Resistência

'Vou colocar oca lá', diz cacique sobre obra de resort em Maricá

Indígenas realizaram novo protesto contra a construção

Para Darci Tupã, empreendimento é crime ambiental
Para Darci Tupã, empreendimento é crime ambiental |  Foto: Lucas Alvarenga
 

"Se não as obras não forem paradas, eu vou colocar oca lá, com índio morando dentro". A frase é do cacique Darci Tupã, líder da aldeia Ka'aguy Porã, cuja comunidade guarani realizou protesto nesta terça-feira (18), pelo segundo dia consecutivo, na tentativa de bloquear as obras do Resort Maraey, que está sendo construído na restinga de Maricá. 

Desta vez, a Polícia Militar foi acionada após ameaças de lideranças indígenas locais contra trabalhadores do empreendimento. Viaturas permaneceram no local até as 12h mas não houve feridos ou detidos.

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"Eu sou contra o pisoteamento da minha cultura. Eu sei o que o meu povo quer. Se eles não respeitarem, vai ter guerra. Vamos queimar todas as máquinas. Eu já estou sendo morto, massacrado com meu povo. Estou pronto para a guerra. Isso não é brincadeira. Eu estou pedindo ordem. Depois que garantirem o nosso direito, aí eles fazem o que eles querem", disse o cacique Darci Tupã ao ENFOCO

Segundo os indígenas, o megaempreendimento privado representa um crime ambiental. Mas a empresa alega ter todas as licenças necessárias. Autoridades locais ainda não buscaram tratativas sobre demarcação de terra do povo indígena nas últimas 24 horas, após o primeiro ato, conforme a organização do manifesto.

O povoado local denuncia que os homens da aldeia não podem mais circular na Área de Proteção Ambiental (APA) em busca do sapê, material que usam para construir as ocas. Ainda segundo os relatos, as jovens indígenas também foram barradas dos campos onde encontravam as sementes para fazer artesanatos. 

A comunidade ainda afirma que há uma ação judicial que impede a construção. Esse documento foi movido pelas comunidades pesqueiras e indígenas locais e chegou a cancelar o licenciamento da construção em 2021. Mas, no dia 3 de abril, a primeira fase de obras do empreendimento na Costa do Sol teve início.

"No dia 19 de abril completamos 11 anos de aldeia sem documentos. Foi a prefeitura que nos convidou pra cá. A gente não invadiu essa área. A prefeitura já era pra ter sentado há muito tempo e anexado o nosso povo dentro do projeto do IDB Brasil e não fez. A prefeitura deu ok para a construção, mas e a aldeia?! Vão construir o empreendimento e a aldeia continua sem documento", enfatiza o cacique Darci Tupã.

Um representante da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) colou papéis pedindo o embargo de obras da empresa privada Iniciativas e Desenvolvimento Imobiliário - IDB Brasil no interior da APA de Maricá até análise e manifestação do Ministério Público. 

O MPRJ informou que "a Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva - Núcleo Maricá recebeu o ofício e está em processo de articulação com o Grupo de Apoio Técnico Especializado (GATE/MPR) e com a Assessoria de Recursos Constitucionais Cíveis (ARC Cível/MPRJ) para tratar da questão de forma institucional".

Já a Prefeitura de Maricá disse que "mantém diálogo permanente com as lideranças das duas aldeias indígenas da cidade, e com a Funai, para garantir a elas a melhor infraestrutura e o respeito às suas tradições". 

Especificamente em relação à aldeia Mata Verde Bonita (Tekoa Ka' Aguy Ovy Porã), de São José do Imbassaí, a Prefeitura disse que "busca um espaço que contemple as necessidades para um assentamento adequado". 

PESCADORES TAMBÉM ATINGIDOS 

Na localidade, há o povoado pesqueiros de Zacarias e a comunidade indígena dos Mbya, da Tekoa Ka’ Aguy Ovy Porã (Aldeia Mata Verde Bonita). Eles alegam que espécies de animais e vegetações estão ameaçadas pelo planejamento de devastação de uma larga extensão de terras.

"O STJ já emitiu documento no dia 21 de março dizendo que está proibido, mas não saiu no Diário Oficial. Enquanto não sair no DO, os garimpeiros se aproveitam até que lancem a proibição", enfatizou o cacique Tupã.

Atualmente, são cerca de 41 famílias abrigadas na aldeia, com 180 pessoas, entre adultos, jovens e crianças, em uma área de cerca de 93 hectares.

"O representante da empresa havia dito que seríamos integrados ao projeto e é tudo mentira. As máquinas passam em volta da aldeia, eles não enxergam isso. O cenário ideal é que nós continuemos aqui. E que o governo dê o documento das nossas terras, faça obras de melhorias na aldeia, como saneamento básico e escola descente".

De acordo com o cacique Tupã, o empreendimento teria prometido, além da permanência do povo local, a criação de um centro cultural.

"Disseram que 3% do valor arrecadado do resort seria passado para o instituto da aldeia, para que continuássemos nos mantendo. Eu vou atrás dessa negociação. E principalmente do documento da terra", garantiu ele, que é formado em História Guarani pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 

"Hoje o índio é advogado, médico, está dando aula, está na universidade dando aula. O governo precisa olhar esses avanços. O índio é protagonista. Inteligente. Tem que parar de olhar o índio de tanga e pelado. Fazemos parte da população brasileira", reforçou ele.

NATUREZA AMEAÇADA 

O cacique Tupã alega, ainda, que quando as obras tiveram início, houve uma destruição da cobertura vegetal e do frágil solo da restinga.

Por meio de nota, IDB Brasil alegou que “não há destruição da cobertura vegetal, nem impedimento de circulação de pessoas, exceto onde estão sendo desenvolvidos as atividades de interesse público”.

A empresa informa ainda que, não há decisão judicial vigente que impeça o desenvolvimento do empreendimento e que, cumprindo todos os protocolos e autorizações dos órgãos competentes, iniciou as obras de infraestrutura do empreendimento em 3 de abril de 2023.

“Esta fase inicial contempla a instalação de viveiro, além de resgate e manejo de flora e fauna, seguidos da demarcação e da limpeza do viário”.

De acordo com a IDB, as vias principais serão doadas ao município e servirão como importante eixo entre Itaipuaçu, Centro de Maricá e Ponta Negra, reduzindo o impacto do trânsito na rodovia RJ-106 e, também serão doadas às concessionárias dos serviços públicos as redes de infraestrutura executadas.

“A IDB Brasil reforça seu respeito integral à cultura ancestral da Aldeia Tekpa Ka’aguy Hovy Porã (Mata Verde Bonita), que se instalou temporariamente em área privada do empreendimento em 2013, durante o curso do licenciamento do projeto”, reforça. 

A empresa diz, por fim, que trabalha ao lado das lideranças indígenas da Mata Verde Bonita e de representantes da Prefeitura de Maricá e da Fundação Nacional do Índio (Funai) na busca por uma área definitiva para o assentamento permanente da aldeia, mais adequada às necessidades do grupo, com solo fértil e acesso facilitado à água, como pleiteia a comissão de representantes dos indígenas.

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