Superação
Mulheres de Niterói mostram que envelhecer não é sumir
Idosas dão um show e surpreendem até familiares

Elas têm entre 66 e 78 anos e estão em plena reinvenção. Sete mulheres idosas estão prestes a transformar o palco de um teatro em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, em resistência, poesia e riso neste fim de ano. No Dia Internacional do Idoso, comemorado nesta quarta-feira (1º), elas falam sobre liberdade ao ENFOCO.
Após décadas em silêncio social, algumas sem sair para uma festa com amigas há mais de 40 anos, 'as meninas' agora se preparam para estrear “Sou Invisível?”, espetáculo aberto ao público que nasce do Teatro Terapêutico da Melhor Idade, projeto criado pelo psicólogo, produtor cultural e diretor geral Aldo Frey, de 32 anos. O local da apresentação, porém, ainda é segredo.
O teatro mexe com a mente, mexe com o corpo, e eu nunca tinha tido nenhuma experiência assim. Estou conseguindo gravar as falas, as músicas, e estou amando. Estou doida para que chegue logo o dia da apresentação
Mais que uma peça, trata-se de uma experiência de cura coletiva e um grito de pertencimento. E o grupo já sonha em percorrer o Brasil com a montagem, levando na bagagem a mensagem de que envelhecer não é desaparecer.
'Bonde pesadão'
Em “Sou Invisível?”, as sete atrizes: Célia Maria (78 anos), Claudia Márcia (66 anos), Juséia Corrêa (66 anos), Maria Alice Corrêa (69 anos), Maria Ruth Demori (78 anos), Márcia Jotha (71 anos) e Paraguaçu Velasco (69 anos), declaram em conjunto que não aceitarão ser apagadas. A proposta é clara: provocar risos, lágrimas e reflexões, revelando que a vontade de viver não envelhece.
Essa produção é mais do que uma apresentação teatral: é um gesto simbólico e político de retomada da voz, de reconstrução da identidade e de recusa à invisibilidade imposta pela sociedade etarista

O projeto nada mais é do que uma oficina voltada à terceira idade. Também é chamado de atividade terapêutica, tendo o teatro como ferramenta. E não se trata de algo meramente técnico: o processo é tão importante quanto o resultado.
“Nosso foco principal não é na apresentação, e sim no processo individual de cada participante. O interessante é que o desenvolvimento transborda muito além do aspecto artístico. Já tivemos idosas que estavam há 40 anos sem sair para se divertir com amigas, ou que enfrentaram depressão. Tudo isso foi, e ainda está sendo lapidado através do teatro terapêutico, de forma lúdica”, explica Aldo Frey.
Do medo à liberdade no palco

O começo não foi fácil. Desde o primeiro encontro, as sete participantes demonstraram grande apreensão em pensar na possibilidade de se apresentar em um palco, com diversos desconhecidos olhando fixamente para elas, lembra o diretor Aldo Frey. Mas o receio deu lugar a descobertas: aprenderam a decorar textos, projetar a voz, se posicionar em cena. E, acima de tudo, a se reconhecer fortes e capazes.
"Foi uma transformação enorme na minha vida. Me sinto outra pessoa. O Aldo tem um feeling de como atender, como ouvir. Isso ajudou bastante. A gente se senta a deusa. Eu comecei a me amar mais, ir no cabeleireiro, me arrumar melhor. E o meu marido ele mudou junto. Foi muito interessante", conta Paraguaçu Velasco.
Esse processo é chamado por Aldo de “cereja do bolo”: a apresentação é apenas a consequência de um caminho já vitorioso.
"Quando elas compreendem que a apresentação é apenas a cereja do bolo, o peso diminui, elas ficam mais leves, e a cereja apresenta todo seu resplendor", celebra.
De onde veio a ideia?

A trajetória de Aldo com o teatro não começou nos palcos, mas em sua própria família. Ele recorda com carinho a avó paterna, Lilia Frey, que todos os anos vestia-se de Vovó Noel e fazia do Natal um momento de pura fantasia.
“Naqueles momentos ela não era mais a Dona Lilia com questões de saúde, e sim a Vovó Noel, pronta para inundar a família com seu amor e carinho”, conta. Essa memória deixou claro para ele que o teatro é capaz de devolver frescor e vitalidade, mesmo em idades mais avançadas.
Formado em psicologia, Aldo fundou o grupo Vozes da Diversidade, que já atua em instituições como a APAE de Niterói, a Escola Especial Crescer e o Instituto Priorit, além de oficinas em escolas municipais.
Impactos que transbordam para a vida

Os ganhos emocionais são palpáveis nas vidas de todas as participantes do projeto.
“O aumento da autoestima é o efeito mais bonito de se observar. Elas deixaram de dizer ‘eu não posso por causa da idade’ e estão reconquistando sua liberdade de se expressar, seja no palco ou nas questões do dia-a-dia. É um desabrochar que surpreende elas próprias", afirma Aldo.
Ele conta que muitas vezes escuta frases como: “eu nunca imaginei que estaria fazendo isso”, sempre acompanhadas de gargalhadas libertadoras.
O impacto se estende às famílias, que acompanharam o processo de perto. “No início, muitos parentes não sabiam se as idosas iriam aderir, foi quase um chute no escuro. Mas ao perceberem as transformações, sentiram paz e certeza de que foi uma escolha assertiva”, relata.
O poder da arte de incomodar
Para o diretor, a arte é uma forma de tocar a alma e quebrar preconceitos. Ele cita o psiquiatra Carl Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.
E completa:
“Se um idoso segurar uma placa na rua dizendo ‘minha família não me dá atenção’, isso choca. Mas se a mesma dor é representada em cena, atravessa, incomoda, e esse incômodo gera movimento. É assim que voltamos a enxergar os idosos como seres repletos de desejos e vontade de viver”.
Aldo admite que ainda enfrenta dúvidas quando conta que o espetáculo terá figurinos elaborados, música ao vivo e produção de alto nível.
“As pessoas não acreditam ser possível idosas estarem inseridas em algo tão fenomenal. E particularmente, eu gosto deste ceticismo, pois o impacto será ainda maior quando assistirem ao espetáculo”, diz com entusiasmo.

O futuro já tem destino: a estrada
Após a estreia em Niterói, o grupo planeja seguir em turnê pelo Brasil e, quem sabe, além.
“Queremos mostrar para o mundo a potência dessas atrizes. Somos grandes adeptos da frase ‘sem saber que era impossível, ele foi lá e fez’. Meu passaporte já está preparado para ser carimbado também! Basta recebermos convites”, brinca o diretor.
Mais do que um espetáculo, “Sou Invisível?” quer deixar uma marca de afeto.
“Nosso desejo é que, ao sair do teatro, o público sinta vontade de ligar para os avós, visitar o vizinho idoso, enxergar os mais velhos no ônibus ou na rua. Quem sabe assim conseguiremos fazer com que as pessoas 60+ deixem de ser invisíveis”, conclui Aldo Frey.


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