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    14 anos de dor

    Patrícia Acioli: maioria dos assassinos da 'juíza do povo' já está em casa

    'É a lei, por mais que a gente fique indignado', lamenta primo

    Publicado 17/08/2025 às 7:11 | Autor: Enfoco
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    A juíza Patrícia Acioli tinha grande atuação em São Gonçalo
    A juíza Patrícia Acioli tinha grande atuação em São Gonçalo |  Foto: Reprodução / Redes sociais

    Seis dos onze policiais militares do 7º BPM (São Gonçalo) presos condenados por envolvimento na execução da juíza Patrícia Lourival Acioli, alvejada com 21 tiros na porta de sua casa, na Rua dos Corais, em Piratininga, Niterói, já cumprem pena domiciliar - inclusive o mandante, que na época do crime, chefiava o batalhão. O crime brutal completou 14 anos na última terça-feira (12).

    Dois PMs tiveram o benefício de cumprir pena em casa concedido em abril e maio de 2025. Outros dois cumprem o regime semiaberto em Niterói; enquanto outro segue no regime fechado em Bangu. Um já teve a liberdade condicional ordenada pela Justiça. 

    As informações foram confirmadas pela Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) após pedidos do ENFOCO. Veja lista completa da situação atual dos condenados mais abaixo. 

    Crime aconteceu na Rua dos Corais, em Piratininga, na Região Oceânica de Niterói
    Crime aconteceu na Rua dos Corais, em Piratininga, na Região Oceânica de Niterói |  Foto: Arquivo

    Mesmo após mais de uma década do caso, a ferida ainda não cicatrizou no coração da família:

    Aspas da citação
    É a lei, por mais que a gente fique indignado, ninguém pode ficar preso para sempre. Já se passaram 14 anos. Os principais condenados pegaram 36 anos de prisão por homicídio triplamente qualificado e formação de quadrilha armada. Se imaginarmos que são réus primários, cumprem 2/5 da pena de crime hediondo
    Humberto Nascimento, primo da magistrada
    Aspas da citação

    Alguns dos condenados, mesmo atrás das grades, continuaram recebendo salários da Polícia Militar, ao menos até meados de julho de 2022. 

    Todos os policiais militares envolvidos no caso já foram expulsos da corporação, segundo a Corregedoria Geral da Polícia Militar. O processo que apura o assassinato de Patrícia Acioli é volumoso, com mais de 5 mil páginas.

    O despacho da juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce dos Santos, de 29 de agosto de 2024, no qual a reportagem teve acesso, reforçou a urgência da perda das funções públicas dos condenados:

    “Ante a certidão cartorária retro, informando quanto ao trânsito em julgado da sentença para todos os réus, expeça-se, com urgência, ofício para o Comando Geral da PMERJ, a fim de dar cumprimento à determinação de perda das funções públicas dos condenados, na forma do art. 92 do Código Penal [...].”

    Situação atual dos condenados, conforme registro no Sistema Penitenciário:

    - Cláudio Luiz Silva de Oliveira, considerado o mandante do crime, cumpre prisão albergue domiciliar desde 06/11/2023. Ele era tenente-coronel e comandante do 7º BPM (São Gonçalo), na época do crime. Condenado a 36 anos de prisão.

    - Daniel Santos Benitez Lopes cumpre regime semiaberto no Presídio Constantino Cokotós, em Niterói. Ele era tenente, na época do crime, e foi apontado como um dos atiradores. Condenado a 36 anos de prisão.

    - Charles Azevedo Tavares cumpre prisão albergue domiciliar desde 02/12/2024. Condenado a 25 anos em regime fechado.

    - Sammy dos Santos Quintanilha Cardoso está em regime fechado na Cadeia Pública Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza, em Bangu. Condenado a 25 anos em regime fechado.

    - Carlos Adílio Maciel Santos cumpre regime semiaberto no Presídio Constantino Cokotós, em Niterói. Condenado a 19 anos e 6 meses.

    - Jeferson de Araújo Miranda está em prisão albergue domiciliar desde 11/11/2022. Condenado a 26 anos de reclusão.

    - Jovanis Falcão Junior cumpre prisão albergue domiciliar desde 11/06/2024. Condenado a 25 anos e 6 meses.

    - Junior Cezar de Medeiros está em liberdade condicional desde 10/08/2023. Condenado a 22 anos e 6 meses.

    - Sérgio Costa Júnior cumpre prisão albergue domiciliar desde 30/04/2025. O cabo foi o segundo policial militar acusado de realizar os disparos. Condenado a 21 anos em regime fechado.

    - Alex Ribeiro Pereira está em prisão albergue domiciliar desde 16/05/2025. Condenado a 25 anos em regime fechado. 

    - Handerson Lents Henriques da Silva teve a menor condenação: quatro anos e seis meses em regime semiaberto. Ele foi condenado por violação de sigilo funcional, já que confessou ter fornecido o endereço de Patrícia Acioli para os colegas executarem o crime. Ele já está em liberdade condicional desde maio de 2021.

