11 anos de luto
'A juíza do povo': família fala do legado de Patrícia Acioli
Magistrada foi morta por policiais militares de São Gonçalo
Onze anos após o crime que chocou o Brasil, a morte da juíza Patrícia Lourival Acioli ainda traz efeitos em familiares e amigos próximos. A magistrada foi assassinada na frente de sua casa, na Rua dos Corais, em Piratininga, Região Oceânica de Niterói, com 21 tiros. O ataque foi tramado e executado por policiais do 7º BPM (São Gonçalo).
Mike Acioli Chagas, enteado de Patrícia, foi o primeiro a encontrar a juiza morta. Ele estava tomando banho quando ouviu os disparos e correu para o quintal. Mike chegou a ver a moto dos policiais arrancando, mas quando encontrou a madrasta dentro do carro, ela já estava morta. As filhas, Ana Clara Acioli Chagas e Maria Eduarda Acioli Chagas, que na época tinham 12 e 10 anos, também estavam presentes na residência.
Antes do crime, a escolta da juíza foi retirada. Mesmo pedindo a revisão desta medida, Patrícia não foi atendida.
O enteado e Ana Clara seguiram o caminho de Patrícia e cursaram Direito. Já a filha mais nova está estudando Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo Maria Eduarda, que tem 21 anos atualmente, a mãe continua sendo sua inspiração.
“Quando você passa por uma experiência que eu meus irmãos passamos, você muda. Você passa a ter um reconhecimento maior das coisas que a pessoa fez por você. A morte da minha mãe trouxe muita ética para o meu dia a dia. Me faz querer ser uma pessoa que ela teria orgulho de chamar de filha. Tive uma adolescência e uma experiência de vida que ficava sempre me perguntando se eu estava fazendo a coisa certa. Ela sempre me motiva a ser uma pessoa melhor e parecida com ela. Eu acho que ela teria orgulho da pessoa que eu e meus irmãos nos tornamos”, contou..
Ela era uma pessoa e uma juíza incrível. Uma pessoa justa e que merecia o mundo inteiro de aplausos e de admiração.
Semelhança com Marielle
A morte de Patrícia Acioli abalou uma família inteira. A vida dos filhos e de Wilson Chagas Júnior, ex-marido da juíza, mudou da noite pro dia. Ambos já estavam separados na época do crime, mas mantinham uma relação de amizade e admiração.
Segundo o advogado, a morte de Patrícia deveria ter servido para dar mais segurança às pessoas que lutam contra o crime e a desigualdade social. No entanto, a execução da vereadora Marielle Franco, no Rio, demonstra o contrário.
"Nós vemos que não mudou muito nos dias atuais. Hoje você tem outros juízes ameaçados e outras pessoas que foram vítimas dessa violência. Nós tivemos Marielle, que foi uma situação quase idêntica. A única diferença é que sobre Marielle ainda não sabemos o mandante e o da Patrícia a gente sabe quem foi. É muito triste que passados 11 anos e não tenha mudado muita coisa. Pelo contrário, as coisas pioraram", disse.
Contudo, Wilson acrescentou que Patrícia se tornou um exemplo para questões relacionadas aos Direitos Humanos. O ex-marido contou que a juíza sempre esteve empenhada na recuperação do ser humano, independente de cor, sexo e idade.
Ela lutava por um mundo melhor e era o que ela acreditava.
‘Juíza do Povo’
Exatamente 11 anos após o crime, o documentário ‘Patrícia Acioli, a juíza do povo’ foi lançado, na última quinta-feira (11), em Niterói, para contar a história da magistrada, valorizando o lado humano além da severidade do tribunal. Dirigido pelo jornalista Humberto Nascimento, primo de Patrícia, o filme mostra como ela era vista por moradores de São Gonçalo, onde atuava.
“O que me chamou a atenção no enterro foi que tinha muita gente e muitas flores, mas tinha algumas mães muito emocionadas e abaladas. Pessoas muito humildes. Eu perguntei e elas disseram ‘nós viemos demonstrar a nossa gratidão por tudo que ela fez’. O nome surgiu daí: uma juíza do povo, uma pessoa que tinha como foco as pessoas mais humildes, as que não tinham acesso à Justiça. A Patrícia ajudou a transformar a vida dessas pessoas”, ressaltou.
Humberto lamenta que toda a luta da prima não tenha bastado para solucionar os problemas dos gonçalenses.
“A coisa que me dói nesses 11 anos é saber que tudo que ela lutou acabou não servindo para nada. As coisas não mudaram e, em certo sentido, pioraram. Todos os objetivos da Patrícia e o ideal que ela construiu, uma relação com a população de São Gonçalo, simplesmente foram desmontados. As pessoas pedem socorro literalmente. É como se a morte dela fosse em vão”, lamentou.
A dor fica pra sempre. O vazio é pra sempre. Fica a saudade que a gente tenta resgatar a memória dela.
O crime
Patrícia foi perseguida por uma moto por 27 km, desde que saiu com o seu carro do Fórum de São Gonçalo, onde trabalhava, até sua casa, em Niterói. Os assassinos, os PMs Daniel Benítez Lopez e Sérgio Costa Júnior, chegaram antes da juíza na rua da residência dela, se esconderam atrás de um veículo e utilizaram uma pistola e um revólver para cometer o crime, que aconteceu quando os três filhos da juíza estavam em casa.
A magistrada era titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo quando foi assassinada. Como juíza, Patrícia foi a responsável por mandar prender mais de 60 PMs envolvidos com organizações criminosas e na prática de forjar autos de resistência, ou seja, mortes causadas por intervenções policiais.
Antes do crime, a escolta da juíza foi retirada. Mesmo pedindo a revisão desta medida, Patrícia não foi atendida.
Policiais continuam recebendo
O tenente-coronel Cláudio Luiz da Silva Oliveira, acusado de ser o mandante do crime, e o tenente Daniel Santos Benitez, condenados pelo assassinato da juíza Patrícia Acioli, continuam, mesmo presos, recebendo seus salários pagos pela Polícia Militar do Rio.
Oliveira, que era comandante do 7º BPM, e Benitez foram condenados a 36 anos de prisão. O primeiro está preso desde dezembro de 2013, e o segundo cumpre a pena desde maio de 2014. Entre o período de agosto de 2021 e julho de 2022, o estado já pagou R$ 204,7 mil para Cláudio e R$ 175,9 mil para Benítez.
Procurado, o Governo do Rio, através da Secretaria de Estado da Polícia Militar, informou que a competência da corporação em relação aos processos administrativos dos dois oficiais já foi cumprida. O Conselho de Justificação deliberou pela perda do posto e patente, e, consequentemente, a demissão ex offício de ambos.
"A decisão final depende da conclusão dos processos no âmbito do Poder Judiciário. No momento, os dois processos estão em fase de recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ)", disse, em nota.
Outros nove policiais também foram condenados pelo assassinato. Os PMs Charles Tavares, Alex Ribeiro Pereira e Sammy Quintanilha foram sentenciados a cumprir 25 anos em regime fechado. Carlos Adílio Maciel dos Santos foi condenado a 19 anos e 6 meses; Jefferson de Araújo Miranda, a 26 anos de reclusão; Jovanis Falcão a 25 anos e 6 meses; Junior Cezar de Medeiros a 22 anos e 6 meses; e Sérgio Costa Júnior, o segundo acusado de realizar os disparos, foi condenado a 21 anos em regime fechado.
O policial Handerson Lents teve a menor condenação: quatro anos e seis meses em regime semiaberto. Todos foram expulsos da PM em 2014.
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