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    Pressão!

    Geração esgotada: jovens de Niterói e SG vivem com sobrecarga

    Personagem Stephany, da novela Dona de Mim, retrata a questão

    Publicado 10/08/2025 às 10:01 | Autor: Ezequiel Manhães
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    Stephany (Nikolly Fernandes) em Dona de Mim
    Stephany (Nikolly Fernandes) em Dona de Mim |  Foto: Divulgação / Globo / Manoella Mello

    A pressão para concluir a faculdade, enquanto divide a responsabilidade de trabalhar e ajudar no sustento da casa, além da sobrecarga emocional, atingem a personagem Stephany (Nikolly Fernandes), da novela Dona de Mim (TV Globo), mas também jovens da Baixada Fluminense e Região Metropolitana do Rio de Janeiro, ouvidos pelo ENFOCO.

    Estudo feito em parceria com o Departamento de Métodos Estatísticos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2018, ouviu mil jovens em Niterói e São Gonçalo. Sob supervisão da professora e doutora em Estatística Marina Silva Paez, o levantamento identificou correlações significativas entre fatores como raça, renda, estudo, trabalho, tarefas domésticas. O público ouvido tem entre 15 e 29 anos.

    Binho Guimarães, presidente da Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia e Formação Profissional da Câmara de Niterói argumenta o fator da pesquisa mostrar que muitos jovens enfrentam vínculos de trabalho informal e carga excessiva de cuidados familiares, especialmente os de famílias negras e de baixa renda.

    Fonte: Incidência do Racismo sobre a Empregabilidade da Juventude em Niterói e São Gonçalo (2018)
    Fonte: Incidência do Racismo sobre a Empregabilidade da Juventude em Niterói e São Gonçalo (2018) |  Foto: Reprodução

    "Esses dados confirmam que um percentual expressivo de jovens niteroienses, especialmente negros, de famílias de renda mais baixa, enfrenta a necessidade de conciliar escola, emprego e cuidados familiares, o que justifica as políticas públicas e leis que pautamos na Comissão", diz o vereador.

    Na trama do plim-plim, Stephany, universitária de Enfermagem, recebe diagnóstico de burnout (distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico) após uma consulta com psiquiatra do SUS. Ela desabafa:

    “Achava que só quem trabalhava tinha burnout, mas a médica explicou que a rotina acadêmica também pode adoecer”.

    A personagem chega a pensar em trancar matérias para cuidar da saúde mental, atitude destacada sem tabu, mostrando o valor da busca por ajuda médica e o atendimento público de saúde.

    Parte da novela das 7 da Globo retrata uma juventude sobrecarregada, pressionada a dar conta de tudo, e que muitas vezes adoece em silêncio.

    Aspas da citação
    A sobrecarga de responsabilidade em jovens traz impactos negativos em várias áreas da vida, principalmente para a saúde mental. Entre as principais consequências estão o aumento da ansiedade e estresse, causando uma preocupação excessiva com o trabalho, o desempenho, as relações sociais, as finanças e uma experiência negativa com relação à vida adulta.
    Fernanda Souza, psicóloga
    Aspas da citação

    Realidade de jovens multitarefas

    Jovens vivem rotina árdua entre estudos e trabalho
    Jovens vivem rotina árdua entre estudos e trabalho |  Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil

    Esse é o caso de Thatiana Santos Mendes da Silva, 25 anos, assistente social e moradora de São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Atualmente, ela cursa mestrado na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, e precisa equilibrar estudo, trabalho e responsabilidades em casa.

    “Minha rotina começa às 6h. Trabalho até 17h, enfrento mais de 1h30 de transporte, chego em casa às 18h30 e tento produzir o que dá. Só descanso de verdade no fim de semana, e ainda assim escrevo minha dissertação”.

    Durante a graduação na UFRJ, finalizada em 2023, ela enfrentava 2h30 de deslocamento. Mesmo com o cansaço extremo, o sentimento de responsabilidade a impedia de parar:

    “Sou mulher preta, vista como forte. Isso gera uma cobrança interna: sempre acho que tenho que dar conta, mesmo esgotada”.

