Luta pela vida
Paciente descobre câncer e hospital de Niterói pede prazo de até 2 anos para tratamento
Laudo aponta risco de morte devido o avanço do tumor

O diagnóstico de câncer no aposentado Joaquim Mendes, de 66 anos, veio neste mês de agosto, trazendo mais incertezas do que respostas para ele e a família. Após meses de exames e consultas, o aguardado resultado, que deveria abrir caminho para o início imediato do tratamento, apenas confirmou o que já parecia evidente: a luta pela vida ainda seria marcada por uma longa fila e prazos que ultrapassam qualquer expectativa de quem enfrenta uma doença grave.
Desde abril, quando uma tomografia apontou uma 'massa' no pulmão, a rotina de Joaquim se transformou em peregrinação por atendimento. As dores, o cansaço e o medo caminharam lado a lado, além da sensação de impotência. Para o filho dele, Ricardo Nery, de 40 anos, o sentimento é de urgência diante de um sistema que não acompanha o ritmo da doença.
"Ele teve acesso ao exame, mas não ao tratamento. De que adianta saber o que ele tem se não consegue tratar? Nosso medo é não dar tempo", lamenta.
O procedimento que confirmou a gravidade do quadro foi realizado em agosto no Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, na Região Metropolitana do Rio. A unidade é a única do Leste Fluminense com tecnologia para a criobiópsia pulmonar, exame que permite resultados mais precisos e menos invasivos. No entanto, o avanço tecnológico não se traduziu em agilidade: a fila para iniciar o tratamento pode chegar a dois anos, segundo relatado pelo paciente.
Corrida contra o tempo
O caso de Joaquim começou a ganhar contornos dramáticos em abril, quando um exame no Hospital Municipal Carlos Tortelly, também em Niterói, revelou a massa pulmonar. Para chegar ao exame especializado no Antônio Pedro, a família recorreu à Defensoria da União, que abriu um processo devido ao risco de morte do paciente.
"Tivemos que lutar muito para conseguir esse exame. Mesmo com laudo de urgência, a espera foi enorme", reclama Ricardo.
Criobiópsia
A procedimento de criobiópsia confirmou que o câncer havia se espalhado. Nesse período, o tumor cresceu e passou a comprimir a veia cava, principal do coração: "Ele tem sentido muito mal. Se a veia cava fechar, ele pode morrer", desabafa o filho.
O tempo está contra a gente
Apesar da gravidade, ao procurar o setor de oncologia do hospital, o filho do paciente recebeu a notícia de que não havia vaga.
"Achei que ele faria tudo ali, já que era paciente da casa. Mas a funcionária disse que só teria agenda daqui a dois anos. A orientação foi voltar para a regulação", disse.
Tecnologia e gargalos do SUS
A criobiópsia, que utiliza congelamento para extrair amostras de tecido, representa um avanço importante na rede pública. Mas, para pacientes como Joaquim, o benefício do diagnóstico preciso é ofuscado pela falta de leitos e profissionais especializados para tratar os casos detectados.
"A gente fica sem chão. Só queremos que ele tenha uma qualidade de vida melhor", desabafa.
A família afirma ainda estar disposta a buscar atendimento em outras unidades, como o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e hospitais estaduais. Enquanto isso, Joaquim permanece em casa, aguardando por uma vaga.
O que diz a Lei?
A Lei 12.732/2012 garante que pacientes com câncer comecem o tratamento pelo Sistema Único de Saúde em até 60 dias após o diagnóstico. O prazo vale para qualquer tipo de tratamento indicado, cirurgia, quimioterapia ou radioterapia, e tem como objetivo aumentar as chances de cura e controle da doença.
No caso de Joaquim, quatro meses se passaram desde a primeira suspeita, e a previsão para início do tratamento continua incerta.
Apesar disso, filas de regulação, escassez de leitos e falta de profissionais fazem com que muitos pacientes esperem meses, ou até anos, pelo tratamento. Em diversos casos, famílias acabam recorrendo à Justiça para tentar garantir atendimento dentro do prazo previsto em lei.
Espera em números
Dados recentes do Observatório de Oncologia revelam que a espera por tratamento oncológico no SUS ainda é um desafio em várias regiões do país. Em São Paulo, pacientes com câncer aguardam, em média, 161 dias, cerca de cinco meses, para realizar cirurgias oncológicas, muito acima do prazo legal de 60 dias, e em março de 2025 havia 2.579 procedimentos na fila.
Para pacientes com câncer de colo de útero que necessitam de radioterapia, a situação também é preocupante: a mediana de espera é de 117 dias, e 80,5% das pacientes iniciaram o tratamento após os 60 dias previstos em lei.
No SUS, o tempo médio de espera para cirurgia geral em 2024 foi de 52 dias, recorde na série histórica, enquanto em 2019 era de apenas 31 dias, segundo dados do Instituto Oncoguia.
O que diz o Huap
Em nota, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), responsável pela administração do Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap), não esclareceu os motivos do atraso para iniciar o tratamento do paciente e nem quando o tratamento será iniciado. Explicou somente como é o trâmite burocrático da saúde pública.
"O Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap-UFF), vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) informa que recebe pacientes tanto pela Regulação Municipal, quanto pela Regulação Estadual. Quando há uma suspeita de câncer, o paciente procura inicialmente uma Unidade Básica de Saúde (UBS), onde são solicitados exames complementares (de imagem, laboratoriais e/ou biópsia) para confirmar ou descartar a doença. O Huap realiza esta etapa diagnóstica na Região Metropolitana II, através da Regulação Municipal.
Após laudo anatomopatológico positivo, o caso passa a ser oficialmente considerado oncológico no Sistema Único de Saúde (SUS) e será encaminhado à fase seguinte, através da Regulação Estadual, que encaminha o paciente para um dos centros de referência em oncologia através de agendamento de consulta para início do tratamento".


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