    Choque

    Humberto Nascimento, primo de Patrícia, dirigiu o documentário sobre o crime brutal
    Humberto Nascimento, primo de Patrícia, dirigiu o documentário sobre o crime brutal |  Foto: Arquivo

    Diretor do documentário ‘Patrícia Acioli, A Juíza do Povo’, vencedor do Segundo Edital de Fomento à Cultura da Prefeitura de Niterói, o jornalista Humberto Nascimento, primo da juíza, lembra que o assassinato foi um choque para toda a família.

    "Ver o corpo crivado de balas na frente da casa dela, minutos após o crime, me impactou demais. Essa imagem não suaviza e nem desaparece da memória. O tempo passou, o crime foi resolvido, mas a história daquela barbárie tinha ficado muito restrita ao fato em si e não à pessoa da Patrícia, não só como juíza, mas como uma figura extremamente sensível ao sofrimento humano. Foi aí que surgiu a ideia de contar a história do crime com elementos e personagens que fizeram uma jovem que sonhava mudar o mundo se transformar numa combativa juíza criminal de São Gonçalo", narra ao ENFOCO.

    O assassinato de Patrícia Acioli ocorreu após uma perseguição de 27 km, desde que ela deixou o Fórum de São Gonçalo até sua residência em Niterói, em 12 de agosto de 2011. Segundo a investigação, os PMs Daniel Benítez Lopez e Sérgio Costa Júnior aguardaram a juíza escondidos atrás de um veículo e dispararam contra ela com pistola e revólver, enquanto os três filhos de Patrícia estavam em casa. A magistrada faleceu aos 47 anos.

    Defensora dos Direitos Humanos, na época do crime Patrícia era titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo e havia determinado a prisão de mais de 60 policiais envolvidos em organizações criminosas e na prática de forjar autos de resistência, ou seja, mortes atribuídas a intervenções policiais. Antes do crime, sua escolta foi retirada, e mesmo após solicitar revisão da medida, não foi atendida.

    Justiça

    O familiar diz que Patrícia deu sua vida em sacrifício à Justiça e também cobra mudanças institucionais.

    "Deu a vida em sacrifício de uma causa básica: a lei que pune o traficante e o assaltante é a mesma que precisa ser usada contra os agentes que se desviam. Eu esperava que isso fosse aprimorado dentro das polícias. Algo precisa mudar na cadeia de comando, porque não é normal a quantidade de agentes envolvidos em mortes por intervenção policial. Após o assassinato da juíza, as mortes aumentaram muito, passando uma mensagem subliminar de 'liberou geral'. A polarização política também atrasou mudanças estruturais necessárias", argumenta Humberto Nascimento.

    Filme sobre Patrícia Acioli foi lançado em agosto de 2022
    Filme sobre Patrícia Acioli foi lançado em agosto de 2022 |  Foto: Arquivo

    O documentário premiado destaca o lado humano da Patrícia, especialmente sua relação com as pessoas menos favorecidas. Humberto, o diretor do filme, lembra o depoimento emocionado de duas mães de vítimas:

    "O filho de uma delas era deficiente intelectual, um jovem com mentalidade de criança. Morreu baleado porque correu ao avistar policiais numa favela. Os PMs perceberam o erro, mas em vez de assumir, forjaram que o rapaz era traficante e colocaram uma arma na mão direita da vítima, que era canhota e nem tinha resíduos de pólvora nas mãos. A mãe foi incansável em buscar justiça e conseguiu. A outra mãe também faz um relato dramático sobre o assassinato do filho. Ela precisou ir várias vezes no Fórum de São Gonçalo para que a juíza tomasse conhecimento do grupo de extermínio envolvido e ordenasse que as investigações fossem feitas com agilidade e rigor. Os criminosos acabaram presos, julgados e condenados", relembra.

    Humberto Nascimento também critica a impunidade institucional:

    Aspas da citação
    O Brasil não resolve seus problemas estruturais, apenas faz remendos. Um coronel e um tenente assassinos ficarem mais de uma década recebendo salários é um escárnio. Na prática, a sociedade, inclusive os filhos da vítima, sustentaram os criminosos durante muito tempo, até serem finalmente expulsos. Isso revela um privilégio ainda maior com os oficiais, já que os demais envolvidos, todos praças, foram expulsos numa canetada, meses após o crime. Mudar exige enfrentar lobbies políticos poderosos
    Humberto Nascimento, diretor do filme ‘Patrícia Acioli, A Juíza do Povo’
    Aspas da citação

    Por fim, o jornalista diz que o documentário que produziu abriu portas para discussões acadêmicas.

    "Foi exibido em universidades, cinemas, mostras, ganhando prêmios nacionais e internacionais. Mas a história precisa se popularizar e chegar às comunidades. Talvez uma grande obra de ficção, inspirada em fatos reais, possa dar maior dimensão à memória da Patrícia e provocar mudanças estruturais no aparelho policial", finaliza.

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