Denúncia

Mãe de menino autista que gerou lei em SG alega omissão de escola

Após queixas, matriarca diz que teve rematrícula do filho negada

Unidade particular fica no Centro de São Gonçalo
Unidade particular fica no Centro de São Gonçalo |  Foto: Google Street View

Uma mãe alega que o filho, de 12 anos, não pôde ter a matrícula renovada em um colégio particular de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, após episódios de bullying entre os colegas, devido ao fato dele ter o Transtorno do Espectro Autista (TEA), nível de suporte 1. 

Segundo a confeiteira Luciane Silva, de 46 anos, o pequeno Théo José começou a estudar no Colégio Nossa Senhora das Dores, neste ano. E após os episódios de preconceito, ela começou a cobrar por direitos, o que não teria agradado a direção da unidade.

Foi em abril que um colega de turma teria iniciado uma perseguição, que consistia em ataques verbais e humilhações. Incrédula com a situação, a matriarca conta que procurou a unidade diversas vezes para relatar o caso.

'Lixo', 'Idiota', 'Bobo' são xingamentos que seriam proferidos por colegas, contra Théo, segundo a mãe, Luciane Silva

"Crianças que humilharam ele, todas as vezes que faziam isso eu ia até a escola e reclamava. Eu fui quatro vezes na escola fazer reclamações, e todas eu cobrava atitudes da escola, porque eles simplesmente colocavam as crianças uma do lado da outra e não adiantava nada, porque a criança ia lá e fazia de novo, a mesma criança. Os amigos viam e queriam fazer igual", detalha. 

As agressões saíram do verbal e passaram a ser físicas, ainda de acordo com relatos da genitora.

Luciane buscou mais uma vez a unidade, dessa vez acompanhada pela psicóloga de Théo, com objetivo de buscar soluções para o combate à violência no ambiente educacional, conforme relatado.

Mas, sem autorização da matriarca, ela se queixa que o colégio promoveu um encontro entre o filho e a mãe do aluno responsável pelas agressões.

"Eu solicitei o jurídico da escola, conversei com o advogado da escola, e o menino continuou agredindo meu filho. A mãe desse menino foi a escola, foi apresentada pela coordenadora ao Théo, abraçou ele e entregou uma caixa de chocolate [como desculpas pelas agressões]", aponta. 

Sem cuidados

Além de lidar com ataques por parte dos colegas, o Théo também precisou lidar com problemas no corpo docente do Nossa Senhora das Dores. Segundo a mãe, o menino sofria ataques do professor durante as aulas de educação física.

"O professor de educação física humilhando meu filho na frente dos outros, porque ele é gordinho, tem atraso psicomotor, ninguém incluía ele nos trabalhos. Nenhum cuidado, nenhum zelo", detalha Luciane. 

Recusa na matrícula

Luciane começou a fazer reclamações constantes na unidade. Ela relata que na busca pelos direitos do filho, a escola começou a usar seu desempenho em combater o preconceito vivido por Théo como uma forma de 'retaliação'. 

A verdade é que ninguém quer a gente, quando eu vou, só vou para pedir respeito. Aí elas disseram que eu ameaço elas. Eu só estou ali para pedir os direitos e respeito pelo meu filho, e pelos meus direitos de consumidor Luciane Silva, confeiteira

Em um último episódio sofrido em novembro, ela conta que Théo se desentendeu com um colega e que, como forma de intimidá-lo, o menino o cercou durante uma aula. 

"Quando ele foi para aula, esse menino entrou na sala com três meninas, uma delas sentou atrás dele. Ele se sentiu ameaçado. Eu fui na escola novamente, eu cobrei atitudes. O que aconteceu? A escola se sentiu coagida por mim, eu fui matricular meu filho e eles negaram a matrícula, dizendo que contra o Théo não existe absolutamente nada, o problema sou eu. Eles querem me punir através do meu filho", explica. 

Reunião

No último dia 4, a escola fez uma reunião com Luciane, onde ficou decidido que o Théo não poderia retornar à unidade. Um documento entregue a mãe diz:

"Tal qual previamente informado, a negativa decorre de fundamentada razão, consistente na inadequação da postura da genitora com a escola e seu corpo de funcionários, que, inclusive, culminou em registro de ocorrência pelas partes afetadas". 

Imagem ilustrativa da imagem Mãe de menino autista que gerou lei em SG alega omissão de escola

Na busca pelos direitos do filho, a mãe fez uma denúncia no Ministério Público do Rio de Janeiro, por meio da 1ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de São Gonçalo, no último dia 5. 

Segundo o documento, todos os episódios de bullying foram confrontados por Luciana ao colégio, estando tudo relatado em e-mails e livros de ocorrência. Procurado, o MP ainda não se manifestou sobre o desenrolar da apuração do caso.

Direitos

De acordo com a advogada Cátia Vita, especialista em Direito do Consumidor, a conduta tomada pelo colégio não vai de acordo com a legislação brasileira. 

"É proibido que escolas recusem a matrícula de alunos com deficiência, incluindo alunos autistas. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) estabelece que é dever do Estado, da família e da sociedade assegurar o acesso à educação inclusiva, em igualdade de condições, para todas as pessoas com deficiência", esclarece.

