Cidades
ESPECIAL: Por que Niterói virou o destino da população que vive nas ruas?
"Fica quietinho que você está recebendo R$ 800 pra estar aí"
A frase da assistente social, durante uma abordagem a uma pessoa em situação de rua, na Zona Sul de Niterói, ilustra bem um dos perfis que faz das ruas moradia, se valendo de programas sociais. No entanto, assim como acontece em diferentes camadas da sociedade, a população em situação de rua também se diferencia a partir de aspectos sociais, econômicos e comportamentais.
Em uma tarde quinta-feira, no bairro de Icaraí, o guarda municipal acompanhando mais um dia de trabalho da equipe de assistência social do município, alerta para a necessidade de cautela ao notar a aproximação da equipe de reportagem: "Tem que ter muito cuidado com eles. Eles querem se fazer de amigos, chegam junto, mas são complicados". Sob olhares desconfiados e atentos, os agentes seguem pelas ruas do bairro. Quatro grupos — sempre revezando em dois turnos, sete dias por semana, 24 horas por dia. As abordagens nem sempre acontecem de maneira amigável. Ao contrário, muitos, inclusive, são velhos conhecidos das ruas.
"Eu conheço alguns. A gente acaba ficando conhecida porque somos da chamada linha de frente, estamos todos os dias em contato com eles. Muitos sabem até onde eu moro e acaba ficando perigoso pra mim"
assitente social que teve a identidade preservada
Há 17 anos em Niterói, Cristian Douglas, de 37 anos, o 'Magrinho', já é um velho conhecido na região. De calçada em calçada, chama moradores até pelo nome e fala da rede de ajuda que recebe diariamente em Icaraí.
"Tive duas tuberculoses, vim do Rio. Comecei a ficar na rua depois que a minha mãe faleceu, aí resolvi vir pra cá. Aqui muita gente me ajuda. Aquele rapaz ali eu vi com quatro anos', diz apontando o pedestre, e continua o relato: "Esses dias ganhei esse chinelo dele".
Magrinho exibe orgulhoso as chinelas de marca conhecida, que pode ser encontrada por no minimo R$ 50,00. De suéter e calça comprida, ele se recusa a acompanhar a equipe da Secretaria Municipal e Assistência Social, que, minutos antes, tentou abordá-lo.
"São violentos! Fico vendendo meus doces e eles vêm batendo mesmo. Também não estou de bobeira, coloco umas 40 pedras na camisa assim [faz uma espécie de bolsa com a blusa dobrada] e espero eles virem pra lançar. Fico por aqui, saio, depois volto. A vida é essa"
Longe dos ares da zona sul, vivendo em frente ao Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), no centro da cidade, Rose Cleide, de 41 anos, há mais de 20 anos sem um teto, conta uma história parecida do conterrâno carioca, mas com caminhos diferentes.
"Tive muitos problemas em casa, minha mãe morreu e eu fui pra rua. Estou há 17 anos só aqui em Niterói. A gente fica por aqui e depois procura um local com marquise pra ficar melhor. Se ficarmos aqui a gente morre de frio"
No local, ela revela que vivem em torno de dez pessoas nas mesmas condições com histórias de vidas parecidas.
"Vivemos aqui e conheci meu marido na rua. Conheço a maioria, são meus irmão da rua"
Êxodo
Segundo a Prefeitura de Niterói, das abordagens feitas pelas equipes de serviço social na cidade, a maioria dos atendidos são oriundos de outros municípios ou mesmo capitais. Dados do mês de maio, o mais recente divulgado, mostram que dos 136 abordados, 119 eram de outros municípios. São pessoas de cidades do entorno em busca de renda e considerando a vocação da população niteroiense para a solidariedade. Existe também aqueles que vêm em busca de atendimento no Centro Pop, acolhimento e recambiamento (retorno para o município de origem).
É o caso da família de Flávia Andrade, de 28 anos. Desempregada em Belo Horizonte, ela vendeu tudo e se arriscou com o marido Paulo Henrique, de 32 anos, e o casal de filhos de 3 e 4 anos, em busca de uma vida melhor, em Niterói.
"Estávamos passando por dificuldade lá e entramos num acordo que tínhamos que sair pra tentar a vida em outro lugar. Deixei uma outra filha de dez anos com minha mãe, não dava pra trazer. Viemos em busca de um recomeço, zerar a vida. Vendemos tudo, fogão, geladeira, pra conseguirmos as passagens e nos manter por um tempo"
Flávia Andrade, desempregada deixou a cidade onde morava com a família em busca de uma vida melhor.
"Estávamos passando por dificuldade lá e entramos num acordo que tínhamos que sair pra tentar a vida em outro lugar. Deixei uma outra filha de dez anos com minha mãe, não dava pra trazer. Viemos em busca de um recomeço, zerar a vida. Vendemos tudo, fogão, geladeira, pra conseguirmos as passagens e nos manter por um tempo", conta Flávia, enquanto preenche a ficha no Centro Pop. Naquela noite, inclusive, o destino poderia ser a rua, depois de não ter mais opções de onde ficar.
"Ficamos sabendo que Niterói tem muitas oportunidades, muita gente solidária que pode nos ajudar. Meu marido tem experiência com acrílico e vamos tentar arrumar um emprego para as coisas melhorarem. Se não fosse aqui, hoje, não teríamos onde dormir"
Quando a rua surge como alternativa possível para sobreviver, contar com a soliedaridade dos outros pode ser a única esperança de quem ainda busca uma saída em meio às incertezas desta nova realidade. Na próxima reportagem você confere como funcionam as redes de ajuda e correntes do bem formadas por instituições e voluntários que percorrem as ruas de Niterói oferecendo apoio à população em situação de rua e se essa é a melhor alternativa para contribuir com a reintegração social dessa população.
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