Violência
'O que me motivou foi a dor', diz mulher que parou a Ponte
Regina Evaristo, de 56 anos, relatou agressões e perseguições
Trânsito, congestionamento, demora para voltar para casa, interdição... Tudo isso aconteceu na Ponte Rio-Niterói nesta quinta-feira (14). Contudo, a paralisação da via federal ocorreu devido a um grito de socorro feito pela advogada Regina Evaristo, de 56 anos, vítima de violência doméstica.
A mulher usou a Ponte como uma forma de protesto contra organizações que não a defenderam contra seu ex-marido, que segundo ela, vem a perseguindo e a ameaçando nos últimos tempos. Regina conversou com o ENFOCO nesta sexta-feira (15) e contou que o protesto aconteceu devido a sensação de abandono que vem sofrendo sobre o caso.
O que me motivou foi a dor. Ela é capaz de fazer que a gente faça grandes coisas. Eu lido com a violência doméstica há muitos anos e venho sofrendo, há quase sete anos, perseguições processuais, contra o patrimônio e agressão física. Eu estava desesperada.
Regina pediu desculpas para as pessoas que sofreram com a interdição, mas complementou que foi um pedido de socorro para as autoridades despertarem as atenções para vítimas de violência doméstica como ela. A advogada ainda informou que tem dormido no carro junto com uma mala para fugir de seu agressor.
"Eu precisava fugir. Mas eu pensei: eu vou fugir até quando? Eu moro dentro do carro fugindo dele há mais de um mês. A Justiça diz que precisa de um crime para ele ser preso. Será preciso que ele me mate? É uma dor tão grande. Anos de sofrimento. Muitos dias sem dormir. Eu queria um socorro que eu não tive das autoridades. Eu já estou pedindo ajuda há muito tempo. Todo esse sistema que não ampara é tão agressor quanto aquele que mata a mulher", complementou.
De acordo com a advogada, há diferentes registros de ocorrências contra o ex-companheiro levando à diversas medidas protetivas. O homem chegou a ser condenado há quatro meses de detenção, mas foi liberado. Devido à constante perseguição, Regina tentou ajuda do núcleo do Rio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Contudo, a mulher alega que nenhum representante da instituição a ajudou sobre o assunto de violência doméstica quando foram procurados.
Na segunda-feira (11), Regina fez um pedido de ajuda na frente da OAB Rio após ter sido negada pela Comissão de Direitos Humanos da instituição. A advogada informou que ficou aguardando por horas para ser atendida. Ela também tentou socorro na Caixa de Assistência da Advocacia do Estado do Rio de Janeiro (CAARJ), mas contou que a psicóloga cancelou a terapia.
Isso me fez surtar porque meu emocional já estava destroçado. Nesse momento eu pensei em abandonar tudo e morrer.
A OAB Rio informou que atendeu na segunda-feira (11) a advogada e a Comissão OAB Mulher a acompanhou até a Delegacia de Atendimento à Mulher, no Centro do Rio. A instituição ainda informou que Regina Evaristo será auxiliada pelo Caarj, que é um serviço concedido a colegas de profissão em situação de vulnerabilidade econômica e social em decorrência de violência doméstica.
O crime
Segundo Regina, o crime aconteceu em 2 de janeiro de 2016. A advogada contou que se separou de seu marido por causa de episódios de alcoolismo. A separação estava ocorrendo normalmente e o homem afirmou que sairia de casa, mas pediu para ter mais tempo porque ele também cursava Direito e estava prestes a fazer a prova da OAB. Contudo, um dia o ex-marido a agrediu, o que foi filmado por câmeras.
"Ele me deu um soco e eu perdi dois dentes. Na hora, perdi o olfato e o paladar, mas ele não foi preso em flagrante. Naquela noite, eu chamei a polícia 11 vezes, fiquei desesperada e fugi. Depois saiu a protetiva, mas ele não foi preso. Um ano e meio depois, ele foi condenado a quatro meses de detenção. Detenção não vai preso. Eu não recebi danos morais. Ele ainda levou equipamento de trabalho meu. Ele levou tudo. Eu venho lutando e ele nunca foi preso", contou a advogada.
Com medo de represálias e mais perseguições, Regina acrescentou que tenta ao máximo não manter contato com seu filho de 17 anos para não acontecer algo com ele. A advogada ainda contou que seu agressor também agrediu outra mulher e o filho da vítima há pouco tempo, mas ainda sem nenhuma punição.
"Ele não foi punido e eu virei presidiária dentro de mim mesmo. Eu me escondo e tenho receio do que ele pode fazer. Eu tenho muito medo dele a ponto de fazer o que eu fiz na Ponte. Eu tenho certeza absoluta que ele é capaz de me atingir sim. O meu filho trata a depressão até hoje", complementou.
Infância e luta por mulheres
Natural de uma terra indígena em Minas Gerais, Regina Evaristo veio para o Rio de Janeiro com 14 anos junto com a sua mãe para realizar um tratamento para um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que sua progenitora sofreu. Contudo, a advogada também ressaltou que foi estuprada pelo próprio pai quando tinha menos de 10 anos.
Após conseguir o tratamento, a mãe de Regina voltou para Minas, mas a filha ficou em busca de melhores condições de vida. Ela chegou a morar na rua e em diversas comunidades, trabalhando como doméstica. Em uma das residências onde trabalhou, mais um caso de estupro, agora por seu ex-patrão. Todos os casos de violência sexual e física levaram Regina a fundar a Associação Leonora Evaristo de Almeida (Alea), nome de sua mãe.
Amor cabe em qualquer lugar. A gente tem que focar no que é bom. No momento que a gente pensa no bom e no amor, a coisa flui. A gente pode escolher. Eu escolhi o amor e escolhi fazer o melhor para as pessoas. Quando uma mulher sofre violência, eu estou ajudando a mim também. É válido dizer para as pessoas que é importante escolher coisas felizes.
A Associação capta doações de roupas e calçados limpos e em condições de uso; ração para cachorros; alimentos perecíveis e não perecíveis; material de limpeza e higiene; e lanche para crianças.
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