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    Violência

    Ex-Bope abre o jogo sobre sequestros de ônibus em Niterói e São Gonçalo

    Expert em Segurança Pública chama atos de 'terrorismo urbano'

    Publicado 04/10/2025 às 6:44 | Autor: Enfoco
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    Ônibus é usado para interditar rua em Niterói
    Ônibus é usado para interditar rua em Niterói |  Foto: Reprodução

    Sequestrar ônibus, interditar vias com barricadas em chamas e espalhar o medo em comunidades inteiras não é uma estratégia exclusiva de uma única facção criminosa ao redor do estado do Rio.

    Para o ex-capitão do Bope Paulo Storani, especialista em segurança pública, as ações violentas que têm paralisado partes de Niterói e São Gonçalo são resultado de uma espécie de “efeito manada” dentro do próprio crime organizado. Ou seja: quando uma prática dá certo para uma facção, outras rapidamente a adotam.

    “Na verdade, quando uma facção utilizou e deu certo, a outra passa a utilizar também. Não tenha dúvida disso”, afirmou Storani ao ENFOCO - após os ataques criminosos registrados na Alameda São Boaventura, no Fonseca, Zona Norte de Niterói, na noite da última segunda-feira (29).

    Usando artimanhas similares a de grupos terroristas que atuam na capital, entre agosto e setembro, houve ocorrências de sequestros de ônibus e barricadas em chamas em áreas como Engenhoca, Venda da Cruz, Tenente Jardim, Cubango, Fonseca, Badu, Pita, Amendoeira, Coelho e Vila Candoza, sendo os seis primeiros bairros em Niterói e os quatro últimos em São Gonçalo. 

    Consultor dos filmes Tropa de Elite, o especialista diz que os recentes sequestros de coletivos na Região Metropolitana não representam um novo modus operandi exclusivo de uma facção, mas sim uma tática já conhecida, com objetivos estratégicos claros: desviar o foco de operações policiais, demonstrar força e espalhar o medo entre a população.

    “Essas organizações criminosas que atuam principalmente no narcotráfico se apropriarem de ônibus, incendiarem coletivos... elas têm alguns objetivos: uma estratégia de demonstração de força, de tirar a atenção de operações policiais no local onde ela está ocorrendo ou irá ocorrer”, detalhou Storani, que é mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

    Estratégia de controle social

    Storani reforça que, por trás das barricadas e dos atos violentos, existe um componente mais profundo e perigoso: a tentativa de exercer controle social sobre o território.

    Aspas da citação
    Isso tem um nome. Isso é terrorismo, uma forma de terror urbano. É uma forma de controle, de persuasão, de intimidação. Está crescendo porque vem sendo 'bem-sucedida' nesse sentido
    Paulo Storani, especialista em segurança pública
    Aspas da citação

    Segundo ele, muitos não percebem que os ataques são parte de uma estratégia diversionista para proteger áreas controladas pelo tráfico ou atrapalhar investidas policiais em pontos sensíveis.

    Alameda São Boaventura bloqueada por um coletivo após ação policial
    Alameda São Boaventura bloqueada por um coletivo após ação policial |  Foto: Reprodução

    “Muitas vezes, os criminosos querem desviar a atenção da polícia de um ponto A para um ponto B, onde realmente está o interesse deles, como uma tentativa de invasão de território rival, por exemplo. A polícia hoje precisa estar atenta a isso. Se algo acontece em um ponto, o setor de inteligência já deve monitorar outros pontos que podem estar relacionados. Essa é uma tática diversionista.”

    “Sensação de perder a guerra”

    Para Storani, a crise da segurança pública no Rio não é pontual, mas estrutural. Ele afirma que as polícias estão no limite de sua capacidade operacional e que o Estado brasileiro perdeu a capacidade de conter o avanço do crime, dando o exemplo da ausência de endurecimento da legislação penal.

