos pés na dia 9 de março durante uma comemoração de traficantes no Complexo do Salgueiro. Atendida no Heat, recebeu alta no mesmo dia felizmente.
1º de abril - Camila Fernandes, de 36 anos, levava o filho para um atendimento médico, no Apollo II, no dia 1° de abril, quando acabou sendo morta por uma bala perdida em meio a uma execução de três homens próximo a um ponto de venda de drogas.
21 de abril- Um jovem de 19 anos foi baleado no meio da rua no bairro do Pita, no dia 21 de abril. Acionados, os bombeiros prestaram os primeiros socorros ainda na rua e depois levaram a vítima com ferimentos moderados ao Heat.
14 de maio - Um jovem de 22 anos morreu no Heat após ser baleado no bairro Jóquei, no dia 14 de maio. A vítima foi levada para a unidade de saúde por um motorista não identificado, que foi embora em seguida.
28 de maio - O estudante de Técnica de Enfermagem, Welber Pinheiro da Silva, de 22 anos foi atingido por bala perdida na perna esquerda no momento em que trabalhava em uma barraca de doces da família, no bairro Anaia, no dia 27 de maio. O jovem disse que viu policiais militares no local mas não sabe de onde partiram os disparos que o atingiram: se de criminosos ou dos agentes.
7 de junho - Três moradores, inclusive um idoso de 60 anos, foram baleados durante confronto entre policiais militares e criminosos, no dia 6 de junho, na Comunidade do Brejal, no bairro Jardim Bom Retiro. De acordo com a Polícia Militar, agentes do 7º BPM realizavam patrulhamento na região quando foram surpreendidos por homens armados e revidaram os disparos, iniciando o confronto.
11 de junho - Uma jovem de 21 anos foi baleada no bairro Camarão, na noite do dia 10 de junho. As autoridades policiais não detalharam as circunstâncias do caso. A mulher foi socorrida no Heat e depois recebeu alta.
Sequelas físicas e psicológicas
Ainda com fragmentos de bala no corpo, o estudante Welber Pinheiro da Silva, de 22 anos, contou ao ENFOCO, que ainda sofre com sequelas físicas e psicológicas. Ele foi atingido por disparos enquanto trabalhava na barraca de doces da família, no Anaia, no final de maio.

"Se eu ouço barulho parecido com tiros, já quero logo correr por causa do trauma que ficou. Sinto um incômodo às vezes se faço muito esforço, mas peço a Deus o que ficou no meu corpo seja expelido", disse Welber que optou por não continuidade à investigação policial sobre o que aconteceu com ele.
O que dizem as autoridades
A Polícia Civil informou que todos os casos de bala perdidas em São Gonçalo publicados no ENFOCO, de janeiro a junho deste ano, "estão em andamento na Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSG), 73ª DP (Neves) e 74ª DP (Alcântara), em diferentes etapas da investigação".
Em nota, a corporação também ressaltou que "cada inquérito tem sua particularidade e grau de complexidade distinto e agentes realizam diligências para esclarecer todos os fatos".
Como a Polícia Militar tem agentes de plantão em unidades de saúde, a corporação foi questionada se tem estatística de vítimas de balas perdidas que deram entrada no Heat no primeiro semestre deste ano. Até a publicação desta reportagem, não havia respondido a pergunta. O mesmo questionamento foi feito à Secretaria Estadual de Saúde, que também não respondeu assim como a Prefeitura de São Gonçalo em relação ao Pronto Socorro Central, no Zé Garoto.


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