    Ela relata por vezes viver em “modo automático” e destaca o impacto disso na saúde mental: “É um processo que nos adoece e desumaniza. Ninguém quer viver no automático”.

    Desafios

    Letícia Santana Silveira, de 20 anos, moradora do bairro Laranjal, em São Gonçalo, é estudante de Processos Gerenciais com ênfase em Empreendedorismo na UFF.  

    Ela conta que só consegue descansar durante as férias da faculdade. Fora disso, “é aquele descanso que não é tão descanso assim”, já que cuida da casa com o irmão desde que perderam a mãe em 2023.

    Ela estagia e mantém uma rotina rígida para dar conta das tarefas, mesmo quando está esgotada: Durante o período letivo, a faculdade acaba sendo deixada em segundo plano:

    “Sinto que nem sempre consigo dar o meu melhor por falta de tempo... confio mais em prestar atenção nas aulas do que estudar depois.”

    Ansiedade e resistência

    A mestranda Thatiana Santos desenvolveu ansiedade ao longo da vida e hoje faz terapia:

    “Sempre estou projetando algo por medo da incerteza, de não conseguir. Na graduação, já pensei em desistir, mas procurei me identificar com pessoas, grupos de pesquisa, ensino e extensão que me fizessem pertencer”.

    Ela também ajuda nas despesas de casa e sente que carrega uma responsabilidade diferente de outros jovens:

    Aspas da citação
    Moro na periferia. Não é a mesma realidade de uma mulher branca da zona sul
    Thatiana Santos, mestranda na UFF
    Aspas da citação

    Para ela, o mínimo esperado é que a sociedade tenha um olhar mais empático e consciente.

    Cuide-se

    Pressão social contribui para desenvolvimento de doenças mentais, segundo especialistas
    Pressão social contribui para desenvolvimento de doenças mentais, segundo especialistas |  Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

    A psicóloga Fernanda de Souza Rocha destaca ao ENFOCO que há um aumento significativo nos casos de ansiedade e burnout entre adolescentes e universitários, causado principalmente pela pressão social e interna para dar conta de tudo.

    "A pressão interna gera cobranças excessivas, aumentando os níveis de ansiedade, estresse, irritação, cansaço e isolamento social, que podem levar a uma estafa mental, impedindo os jovens de realizarem suas atividades do dia a dia.”

    Com base em atendimentos no consultório, a neuropsicóloga e especialista em relacionamentos Larissa Toledo também destaca o cenário preocupante:

    "Se compararmos com os jovens das décadas de 80 e 90, vemos que esse aumento [de ansiedade e burnout] é considerável", pontua.

    Toledo orienta pais e educadores a ficarem atentos a sinais de alerta, como “irritabilidade, dificuldade em socializar, tendência ao isolamento, insônia, excesso ou falta de apetite", além de buscar ajuda médica.

    Procurada, a UFF disse à reportagem que o tratamento de questões associadas à saúde dos estudantes é realizado institucionalmente por meio da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Proaes), por meio da Divisão de Atenção à Saúde do Estudante (Dase), que oferece serviço de escuta psicologia pontual, atendimento de psiquiatria, e rodas de conversa e atividades de práticas integrativas complementares em saúde e bem-estar aos estudantes.

    Outras ações

    Sobre dados ou estudos de alunos que trabalham e estudam ao mesmo tempo, a universidade informa que os registros acadêmicos centralizados de estudantes de cursos de graduação não dispõem de informações sobre exercício de atividade laboral.

    "A universidade dispõe de alguns dados socioeconômicos de seus estudantes que recebem bolsa e declaram fonte de renda, mas não os correlaciona com exercício profissional", explica.

    Além das ações institucionais de serviços e atendimentos, a UFF também dispõe de diversos programas de apoio pecuniário à permanência estudantil. Mais informações podem ser encontradas no site.

