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    Adoção

    Busca por reencontro: quais os limites para mães biológicas?

    Renata Lúcia entregou os filhos mas tenta reconexão

    Publicado 28/09/2024 às 7:33 | Autor: Sofia Miranda
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    Brasil tem 3,8 mil crianças à espera de um lar
    Brasil tem 3,8 mil crianças à espera de um lar |  Foto: Agência Brasil

    Renata Lúcia de Souza Pessanha, de 52 anos, moradora de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, vive há décadas com uma dor no coração: a saudade dos três filhos que precisou entregar para adoção devido à extrema vulnerabilidade em que se encontrava. Apesar do desejo pelo reencontro, ela enfrenta limitações ao tentar retomar o contato com os filhos, adotados no modo ''à brasileira''. 

    A história de Renata, marcada por desafios desde cedo, ilustra a realidade de mulheres que se veem na decisão de deixar seus filhos por fatores como miséria, desemprego, violência doméstica, abuso sexual, seja por incesto ou estupro. No caso da doméstica, a condição financeira foi o principal fator, conforme revela ao ENFOCO.

    Aos 15 anos, enquanto morava na rua e na casa de conhecidos na Penha, na Zona Norte do Rio, ela teve sua primeira filha, que hoje calcula ter 37 anos. Sem condições de criar a criança, entregou-a para adoção a uma mulher, moradora de Niterói, na Região Metropolitana do Rio, em uma ação social.

    Anos depois, em situações semelhantes, precisou entregar outros dois filhos: um que calcula ter 25 anos e que estaria morando em Santa Catarina, e o mais velho, de 27 anos, possivelmente residente em Brasília.

    "Eu gostaria de reencontrá-los para pedir perdão, explicar o porquê eu não pude criá-los. Não foi por causa de bagunça, foi porque eu não tinha casa. Eu sempre trabalhei na minha vida, mas eu não tinha casa", desabafa Renata. "Só de tirar essa dor que tem dentro de mim, todo Natal e Ano Novo eu penso nela (filha)", acrescenta.

    Lei

    A decisão de entregar um filho para adoção é legalmente prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), conforme explica a advogada especialista em Direito da Família e Sucessões, Larissa Franco:

    Aspas da citação
    Entregar um bebê recém-nascido para adoção não é um crime. Na verdade, é um direito previsto no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), no artigo 19-A. Essa entrega é legal e regularizada durante uma audiência, mas, a gente sabe que muitas dessas situações acontecem com mulheres em situação de vulnerabilidade. Quando vamos falar de adoção e de entrega de uma criança para adoção, a gente precisa ter uma perspectiva de raça e classe muito acentuada, porque é um direito da criança e também é um direito da mulher
    Larissa Franco, advogada especialista em Direito da Família e Sucessões
    Aspas da citação

    No caso de Renata, a entrega das crianças para adoção ocorreu às margens das exigências legais. A adoção à brasileira, como costuma ser conhecida este tipo de conduta, constitui crime expresso nos artigos 242 e 297 do Código Penal. 

    "Você tem a questão de ser um crime, então se alguém denunciar, você tem algumas hipóteses que podem acontecer por consequência, mas também se entende que é uma prática em que há uma criança envolvida e você não pode só simplesmente querer punir as pessoas que estão dando um lar para ela'', reconhece a advogada Larissa Franco.

    Sensível

    A especialista continua a explicação:

    ''Quando a mãe (adotiva) quer buscar, ela tem esse direito, uma criança vai ter o direito de conhecer os pais biológicos, mas quando a gente fala de maiores de idade, estamos falando de pessoas que vão ter autonomia. Então, se o seu filho já é maior de idade, ele também vai ter autonomia do que ele vai querer para si’’, pontua.

    Conforme Franco, adoções ilícitas ou "à brasileira", podem ser analisadas como um sintoma de uma estrutura social que não fornece auxílio, e, por isso, não deve ser criticada somente a escolha da mãe biológica.

