É crime

Brasil, um país que faz novas vítimas de racismo todos os dias

Especialistas explicam por que o país cultiva preconceito

Maioria dos casos de injúria é relacionada ao preconceito
Maioria dos casos de injúria é relacionada ao preconceito |  Foto: Marcelo Tavares
  

Victor Gomes, Lizandra Sabonha, Laura Brito… Esses são nomes de pessoas que, em pleno 2022, já sofreram com racismo. “Macaquinha”, “Preta safada”, “O povo brasileiro é só branco”, foram algumas das atrocidades que eles escutaram em casos diferentes de injúria racial e racismo. O pior: o Brasil vive isso todos os dias. 

O número de registro de ocorrências relacionadas a injúria racial vem aumentando nos últimos anos, segundo o sociólogo Eduardo Beniacar. Dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP) mostram que o estado registrou 1.365 ocorrências de injúria por preconceito em 2021. A maior parte das vítimas (1.036) é negra, sendo 56% mulheres. 

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"A emergência e a consolidação de uma força política reacionária que ocupa hoje o país não apenas nega o passado escravista do Brasil, como usa como ferramenta de mobilização política o ataque aberto e sistemático aos negros e negras", explicou Beniacar.

Em contraponto, Eduardo acredita que as pessoas estão lutando mais contra esse crime. 

"Por um lado, uma parcela importante da sociedade não aceita mais ouvir calado injúrias e ofensas que em outros tempos ocorriam, mas sequer eram registradas. De outro, há uma parcela extremamente radicalizada da ultradireita que organiza práticas racistas inclusive para fins eleitorais. Crescem os casos de racismo por um lado e por outro também cresce a reação antirracista em forma de denúncias, queixas-crime e atos nas ruas e nas redes", complementou.

Injúria Racial x Racismo

Punho para o alto virou gesto de luta contra os racistas
Punho para o alto virou gesto de luta contra os racistas |  Foto: Marcelo Tavares
  

Os crimes de injúria racial e racismo possuem algumas diferenças e equiparações, conforme explica o advogado criminal Gustavo Barcellos.

A injúria corresponde ao artigo 140 do Código Penal. Se o acusado realizar ofensas referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, pode cumprir uma pena de um a três anos, além de multa. A injúria racial está associada ao uso de palavras depreciativas que se referem à raça ou cor de alguém com o objetivo de ofender a honra de vítimas dentro de um grupo.

Quando a ofensa atinge uma conduta discriminatória a um determinado grupo ou coletividade, ela se enquadra no crime de racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989. De acordo com a legislação, recusar ou impedir acesso de pessoas a estabelecimentos comerciais, negar empregos em empresas privadas, recusar a inscrição de alunos, promover e praticar a discriminação contra raças e religiões, são situações que correspondem ao crime de racismo, com a pena variando entre um a três anos, podendo ou não haver uma multa.

"A ofensa, no racismo, não está direcionada a um grupo determinado de pessoas, e sim a toda uma etnia, raça, cor, religião e etc. Ao ler o artigo, é possível observar a ausência do verbo injuriar (que se apenas se aplica a pessoas determinadas), e a presença dos verbos praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito", conta o advogado.

O crime de racismo não permite que o acusado pague fiança para ser liberto e também é imprescritível, ou seja, não limita um prazo para punir o autor do crime, fazendo com que o Estado não perca o direito de punir por causa do tempo de julgamento. Em outubro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu equiparar a injúria racial com o racismo em relação à imprescritibilidade. No entanto, quem for acusado de injúria ainda pode pagar fiança e responder em liberdade.

Pelo princípio da Separação dos Poderes, não há uma lei que vincule o Executivo a seguir a orientação dos tribunais superiores. O que está na lei é que a injúria racial é suscetível de fiança. Gustavo Barcellos, Advogado Criminal
  

Relembre os casos recentes

O estudante de odontologia Victor Gomes, de 21 anos, alegou ter sofrido racismo dentro de um supermercado em Itaipu, na Região Oceânica de Niterói, no último dia 19. De acordo com o relato, uma mulher afirmou que “o povo brasileiro é só branco”.

"A senhora passou e começou a falar comigo afirmando que eu era africano, nigeriano, que eu dessa cor não poderia ser brasileiro. Eu me senti um nada. Não pedi a opinião dela de nada", contou a vítima ao ENFOCO.

Já Lizandra Sabonha denunciou que uma cliente do restaurante em que ela trabalha, em Botafogo, Zona Sul do Rio, a chamou de “Macaquinha”, quando a funcionária almoçava. A acusada teria ficado indignada por ver Lizandra almoçando antes dela. O caso, que aconteceu no dia18 deste mês, foi registrado na 10ª DP (Botafogo), mas a mulher foi até a 12ª DP (Copacabana), pagou uma fiança de R$ 2 mil e foi liberada.

Na quarta-feira (21), a atendente Laura Brito também foi vítima de injúria racial. Desta vez, a mulher estava querendo comprar um anel para o marido em uma loja de bijuteria em Copacabana, Zona Sul do Rio, quando a dona do estabelecimento, identificada como Li Chen, realizou ofensas a chamando de “Preta safada”, “Macaca”, “Neguinha”, além de expulsar a cliente da loja a forças.

“Me deu dois tapas no braço, pegou a cestinha que estava na minha mão com o meu celular e outras bijuterias, tirou a cestinha de mim, tacou o meu celular no chão. Eu fui saindo da loja pedindo socorro, catando as minhas coisas no chão e ela me ofendendo”, disse Laura.

A Polícia Militar foi acionada e encaminhou a acusada até a 12ª DP (Copacabana), onde Li Chen pagou uma fiança de R$ 1,5 mil para responder em liberdade.

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