Segurança pública
Operação na Vila Cruzeiro é a 2ª mais letal em cerca de um ano
No ano passado, 28 pessoas morreram numa ação no Jacarezinho
A operação policial conjunta que resultou em, ao menos, 24 mortos na Vila Cruzeiro, Zona Norte do Rio, nesta terça-feira (24), foi criticada por entidades de defesa dos direitos humanos. Esta já é considerada a segunda operação mais letal no Rio, na história recente. A ação desta terça fica atrás apenas da Chacina do Jacarezinho, que deixou 28 mortos no ano passado.
O objetivo da ação, segundo a PM, era de prender lideranças criminosas escondidas na comunidade. De acordo com a Polícia Militar, a maioria dos mortos era de suspeitos.
Uma moradora perdeu a vida após ser atingida por bala perdida dentro de casa. A cabeleireira Gabriele Ferreira da Cunha, de 41 anos, residia na Chatuba, região próxima da Vila Cruzeiro.
Com ela, já são 45 pessoas vítimas de bala perdida no Grande Rio em 2022. Destas, oito morreram, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado.
A presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, Dani Monteiro (Psol), diz ser contra a atual política de segurança do governo Claudio Castro (PL).
Reiteramos com veemência que somos contrários à política estadual de “mirar na cabecinha”, tendo como alvo populações vulneráveis que não têm o devido direito à presunção da inocência resguardado
A parlamentar lembra que no Brasil não há pena de morte instituída.
"Mas, na prática, é o que vem prevalecendo, principalmente nos territórios mais pobres. Até quando? [...] A dor imensa também é nossa. Que o Rio de Janeiro se una contra a barbárie", pontuou.
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Uma reunião do comitê acontece na manhã desta quarta (25) para organizar o balanço dos atendimentos prestados pela equipe da Comissão de Direitos Humanos no dia da operação e quais medidas são possíveis na esfera institucional.
Os territórios atingidos na Vila Cruzeiro foram visitados pela equipe chefiada por Dani Monteiro, nesta terça, com objetivo de prestar atendimento e amparo às famílias impactadas.
"Fomos a hospitais, constatamos os danos causados por escolas impedidas de funcionar. Na esfera institucional, encaminhamos ofícios aos órgãos responsáveis para buscar respostas sobre as motivações e o planejamento da ação, considerando que estamos ainda sob vigência da ADFP 635 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635)", pontua.
A ADFP 635, citada pela parlamentar, é aquela que suspendeu as operações policiais no Estado do Rio durante a pandemia de Covid-19, especialmente nos perímetros nos quais estejam localizadas escolas, creches, hospitais ou postos de saúde.
Somente neste ano, 21 chacinas ocorreram na Região Metropolitana, deixando ao menos 98 mortos. Somente em operações policiais, foram 16 chacinas, que deixaram 82 mortos. As informação são do Instituto Fogo Cruzado.
De acordo com a plataforma, essa é a segunda operação policial na Vila Cruzeiro com grande número de mortos em menos de quatro meses. No dia 11 de fevereiro, uma operação conjunta da Polícia Rodoviária Federal (PRF) com a Polícia Militar terminou com nove mortos.
O Complexo da Penha, que ainda possui uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), fica em segundo lugar, atrás do Complexo do Salgueiro e ao lado do Complexo da Maré e da Cidade de Deus, com o maior número de chacinas (8) do Grande Rio nos últimos seis anos.
Integrantes da Ouvidoria e do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Rio (DPRJ) disseram ao ENFOCO que estiveram no local apurando os relatos dos moradores e em seguida, enviaram um ofício às autoridades competentes em busca de informações sobre a motivação da operação policial que aconteceu na comunidade.
No documento, encaminhado ao comandante do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio, a instituição questiona os motivos excepcionais para a realização da operação, tendo em vista decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 635, citada pela deputada Dani Monteiro.
No texto do ofício, a DPRJ também solicita o envio da cópia da ordem da missão, a indicação da autoridade que determinou/autorizou a operação, assim como as informações sobre as pessoas vitimadas.
A Ouvidoria e o Nudedh receberam diversos relatos de moradores pedindo socorro. O sentimento era de desespero, angústia e muito medo no local, conforme pontuaram os integrantes.
Escolas, aparelhos públicos em geral e comércio ficaram fechados ao longo do dia. Integrantes de ambos os órgãos estiveram no território e tentaram diálogo com as forças de segurança para cessar fogo, o que não ocorreu, disseram.
"Fomos cedo até o Complexo da Penha e constatamos uma situação de conflagração e comoção social com fechamento das escolas, postos de saúde e comércio locais. Conversamos com os moradores, que estavam abalados com o grande número de mortos. Alguns corpos foram transportados por familiares e os vimos deixando a comunidade. A operação policial seguiu até o final da tarde, com elevado número de mortos e feridos", relatou a defensora do Nudedh, Maria Julia Miranda.
Maria Julia explica, ainda, que a instituição entrou em contato com os controles interno e externos das polícias para tentar uma incursão para retiradas dos feridos, mas foi sem sucesso.
"O respaldo legal para a operação não foi informado de modo claro. Há elementos que indicam uso excessivo da força policial, resultando em um elevando número de mortes", continuou.
Para o ouvidor Guilherme Pimentel, a operação desta terça (24) representou uma "caçada humana".
"É mais uma dessas operações de caçada humana, que não resolvem nada do ponto de vista da segurança pública e que na verdade traz mais problemas, uma vez que as famílias das vítimas ficam nesse fogo cruzado e se sentindo inseguras dentro das suas próprias casas, sem poder trabalhar, sem poder estudar, sem acessar a saúde. Esse tipo de operação, que não seria naturalizada nos bairros nobres da cidades, jamais poderia ser naturalizado dentro das favelas. O nosso foco agora é o acolhimento das famílias das vítimas e a garantia do acesso jurídico", finaliza.
O Ministério Público do Rio disse que instaurou um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) para apurar as circunstâncias das mortes ocorridas durante a operação policial.
O PIC determina que o comando do Batalhão de Operações Especiais (Bope) envie, em um prazo máximo de dez dias, o procedimento de averiguação sumária dos fatos ocorridos durante a operação.
Devem ser ouvidos todos os policiais militares envolvidos e indicados os agentes responsáveis pelas mortes, além de esclarecer sobre a licitude de cada uma das ações letais.
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