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No Exterior em tempos de histeria

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|  Foto: Foto; Marcelo Camargo/Agência Brasil
As pessoas evitavam até mesmo se comunicar. Foto: Marcelo Camargo / EBC

Estou viajando pelos Emirados Árabes, com meu filho mais novo. Chegamos por Lisboa, pegamos outro voo para Dubai, fizemos um cruzeiro que parou em Doha e Abu Dhabi, e retornamos a Dubai, de onde partiremos em nosso retorno ao Brasil.

Muito embora essa viagem seja um antigo desejo, acalentado há tempos, o qual finalmente realizei (até mesmo como um presente pelos meus 50 anos de vida), posso afirmar, com toda convicção, que locomover-se de um país a outro, durante a pandemia, tornou-se algo absolutamente desafiador, imprevisível, custoso e muito frustrante. O turismo mundial, com todas as razões para isso, levará muitos anos para levantar-se e superar o festival de horrores a que os governantes estão submetendo a população, nos quatro cantos do planeta.

Mas vamos ao que interessa: narrar nossa experiência, em tempos de covid. Bem, para começar, nas 24 horas que antecederam nosso embarque para Lisboa, fizemos um teste PCR, cujo resultado saiu no dia seguinte. Também precisamos preencher formulários online, da companhia aérea e para a imigração de Portugal, apesar de o país não ser nosso destino final.

No embarque, atendentes tensas, alertando o tempo todo que se houvesse aglomeração para entrar na aeronave, a Anvisa poderia cancelar o vôo (que estava absolutamente lotado, e quanto a isso, não havia qualquer preocupação com distanciamento). Nós voamos com milhagem, e conseguimos ir de classe executiva, onde já não havia um assento sequer desocupado, e reinava a desordem. Na classe econômica, o aperto e a bagunça estavam potencializados ao grau dez, mas com todos de máscara, obviamente. Creio que, em aeronaves, não se transmite COVID.

Ao desembarcarmos em Lisboa, permanecemos - após voar a noite inteira, por cerca de dez horas – em pé durante duas horas e meia, em uma fila da imigração portuguesa (a mesma que exigiu os formulários antes do embarque), onde cada passageiro tinha toda a documentação checada, incluindo-se aí os testes PCR, seguros viagem com cobertura integral para COVID, hospedagem, etc.

Após algumas horas de espera, rumamos para o vôo que nos levaria a Dubai. Novamente, houve o necessário preenchimento de formulários, a exibição de certificados de vacinação e testes de COVID, muitos alertas de distanciamento obrigatório e de uso de máscaras do modo adequado, muita histeria para coroar nossa exaustão – seria nossa segunda noite consecutiva voando.

Graças a Deus, esse vôo estava bem vazio, o que nos deu uma relativa paz durante a jornada: conseguimos dormir e chegamos razoavelmente descansados em nosso destino final. Encontramos a imigração com uma fila pequena, exibimos testes de covid, certificados de vacinação e seguro-viagem, saindo do aeroporto após 20 minutos.

Repetimos a exibição de todos os documentos no hotel, onde passamos alguns dias, percorrendo os pontos turísticos da cidade. Na véspera do embarque no cruzeiro, realizamos novo teste PCR, dessa vez no próprio hotel, ao custo de 42 euros por pessoa. A chegada a Porto Rashid, para embarque no navio MSC Virtuosa foi caótica: uma fila imensa, com distribuição de senhas e espera interminável, para que cada passageiro exibisse seus documentos, testes, vacinas, formulários, tivesse toda essa documentação fotografada e entregasse os passaportes, que só são devolvidos ao final do cruzeiro. Chegamos às 11 horas, embarcamos às 15:30 horas, sem almoço e muito mal-humorados.

Sou uma fã incondicional de cruzeiros, já tendo realizado alguns, ao longo da vida. Portanto, sei como funcionam, o entretenimento que proporcionam aos hóspedes, a bordo, assim como adoro a sensação de liberdade de descer em cada porto e ganhar as ruas daquela cidade, para ao fim do dia, retornar ao navio e seguir viagem até o próximo porto...

Infelizmente, nessa viagem, nada disso aconteceu... Todo esse idílio que descrevi acima faz parte de um passado, que não sei se retornará, um dia. Os shows a bordo foram cancelados, pois não pode haver aglomeração nos teatros do navio. As piscinas, muitas delas estão interditadas, pelo mesmo motivo. O SPA não possui mais a possibilidade de relaxamento nas piscinas cobertas e aquecidas, ou na sauna, também em decorrência do perigo de contágio. As mesas do jantar estão separadas a uma razoável distância, e são para duas pessoas cada, justamente para que não haja aproximação e confraternizações sem máscaras, durante as refeições.

Então, restou-nos descer em cada porto e maravilhar-nos com cada cidade! Sinto informar que não. Para sair do navio, era necessário o agendamento de excursão, com número limitado de pessoas, só podendo cada hóspede descer em terra firme, se acompanhado pelo guia de turismo correspondente, com teste de covid e cartela de vacinação em mãos, tendo sido as paradas no Bahrein e na Arábia Saudita canceladas, por critérios sanitários.

Em Abu Dhabi, pudemos conhecer a mesquita e fazer um tour panorâmico pela cidade, dentro do ônibus. O passeio ao Parque da Ferrari foi cancelado. Em Doha, a excursão foi encurtada em 2 horas, e não foi permitido descer para fotos em diversos pontos, havendo apenas o passeio de ônibus, com explicações por parte do guia. Era necessário preencher critérios sanitários para aderir à excursão, os quais eram respondidos no site etheraz.com, cuja multa por descumprimento de qualquer deles era de mil euros.

Questionei ao guia, muito simpático, qual a razão de tantas proibições. Ele disse-me que o número de casos de ômicron disparou, no último mês, o que fez com que o Qatar preferisse restringir turistas agora, a ter que cancelar a Copa do Mundo, que acontecerá no fim do ano por lá. Argumentei que se os casos explodirem, será preciso adiar a competição. Ao que este olhou-me, sorriu e respondeu: “A senhora acha que, com os milhões que a Fifa investiu aqui, e com a cidade transformada em um canteiro de obras, nosso Rei irá adiar a Copa? “. Retratos de uma era...

Quanta frustração! Quantos sonhos acalentados e não vivenciados! Quantas sensações nos foram subtraídas, emoções confiscadas, amizades impedidas, com tantas medidas restritivas! Esse foi o primeiro cruzeiro de que participei, em que não fiz novos amigos, com cada hóspede trancado em sua própria cabine, em seu universo particular de medo e proibições. As pessoas evitavam até mesmo se comunicar!

Essa é a triste constatação do momento que estamos vivendo, em que, em qualquer lugar que se vá, lida-se com hipocrisia, pânico, decisões incompreensíveis, medidas ambivalentes e restrições as quais são de pouca ou nenhuma valia. Que Deus nos proteja e ajude, em um mundo no qual a falta de lógica passou a imperar.


Texto extraído da Tribuna Diária, publicado em 17 de janeiro

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