    "Temos uma sensação nesse momento de que a gente está perdendo a guerra. As polícias já operam em sua capacidade máxima. Não se vê nenhum movimento do governo federal no sentido de intervir, atuando junto ao Legislativo federal, endurecendo norma jurídica [...]".

    Ele diz que o Brasil, proporcionalmente, apresenta um dos maiores contingentes controlados por facções na América Latina.

    "As facções dominam territórios e populações em escala que supera países como México, Colômbia e Venezuela. Minha preocupação é que cheguemos ao ponto de não retorno".

    Colapso anunciado

    O ex-Bope alerta que o sistema de segurança está prestes a colapsar por falta de investimento, baixo efetivo e falta de respaldo jurídico. Ele critica a 'suavidade' do Judiciário com criminosos reincidentes e diz que não há estrutura para sustentar as demandas atuais.

    Ex-capitão do Bope, Paulo Storani trata a tática do tráfico como 'terrorismo'
    Ex-capitão do Bope, Paulo Storani trata a tática do tráfico como 'terrorismo' |  Foto: Divulgação

    "São instituições que estão a beira do colapso, apesar de estarem dando o máximo delas [...] Não há como reverter esse quadro sem um conjunto de ações. E se o sistema de Justiça criminal continua ineficiente, acabamos criando uma demanda recorrente. O sujeito é preso armado, às vezes após cometer um homicídio, e logo é solto. Ele foge, volta a cometer crimes e o problema se repete. Ou seja: não se resolve o problema, e ainda se cria outro".

    O que fazer?

    Para Storani, a resposta do Estado precisa ser integrada, envolvendo ações de inteligência, articulação entre estados e endurecimento das leis. Ele sugere que o crime organizado brasileiro já opera como uma 'organização terrorista transnacional', e deveria ser tratado como tal.

    “O PCC e o CV são organizações transnacionais. Mas ainda tratamos como 'trombadinhas de rua' e a população está pagando o preço. Infelizmente agora São Gonçalo e Niterói".

    Críticas e alerta

    Ele também critica o Ministério da Justiça e Segurança Pública e alega que a pasta tem sido, na prática, pouco efetiva.

    "Não serve pra nada. Só serve pra ocupar espaço, nomear gente. Não se vê nada efetivamente. Esperava alguma coisa da PEC da Segurança Pública. Eu li, reli, analisei aquilo tudo e não produz nada de diferente: a não ser aumentar a responsabilidade da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que eu achei interessante, insere a Guarda Municipal dentro da estrutura policial e mais nada de efetivo. Não vejo tentativa de mudança do tratamento do criminoso, do apenado".

    E conclui com um alerta direto à sociedade:

    “Quando há confronto entre polícia e bandido, a população não está na arquibancada vendo dois times jogando. Tem que tomar partido de quem defende o Estado. Tem que cobrar do governador e dos seus deputados, o presidente da república, uma polícia melhor. Isso é um direito constitucional".

    O que diz a PM

    Questionada sobre a situação em Niterói e São Gonçalo, a Secretaria de Estado de Polícia Militar se limitou a dizer "que segue atuando para garantir a segurança dos usuários e trabalhadores do setor rodoviário em toda a sua área de policiamento, como objetivo de criar estratégias para reforçar a segurança de rodoviários e passageiros".

    A nota continua dizendo que a PM, por meio de seus setores de inteligência, trabalha para obter a identificação dos responsáveis por ordenar e executar as interrupções dos transportes coletivos.

    "A PMERJ reforça ainda a importância da colaboração da população realizando denúncias - o telefone do Disque-Denúncia é (21) 2253-1177 - e acionando nossas equipes pela Central 190 ou via Aplicativo 190. Os registros nas delegacias da Polícia Civil também são essenciais para que os procedimentos investigativos sejam iniciados", pontua.

    A PM informa ainda que a corporação não divulga dados estratégicos, como número de viaturas e efetivo empregado no reforço do policiamento.

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