A especialista ressalta ainda que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) determina que as escolas devem garantir a inclusão de alunos com deficiência, promovendo as adaptações necessárias para que eles possam participar plenamente das atividades escolares.

"Caso um colégio recuse a matrícula de um aluno autista, os pais ou responsáveis podem denunciar a situação às autoridades competentes, como o Ministério Público ou a Secretaria de Educação, para que sejam tomadas as medidas cabíveis", finaliza.

O professor Marcus Wagner de Seixas, do departamento de Direito da UFF de Volta Redonda, explica que a unidade não pode usar o comportamento da mãe para punir o aluno. 

"Se o colégio tem o direito de entrar com uma ação contra a mãe do aluno, que assim o faça, mas o aluno não pode ser diretamente prejudicado pelas atitudes de sua progenitora. O colégio não poderia recusar a matrícula, se fosse um comportamento do próprio aluno, se ele estivesse causando problemas, teria aquela condução clássica de chamar os pais", detalha. 

Para Seixas, uma solução do problema seria solicitar uma mediação judicial, onde as duas partes seriam colocadas frente a frente, sob a jurisdição de um profissional habilitado, para tentar chegar em um meio termo.

Denúncia no MPRJ

Para Luciane, Theo continuar na escola e lutar pelas mudanças no espaço é uma questão não só de direito, mas de conforto para o filho.

Segundo a matriarca, não é de agora que o pequeno sofre em unidades escolares e ela encontrou dificuldades para localizar um colégio que fosse adequado para as necessidades dele.

O Colégio Nossa Senhora das Dores foi o único local em que a mãe encontrou uma turma pequena

"A escola que tem muitas crianças na sala de aula dificulta o meu filho, tanto na sobrecarga sensorial quanto na aprendizagem. Eu encontrei lá uma turma pequena, menos de 20 alunos, para ele estudar esse ano, não sei o que vou fazer no próximo ano", explica. 

O que diz a escola?

Por meio de nota, o Colégio Nossa Senhora das Dores negou todas as acusações feitas pela mãe do aluno e informou ao ENFOCO que a "recusa da matrícula foi fundamentada nas atitudes da mãe com funcionários da Instituição".

"O Colégio Nossa Senhoras das Dores informa que a recusa da matrícula foi fundamentada nas atitudes da mãe com funcionários da Instituição, que se sentiram coagidos por injúrias e difamações, utilizando sempre de ameaças de processos, de cassar o registro de profissionais, dentre outras ameaças infundadas. Além disso, durante o ano letivo, a mãe do menor proferiu ofensas diretas contra profissionais da instituição, reputando-lhes desqualificados, capacitistas, dentre outras inverdades que afetam em muito os citados profissionais. Trata-se também de dever da escola coibir esse tipo de atitude insidiosa, capaz de ferir direitos dos funcionários e sua integridade psíquica.

A Instituição de Ensino possui diversos alunos com TEA (Transtorno do Espectro Autista)  e luta diariamente pela inclusão e desenvolvimento de todos os alunos PCD, sendo, em São Gonçalo, uma das instituições que mais abriga esse tipo específico de alunos. Somos uma obra social que a todo momento tenta albergar e desenvolver àqueles à margem da sociedade, primando pela inclusão e igualdade como princípios basilares da instituição.

A Escola investiga quaisquer denúncias de bullying, tentando, sempre, na melhor de suas possibilidades e no estrito cumprimento da Lei, evitar esse tipo de ocorrência. Sempre procurando levantar os fatos e fazendo trabalhos de conscientização com os alunos, tendo todas as ações documentadas na escola. Frise-se que todos os eventuais questionamentos e ocorrências foram devidamente tratados em conjunto com o Conselho Tutelar da Comarca.

A  Sra. Luciane Silva está espalhando inverdades, evidentemente buscando difamar a instituição, de modo que a escola repele e nega fortemente as alegações por ela formuladas."

Lei Théo José

Luciane Silva e o filho Théo José durante solenidade na Câmara de São Gonçalo
Luciane Silva e o filho Théo José durante solenidade na Câmara de São Gonçalo |  Foto: Reprodução/Câmara de SG

O menino Théo José inspirou a Lei 1.482/2023, de autoria do falecido vereador Cici Maldonado

Sancionada pelo prefeito Capitão Nelson, em setembro deste ano, ela institui no âmbito do município de São Gonçalo o uso do cordão de identificação do autismo/autista, (lei Théo José), como instrumento auxiliar de orientação de pessoas com necessidades especiais/autismo.

Com esse colar, as pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm prioridade em repartições públicas e privadas na cidade.

Procon

O Procon-RJ informou que a escola particular que recusa a matrícula de aluno autista viola o Estatuto da Pessoa Portadora de Deficiência e o Código de Defesa do Consumidor (CDC), configurando falha na prestação do serviço e prática abusiva.

"Trata-se de falha no fornecimento do serviço -  art. 14 do CDC, prática abusiva - art. 39, V do CDC", disse.

A autarquia explica que pode acolher a denúncia ou a reclamação do consumidor por meio  dos canais de atendimento disponíveis no site: www.procon.rj.gov.br.

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