    Além do mais, a UFF também destaca que os planos de estudos são elaborados pelos estudantes, observando a matriz curricular dos cursos e o quadro de horários previsto para cada período letivo. Os prazos previstos e máximos para integralização dos cursos são indicados nos Projetos Pedagógicos e nos currículos dos cursos, sendo possível prorrogação mediante avaliação dos Colegiados de Curso.

    Juventude resiliente, mas exausta

    Em cidades como Niterói, São Gonçalo, Maricá e Itaboraí, o contraste entre oportunidades e desigualdades também revela uma juventude multitarefa.

    Letícia Santana, a jovem que cursa Processos Gerenciais na UFF, sente que a pressão por um futuro garantido rouba o presente: “A minha mente fica o tempo todo com medo de nadar e morrer na praia...".

    Mesmo nos momentos de dúvida, ela encontra força na memória da mãe. "Isso dá um gás a mais.” Ela recebe pensão desde a perda da mãe e com esse valor cobre as despesas da casa:

    “Mas já acaba ano que vem. Isso tem sido o principal motivo da minha ansiedade... medo de não conseguir ganhar bem até lá e sofrer com falta de itens dentro de casa. Sei que minha família não deixaria isso acontecer, mas não seria uma situação confortável de passar".

    Letícia sente o peso de uma responsabilidade que muitos da sua idade não enfrentam:

    "Eu queria poder acordar qualquer hora aos domingos e ficar o dia todo sem me preocupar com almoço, roupa lavada, conta para pagar e todas essas questões".

    Ela pede mais empatia:

    “Muita gente que me vê na rua não sabe como é minha rotina... muitas vezes eu trabalho pensando que um 6 na minha média poderia pelo menos ser um 8, mas eu mal tive tempo de estudar para a prova. Acho que hoje em dia, por mais que seja um tema muito falado, empatia, as pessoas esquecem de praticar.”

    Políticas públicas

    Niterói

    A Comissão de Educação da Câmara de Niterói reconhece os desafios da juventude multitarefa e aponta ações em curso na cidade:

    Aspas da citação
    Entendemos que a rigidez da carga horária tradicional muitas vezes inviabiliza a permanência dos jovens multitarefa: que estudam, trabalham e ainda têm que contribuir com responsabilidades em casa [...] Estamos em articulação com as instituições de ensino para pensar modelos híbridos, modulares e com maior flexibilidade, inclusive aproveitando os avanços da tecnologia e a experiência do ensino remoto durante a pandemia. Além disso, temos buscado incentivar a continuidade dos estudos por meio da qualificação técnica e universitária
    Binho Guimarães, vereador
    Aspas da citação

    A Prefeitura de Niterói destaca que tem uma série de programas voltados para os jovens:

    - Aluguel Universitário: são mil bolsas para quem faz faculdade na cidade, seja pública ou privada.

    - Niterói Jovem Ecosocial: o projeto oferece cursos como padeiro, eletricista, programador, marketing digital, mecânico de motos, e muito mais, com bolsa de até R$700.

    - Moeda Social Arariboia: são mais de 54 mil famílias beneficiadas, com valores que podem chegar até 823 Arariboias por mês (mais de R$ 800). O crédito só pode ser usado no comércio local, ajudando também a movimentar a economia.

    - Aprova Jovem: a Prefeitura oferece um pré-vestibular gratuito em parceria com a plataforma Descomplica. São 500 bolsas para jovens de 16 a 29 anos.

    - Educação de Jovens e Adultos (EJA): para quem não conseguiu terminar os estudos na idade certa. Há ofertas de aulas à noite para jovens a partir dos 15 anos.

    - Saúde Mental: o CAPSi Niterói atende jovens de até 18 anos com apoio psicológico gratuito e acompanhamento contínuo. São cerca de 80 atendimentos por dia.

    - Banco de Oportunidades: site e app conectam jovens de Niterói a vagas reais. Também rolam cursos e oficinas pra te preparar pro mercado.

    - Poupança Escola: estudantes do 6º ano até o 3º do ensino médio podem acumular quase R$ 7 mil até o fim dos estudos, com bônus de R$ 400 pra quem faz o Enem.

