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Questão de tempo: você sabe exatamente onde deveria estar?
De vez em quando, a Netflix nos presenteia, com aquele tipo de filme que se deseja que jamais termine, pelos sentimentos que nos desperta, ao ser assistido. Assim é QUESTÃO DE TEMPO, que, muito mais do que uma comédia romântica, é uma lição de vida.
Estrelado por Rachel Mc Adams e Domnhall Gleeson, sua sinopse gira em torno de uma revelação feita ao esquisitão Tim, por seu próprio pai (Bill Nighy) quando o jovem completa 21 anos, de que os homens da família podem viajar no tempo, revisitando momentos de seu passado e até mesmo alterando situações.
A narrativa mostra, então, como Tim faz para corrigir uma série de atitudes que considera terem sido idiotas, revivendo-as de outro modo. Age assim, inclusive, para reformular seu primeiro encontro com a futura esposa, vivida por Rachel.
O filme consegue ser muito profundo, sem perder a graça e a leveza, e me fez lembrar da frase de C. K. Chesterton, que diz que felicidade consiste, de verdade, em viver uma vida normal, com sua família absolutamente normal, ou seja, pode-se ter um cotidiano de gostos e hábitos corriqueiros e simples, mas repleto de amor e generosidade.
E assim transcorre o filme. O casal de protagonistas namora, se casa e vive sua história de amor, em companhia de suas famílias, seus amigos e, posteriormente, seus filhos, do modo mais singelo, despretensioso e afetuoso possível. Ali sobram virtudes e bons sentimentos, o que torna tudo mais fácil, até mesmo os momentos mais pesarosos.
A certa altura do filme, Tim descobre que, embora tenha o dom de reviver momentos, não deseja mais voltar atrás e modificar o passado: faria tudo exatamente do mesmo modo, caso pudesse escolher, pois gosta de toda a sua trajetória, e das escolhas que fez até chegar ali.
Orgulho do caminho
E que coisa maravilhosa ter essa sensação! Quantos de nós podemos dizer, que caso houvesse chance, não mudaríamos nada, pois nos orgulhamos do caminho percorrido? É realmente um privilégio que, dentro de uma vida absolutamente normal, não se deseje alterar o passado, para impactar deferentemente o futuro.
É exatamente neste argumento que reside a beleza do filme, no qual o diretor Richard Curtis esbanja delicadeza e sensibilidade. Porque infelizmente, nesse mundo de prazeres efêmeros e amores instantâneos, é cada vez mais difícil gostar do cotidiano, do jeito que este se apresenta, com suas nuances e desafios, suas alegrias e tristezas, sem querer testar outras combinações.
Ansiedade de viver
Sempre desejamos mais. Queremos fazer tudo diferente, o tempo todo. Nos questionamos, diante do mundo de possibilidades que a modernidade nos apresenta, se fazemos as escolhas certas. Temos ânsia de viver, e não percebemos que, nessa urgência, deixamos de desfrutar cada dia mais um pouco.
Tim decide, após alguns anos, que melhor do que viver voltando no tempo, para consertar comportamentos, é viver cada dia prestando a máxima atenção aos detalhes. Percebe que o importante é estar presente, em tudo que se faz, para que se possa absorver o máximo da realidade, e se exercite a gratidão.
Gratidão
A logoterapia é uma modalidade de tratamento psicológico que exercita esse tipo de postura perante a vida: a de agradecimento e observação, baseada na vivência do presente. Porque, quanto mais inseridos estivermos nas nossas realidades e em nossas ações, mais seremos capazes de valorizar as dádivas diárias que recebemos de Deus, enxergando beleza em nosso cotidiano.
O grande problema da velocidade e da instantaneidade dos tempos atuais é esse: as pessoas não se detêm nas coisas mais simples. Na pressa de tudo realizarem, de não terem tempo, de desejarem sempre tantas coisas, perdem a oportunidade de valorizar os instantes e os pequenos gestos.
Momentos
Um poema que é atribuído ao escritor Jorge Luis Borges, já falecido, embora seja de autoria desconhecida, já trazia essas preocupações, há 4 décadas. Chama-se INSTANTES, e dizia, em seu finalzinho: “pois disso é feita a vida, de momentos, não percas o agora”.
O texto discorria sobre todo o tempo que o escritor desperdiçara ao longo da vida, encerrando com a melancolia de quem constatava que já não havia mais chance de mudar o modo como fizera as coisas, pois estava morrendo.
Eis aí mais um aspecto do filme que me encantou: como o pai do protagonista, por já ter voltado no tempo diversas vezes, sabia que morreria cedo, aposentou-se bem cedo, para dedicar-se à família o máximo possível. Valeu-se de uma revelação preciosa- a da hora de sua morte - para tornar sua vida diferente e doar-se integralmente aos que amava.
Nós não possuímos essa informação. Não podemos prever quando e como partiremos. Precisamos, por isso, viver cada dia de um modo pleno e útil aos que amamos, para que não tenhamos motivos para arrependimentos. Precisamos agir como se fôssemos partir. Esse é o recado mais importante do filme.
Saiba o seu lugar
Portanto, nesse domingo nublado em que vos escrevo, eu já desfrutei da companhia dos meus filhos, cozinhei para eles, estudei, fiz exercícios, cuidei da minha cadelinha, assisti a um filme maravilhoso, e espero o entardecer com a sensação de dever cumprido, e de que meu dia não podia ter sido mais especial.
Hoje, com felicidade constato que não desejo, do meu dia-a-dia, nada muito diferente do que ele me oferece, e aproveito todas as oportunidades e situações que se apresentam. Estou exatamente onde devo estar. E sei disso.
As oportunidades que nos são concedidas, diariamente, podem ser de crescimento ou de doação, de oração ou de estudo, de convivência, de gratidão, de autoconhecimento e cuidado, de afeto e muitas outras. Não saberia elencar quantos pequenos milagres nos acontecem todos os dias, sem que estejamos atentos para percebê-los.
Então, o que eu desejo a todos, nessa semana que se inicia, é que prestem atenção, e colham da realidade as manifestações diárias que Deus nos dá, de que nos ama, está conosco e espera de nós a realização de nosso potencial. Esse é o maior presente que podemos receber.
Texto extraído da Tribuna Diária em 29/11/2021
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