    "É uma questão muito sensível. Não tem preto no branco quando você está falando de adoção brasileira. Você tem situações, questões de vulnerabilidade, questões socioafetivas. Tem uma criança que tem que ser o melhor interesse resguardado dela, é preciso pensar nela principalmente", enfatiza.

    Renata segura um retrato. Na foto, ao lado de sua irmã e em seu colo, está a primeira filha, entregue para adoção com três meses de vida
    Renata segura um retrato. Na foto, ao lado de sua irmã e em seu colo, está a primeira filha, entregue para adoção com três meses de vida |  Foto: Arquivo pessoal

    Para mães como Renata, que enfrentam o desejo de reconectar-se com os filhos entregues para adoção, as possibilidades variam de acordo com a idade e situação dos filhos. Quando os filhos são maiores de idade, eles têm a autonomia para decidir se desejam ou não o reencontro.

    Porém, no caso de crianças ainda menores, o processo pode envolver uma disputa judicial, onde o juiz avalia o melhor interesse da criança, considerando os laços afetivos construídos na família adotiva.

    ‘’Quando você está falando de crianças, você vai entrar numa disputa judicial. Então, o juiz pode entender que é melhor a criança ficar com quem ela tem um lar afetivo. Ou pode se entender, por exemplo, que a pessoa está com uma sensação de vulnerabilidade muito alta e que o ideal é que essa criança retorne para o lar biológico. Então, vai ser preciso analisar o caso com muita sensibilidade’’, conclui a advogada especialista em Direito da Família e Sucessões, Larissa Franco.

    Busca às origens 

    Na tentativa de ajudar nas buscas processuais de familiares biológicos, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) criou o projeto ‘’Busca às Origens’’. Conforme a psicóloga da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJRJ, Eliana Olinda, o reencontro entre adotados e suas famílias biológicas, é um processo que permite a sensação de conclusão da própria história:

    "As reações mais comuns são de identificação com a família de origem, fechar uma história, uma alegria pelo reencontro", relata.

    Segundo Olinda, a busca só é permitida pelos filhos que manifestam o interesse em localizar parentes e buscar mais informações sobre a família biológica. A busca invertida, ou seja, de pais biológicos que procuram por seus filhos, não é permitida devido ao sigilo que envolve os processos de adoção.

    Na tentativa de buscar os filhos sem ajuda dos órgãos legais, em 2014, Renata escreveu um ofício para a então presidente Dilma Rousseff (PT). Neste processo, a doméstica conseguiu a informação de que um dos filhos seria residente em Santa Catarina.

    Apesar da esperança, Renata afirma que entende se a decisão dos filhos for a de não a conhecer:

    ‘’Se eles não quiserem me conhecer, eu vou entender, mas estou fazendo minha parte. Não é de hoje que eu procuro eles, eu fiz um vídeo dando parabéns ao meu filho porque ele faz aniversário no Dia da Mentira. Sei que não posso exigir porque não criei, mas só de falar com eles, eu ficarei feliz’’, conclui.

    Caso Klara Castanho 

    Apesar de reconhecida e assegurada legalmente, a escolha das mães de entregar um filho para adoção, mesmo sendo feita de forma responsável, também é confrontada pela sociedade. É o caso da atriz Klara Castanho, que entregou uma criança para adoção após ter sido estuprada e foi exposta a nível nacional pela youtuber Antônia Fontenelle. O caso aconteceu em 2022.

    Na ocasião, a atriz engravidou após sofrer violência sexual e decidiu entregar o filho para adoção após o parto. Ela não pretendia tornar o caso público, mas teve a decisão exposta ilegalmente por Fontenelle e pela influencer Adriana Kappaz, conhecida como Dri Paz.

    Na última segunda-feira (2), inclusive, a apresentadora foi condenada a três anos e 3 meses de prisão em regime semiaberto pela juíza Daniela Barbosa Assumpção de Souza. As duas vão responder pelos crimes de calúnia, difamação e injúria. Na época, Fontenelle também foi obrigada pela Justiça a indenizar a atriz em R$ 50 mil.

    A entrega voluntária de uma criança para adoção é um direito garantido pela lei brasileira que permite total sigilo, conforme assegura o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

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