    - Território da Juventude: oficinas de teatro, cinema, arte, história, vídeo com celular, e muito mais. Jovens selecionados recebem R$ 750 por mês durante até 10 meses, pagos em Arariboias, e participam de atividades culturais e educativas.

    - Agentes pela Cidadania: universitário pode ganhar R$ 600 mensais dando oficinas de reforço escolar, línguas e outras áreas, enquanto ajuda quem mais precisa.

    Ações em outras cidades

    São Gonçalo

    - Educação de Jovens e Adultos (EJA): com aulas à noite.

    - Disciplina de Orientação Profissional: integra o currículo escolar e auxilia o jovem e o adulto na escolha, desenvolvimento ou transição de carreira.

    - Programa Saúde na Escola (PSE): oferece suporte psicológico via postos de saúde.

    - Psicólogos nas Unidades Básicas de Saúde através da equipe eMulti.

    - Programa Oportunidades (com o Sine): oferece vagas de emprego duas vezes ao mês.

    - Parceria com Firjan/Senai até 2027: 2 mil vagas gratuitas em cursos profissionalizantes.

    Itaboraí

    - Parceria com Instituto Federal Fluminense (IFF): para cursos gratuitos voltados a alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

    - Parcerias com UFF e UERJ: para formação continuada de profissionais escolares.

    - Saúde Mental: 14 psicólogos concursados atuando diretamente na rede municipal; articulação com Saúde Mental, Desenvolvimento Social, Conselho Tutelar e Conselhos de Direitos para ampliar a efetividade das ações voltadas à juventude.

    - Núcleo de Atendimento Psicopedagógico (NAPEM): oferece atendimentos especializados e suporte às famílias.

    - Orientação profissional: psicólogos aptos para ajudar estudantes a construir projetos de vida e se inserir no mercado de trabalho de forma consciente.

    - Programa Ajus (Ausência Justificada com Critérios de acordo com a Resolução CME n° 01/2022): permite justificar faltas por trabalho com atividades compensatórias domiciliares.

    - Moeda social Pedra Bonita: auxilia famílias em vulnerabilidade e fortalece o comércio local.

    - Parceria com Firjan: oferece até 2027 vagas gratuitas em diversas áreas (Inscrições no Sine de Itaboraí (Rua José Leandro, nº 47, Centro).

    - Sine de Itaboraí: Atendimento para encaminhamento a empregos, de segunda a sexta, das 8h às 17h.

    Maricá

    - Campanha “Entre Altos e Baixos, Tamo Junto!”: voltada ao cuidado com a saúde mental de jovens que conciliam estudo, trabalho e família.

    - Passaporte Universitário e Bilhete Único Universitário: garantem acesso e permanência no ensino superior.

    - SINE Maricá e oficinas da SEJUPP: oferecem capacitação, emprego e renda para estudantes multitarefa.

    - Apoio psicológico: por meio do CRAS, CREAS e CAPSi, além de psicólogos escolares e universitários; ações contra evasão escolar em territórios de maior vulnerabilidade.

    - Cursos técnicos gratuitos: com bolsa, auxílio financeiro e alimentação escolar.

    - Programa Renda Básica da Cidadania (RBC): com a Moeda Social Mumbuca.

    - Mumbuca Futuro (estudantes) e Auxílio Cuidar (pessoas com deficiência): aliviam as responsabilidades dos jovens sobre o sustento familiar.

    - Apoio técnico e acadêmico à formação de jovens e educadores da rede pública: parceria da Prefeitura com a Universidade de Vassouras.

    - Articulações com IF-RJ e outras instituições: para ampliar estágios, orientação e suporte psicológico.

    - Plano Municipal da Juventude em construção: para institucionalizar as políticas para jovens.

    - SINE Maricá e Secretaria de Trabalho: oferecem vagas, cursos e orientação profissional.

    - Programa Municipal de Estágios: para estudantes do ensino técnico e superior. Jovens podem se inscrever online ou presencialmente.

    - Empreendedorismo criativo: oficinas e ações com foco em jovens periféricos.

    Ezequiel Manhães

    Ezequiel Manhães

    Redator

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